terça-feira, 17 de agosto de 2010

Há alguma coisa que está a arder, what else?

Viajar de carro durante Agosto em Portugal mostra-nos in loco as maravilhas de um país a arder. Não obstante ser uma óptima forma de deslocar jornalistas ao terreno em gritos de pânico enquanto entrevistam populares aos gritos em pânico e depois bombeiros a dizer que fazem o melhor que podem e políticos que lamentam imenso o que está a acontecer (embora secretamente ache que não lamentam porque assim com sorte a área ardida ainda dá para uns hotéis e campos de golfes fantásticos, sem a chatice das áreas protegidas e outras denominações que se inventam para barrar este tipo de empreendimento[desde que vi o massacre dos empreendimentos da praia d’el Rey em Óbidos que perdi qualquer tipo de respeito pelo bom-senso dos políticos]), é talvez dos maiores absurdos que vão acontecendo todos os anos, invariavelmente, independentemente da cor do governo que está no poder, independentemente do tempo, de existirem meios e bombeiros, e de que toda a gente está à espera. Só não se sabe qual será a proporção desta vez e quem serão os felizes contemplados. Ora, também toda a gente já percebeu que cerca de 97%, mais coisa menos coisa, são causados pelo homem. O que é o mesmo que dizer que alguém chega fogo às matas: seja negligente ou doloso, alguém chega sempre fogo à mata. E mesmo assim, certamente muita boa gente, não tem nenhum tipo de remorso ou pensamento em atirar com toda a classe, para que o vento não empurre para dentro do carro, as beatas pela janela fora, mesmo que ao lado esteja uma mata seca. E assim se faz mais um incendiário.
Os argumentos para que os incêndios sejam de tão grandes proporções dividem-se. Para uns a falta de meios, para outros o facto de as matas do Estado não estarem limpas, para outros as sucessivas vagas de calor. Ora, no terreno vemos aviões, e bombeiros, muitos bombeiros, e até o exército foi chamado para apagar o fogo. Por outro lado, parece que se têm cumprido as regras sobre o fogo-de-artifício que é lançado durante as muitas festas que durante Agosto caracterizam o país. Ao mesmo tempo, os populares têm limpo as suas matas e terrenos, enquanto que o Estado não tem feito o mesmo com as suas. E também é verdade que em áreas ardidas se vêem muitas vezes, que terrenos agrícolas ficaram como manchas verdes no meio do preto precisamente porque não tinham vegetação rasteira. Mas além de me parecer difícil a limpeza de todas as matas do Estado, também não me parece que seja a melhor opção em termos de proteger as espécies animais que habitam tais matas, pois muitas dependem de tal vegetação tanto para alimentação, como para meio de protecção de predadores. Ou seja, tal não parece ser também o problema. Quanto às vagas de calor parece que vamos ter de nos habituar.
A política de reflorestação, com árvores que além de serem autênticas sugadoras de água convidam o fogo a servir-se de hectares inteiros de lenha (quem se lembrou dos eucaliptos deveria ser chamado ao assunto para explicar tão inteligente ideia, bem como quem teimosamente continua a insistir neste plano suicida), não vai levar-nos a lado nenhum.
Quanto aos incendiários, o artigo 274º do Código Penal prevê pena de prisão de 1 a 8 anos (atente-se que a mesma moldura penal está prevista no art. 169º/2/d), para o lenocínio, e no art.171º/1, para o abuso sexual de menores), sendo em certos casos de 3 a 12 anos, o que indica que o legislador penal não descuidou a punição dos mesmos. Contudo, existe a sensação de impunidade que é constantemente publicitada nos meios de comunicação social. Ora, condenações por incêndio existem, de acordo com um artigo deste ano que encontrei publicado no Diário Económico que data de Julho, até essa data já haviam 5 condenados a prisão efectiva pelo crime de incêndio florestal (um com pena máxima de 8 anos) e 7 inimputáveis sujeitos a medida de segurança de internamento. Claro que os números são baixos se comparados com os hectares ardidos, mas convém salientar que não é um crime propriamente fácil de investigar, devido à dificuldade de obtenção de provas.
Provavelmente as molduras deveriam ser agravadas. Estamos a falar de um crime que além de consumir floresta, que além de um recurso natural importantíssimo para a indústria e para a sobrevivência das espécies, consome terrenos agrícolas, destrói casas, mata pessoas e além disso destrói habitats de centenas de espécies (provavelmente milhares) que ficam presas nas tocas, ou que simplesmente não têm por onde fugir, o que terá consequências horripilantes pensando num espaço temporal alargado. Mas ao mesmo tempo, também sabemos que as molduras não têm qualquer efeito na diminuição da ocorrência de um crime, ou pelo menos, não o têm significativamente.
A solução parece então passar pela prevenção. Se é verdade que todos os países têm problemas com incêndios, também é verdade que Portugal é demasiado pequeno para ter um problema tão grave com incêndios. Se a área é pequena então facilmente será possível ter vigias em pontos estratégicos, como facilmente se encontra quem se ofereça para ir para essas torres em troca de compensação monetária (certamente que menor no orçamento que tudo o que é gasto no combate). Ora, as torres existem, mas da última vez que vi uma estava vazia. Por outro lado, se a maioria dos incendiários são pastores que andavam em pleno Agosto a brincar com o fogo na esperança de renovar a pastagem, então convém motivar os pastores para que não brinquem com o fogo em Agosto. E tal pode ser feito ou explicando com paciência o que pode acontecer com o acto inocente (embora ache que muita das vezes não seja assim tão inocente), ou aplicando outro tipo de sanções a que sejam mais sensíveis, por exemplo, expropriar os terrenos dos pastores que causem incêndios florestais em caso de reincidência e detenção dos animais (provavelmente tais medidas serão juridicamente incorrectas, não me caberá a mim fazer o papel de legislador, como é óbvio, na medida em que os meus conhecimentos são ainda diminutos).
Infelizmente o assunto apenas é tema durante os meses de Verão quando o fogo já está à porta. Num país onde os assuntos relacionados com protecção ambiental e animal é estereotipado e arrumado na categoria dos assuntos de crise adolescente da extrema-esquerda, existem dois meses em que se pensa sobre o assunto enquanto se fazem reportagens com as chamas atrás das costas. Neste momento, e por incrível que isto pareça, está a arder um parque nacional, área protegida, já há uma semana. Como é que um incêndio começa sequer perto de uma área protegida é algo que ainda não consegui perceber e duvido que alguém consiga.
Hoje durante uma viagem que nem a duas horas chega perdi a conta aos focos de incêndio e às áreas ardidas que ficam mortas pelo caminho. Se abrir a janela está um nevoeiro feito de fumo, enquanto que o cheiro a queimado entra mesmo com ela fechada, e de dia o céu está constantemente enublado pelo fumo. O mesmo irá acontecer para o ano e no ano a seguir, e depois no ano a seguir a esse. Até que provavelmente já não haja nada por onde pegar fogo. Ou talvez um dia se pense numa estratégia a sério, o que duvido seriamente que aconteça (há uns anos atrás escrevi um texto bastante parecido com este e passado todo este tempo, talvez 4 ou 5 anos, nada foi rigorosamente alterado).