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domingo, 5 de julho de 2009

"Porque ser homem não é ter felicidade mas apenas ser humano."

Há dentro de nós um poço. No fundo dele é que estamos, porque está o que é mais nós, o que nos individualiza, a fonte do que nos enriquece no em que somos humanos. E a vida exterior, o assalto do que nos rodeia, o que visa é esse íntimo de nós para o ocupar, o preencher, o esvaziar do que nos pertence e nos faz ser homens. Jamais como hoje esse assalto foi tão violento, jamais como hoje fomos invadidos do que não é nós. É lá nesse fundo que se gera a espiritualidade, a gravidade do sermos, o encantamento da arte. E a nossa luta é terrível, para nos defendermos no último recesso da nossa intimidade. Porque tudo nos expulsa de lá Quando essa intimidade for preenchida pelo exterior, quando a materialidade se nos for depositando dentro, o homem definitivamente terá em nós morrido.

Já há exemplos disso. Um dos mais perfeitos chama-se robot. É invencível pensarmos o que será o homem amanhã. E nenhuma outra imagem se nos impõe com mais força. Mas o que desse visionar mais nos enriquece a alma é que o homem então será possivelmente feliz. Porque ser homem não é ter felicidade mas apenas ser humano. Não há grandeza nenhuma feliz e é decerto por isso que se diz que os felizes não têm história. A única felicidade compatível com a grandeza é a que já não tem esse nome, mesmo que o tenha. Chamemos-lhe apenas compreensão ou aceitação.

Vergílio Ferreira

terça-feira, 16 de junho de 2009

o desespero

Em tempos defendeu-se a ideia que a discordância consigo próprio é a maior das tragédias.*
Os deuses questionaram o Homem. Porque discorda ele da sua substância, porque se nega e desilude. Epimeteu e Prometeu ofereceram-nos o mais belo coração fruto do fogo sagrado do alto do Olimpo.
Mas, o Homem após ser criado, após ser posto no Mundo, agiu, decidiu por si próprio, deram-lhe a liberdade e a auto-determinação; o resultado foi óbvio nasceu no corpo do Homem a desilusão e o cansaço pelos seus semelhantes e por si. Eis que nasce o misantropo, dada a possibilidade de odiar a condição humana. E os outros que exaltam o amor entre os homens? Bem, a eles foi dado como contrapartida o desespero, a tragédia das tragédias. Desespero por querer tornar-se em algo superior, aperfeiçoar-se e conquistar o seu lugar como Deus e, por outro lado, o desespero por querer negar-se, não ser ele próprio.
Em tempos defendeu-se a ideia que a única doença mortal é o desespero. É fatal na medida em que nos retira a possibilidade da última esperança e a possibilidade de morrer. O Homem que desespera não pode pôr um fim a si mesmo. "Um punhal não serve para matar pensamentos" E nisto se resume uma das maiores aporias do que é ser humano. Mesmo que o Homem se apunhale, se negue e passe a não-ser, o pensamento repercute-se para a eternidade e, como tal, a sua tentativa é meramente frustrada.
O Homem não desespera por não ser Deus, ele quer alcançar tal, mas a essência do desespero não está nessa via, ele desespera somente por não poder-se libertar dele mesmo, do seu "Eu".
Assim, "estar mortalmente doente" é não poder morrer.
Triste o Homem que desespera e que sabe que a morte não é a solução. Triste é o homem que desiste de si, do seu pensamento. Este não é um mero títere, após comunicado alcança o estatuto de realidade no Mundo e tem vida própria. O Homem se quer morrer, não pode comunicar. A partir do momento em que entra nesse bailado, não pode aspirar a tal solução. Cria uma aporia distinta e todas as utopias do mundo estão a suas mãos.
Cada vez mais alcança-se a Verdade: o Homem não é um ser feliz. Está-lhe no corpo e na alma não o ser. Triste o Homem que ainda sorri. Triste, pois ainda não despertou. Não devemos acordar outrem é certo, mas com o crescimento o mais "estúpido" homem irá finalmente descobrir de que é feito. O fogo forjado por Epimeteu e Prometeu, apesar de conter em si, as virtudes de um Deus, é o que nos queima a alma e o coração. Porquê?
Tornamo-nos mais que um simples animal e entre este e Deus, está o triste Homem...
Lancemos os nossos corpos à efemeridade e à eternidade, comuniquemos, mas não aspiremos a morrer e a destruir toda a nossa obra (pérfida ou bela), ela é distinta do nosso corpo. Que bela lição esta, não?

* (as citações de kierkegaard estão na base do texto escrito)
Tb publicado aqui! E Ary, não é altura de pores o meu blog nos links da sociedade? XD

sexta-feira, 12 de junho de 2009

o desejo último*

Eis que no fim das coisas, após tanto tempo a conviver com o Homem, após tanta incompreensão, apenas tenho um desejo último...
Sempre exaltei o cativar, o apegar, o aprisionamento, o Amor entre os Homens. Sempre o fiz e nunca desisti de tal. Mas, logo me entristecia as suas atitudes. Eles respondiam-me com o ódio, com a guerra, com o sofrimento, com a Política, História e Economia. Esqueciam-se do que é viver. Esqueciam-se da vida! Ó vida, como é possível atirarem-te para o abismo. Olvidar o Amor? Em mim só nasceu a incompreensão, eles esqueceram-se sempre do essencial...
Eis que no fim de todas as coisas, já não quero voltar à sociedade. Não quero falar de riquezas, de mesquinhices políticas... nada, nada, nada. Asco, puro asco em mim! Não consigo!Idolatrei um Império. Fundei um Templo no Amor. Logo, as pedras ruíram. O Homem, sempre o Homem, foi, é e será sempre o grande culpado... Não voltarei a sociedade, friso. Enquanto aviador e sonhador, continuo neste luar, a saborear o meu Império, a minha Ideia. Amo esse meu mundo. Amo, amo, amo...
Eis que no fim de todas as coisas, restaria-me fugir. Mas, fugir? Ó desgraça que me assombra. A solidão logo atacaria a minha pobre alma. E ela sangraria... Não! Não posso fugir mais! A utopia que criei é demasiado bela para não ser alcançada.
Eis que no fim de todas as coisas só me resta um desejo: morrer. Para afastar essa incompreensão. Morro triste? Porventura... Mas amei, amei algo e mesmo morrendo ninguém me tirará isso. Desejo morrer pelo Homem e sempre pelas coisas dele.

*Nota (muito importante): trata-se de uma adaptação muito, muito, muito pobre de um texto de Exupèry do livro a "Cidadela". Decidi reescreve-lo, mas a temperatura que o autor colocou nas suas palavras é algo que não vos consigo mostrar. Fica a mera tentativa de vos mostrar a conformação, o pesar e o lamento daquele que amou o Homem como ninguém e que por causa dele desejou morrer por não aguentar a dor na sua alma...