Ainda não temos manual de direito da família actualizado - e duvido que consigamos ter um nos escaparates a breve tempo. É que, ao ver o novo regime do divórcio, fico a pensar: coitados dos especialistas em direito da família, esses que têm em mãos a reformulação da teoria geral dos contratos. Duas alternativas:
1. Do casamento nasce de um contrato que, numa encruzilhada, pode virar uma espécie de relação contratual de facto - e o vínculo transmuta-se (a alínea d) do artigo dos fundamentos do divórcio).
2. A autonomia já não tem como contrapólo a responsabilidade (ou Pacta sunt servanta como um anacronismo das obrigações).
E isto vai dar trabalho, vai vai.*
*se o casamento já não é instituição (um reaccionarismo de direita), e já não é bem bem um contrato (ou ainda é?), será o quê? Um híbrido? Uma quimera? Qualquer dia andamos a aplicar por analogia a indemnização por clientela para garantir alguma protecçãozinha.
filhos da Duna
Há 3 dias
11 comentários:
Ainda no seguimento do último comentário do Ary, que se auto punia com o rótulo de conceptualista - que eu não lho atribuí - seria interessante um post sobre o valor da Norma e a sua relação com a Política.
Se este última detém um cada vez mais titânico poder de criar, perverter e modificar a primeira, parece-me óbvio que a tendência do regime será para a progressiva "ecxecutivização" e "profissionalização" da Política. Ainda que no momento as reformas na ordem jurídica, cegamente toleradas pelos juristas, não obedeçam a nenhum plano que não a doutrina da Vontade, actualmente sem critérios perceptíveis, a verdade é que, tal como Hayek afirma, estamos num processo de desautorização da Norma através da incompetência Política, de forma a que nasça no seio social a exigência por uma Política mais forte em vez de uma lei mais firme.
Discordo da tua observação tiago.
O legislador quis aqui ajustar os contornos do principio da liberdade de casamento. Todos podem casar, em principio com quem querem, não podendo ser obrigados a tal. Sendo que se não é obrigado a contrair matrimónio, também não é obrigado a permanecer no mesmo se as condições de vivência se tornarem insuportáveis. Esta flexibilização parece salvaguardar esta liberdade, claro que se pode arguir, que dado que o contorno dogmático da alinea d é ainda muito vago, sendo claro que um critério é necessário, e parece que o critério da essencialidade e da gravidade parece bom.
Que é um contrato é. E a responsabilidade é auferida nos termos do 1792/1 claro que dado que é um contrato com natureza especial, e se baseia na comunhão de vida, não há indemnização pelo rompimento do contrato, mas tendo em conta a ratio do contrato, vamos querer obrigar a outra parte a ficar numa relação que não quer? Vamos limitar a esse ponto a sua liberdade de contrair outro matrimónio?
Julgo que não
Concordo com a reforma, acho no entanto que o artigo em questão devia ser bem trabalhado pela doutrina.
E não partilho das tuas preocupções realtivamente às garantias
:)
Os efeitos patrimoniais do casamento são muito robustos: quer ao nível da qualificação dos bens, quer quanto aos poderes de disposição/administração (além da vocação sucessória prevalente do cônjuge). Essa violência só se justifica pelo substracto do casamento: havendo comunhão de vida entre os cônjuges - havendo, portanto, uma entrega que se quer, ou se pressupõe, substancial - é tolerável que haja tantas restrições. Daí que haja deveres conjugais, que reequilibram as posições. A dimensão patrimonial é compensada pela pessoal.
Quando se retira relevância aos deveres, começa a destruir-se o equilíbrio contratual. Questão muito simples: A trabalha que se mata para garantir a subsistência da família. Os salários são bens comuns. B viola reiteradamente deveres de respeito e de fidelidade. B pode pedir o divórcio, verificados os pressupostos da al. d., por ruptura definitiva do casamento(a não ser que se comece a meter aqui o abuso de direito) e A não tem direito a qualquer compensação pela dissolução do casamento - só indemnização nos termos gerais. Há aqui equilíbrio? Os salários, v.g., são bens comuns - B tem direito a metade do seu valor. Ele/ ela que deu causa à dissolução do casamento. E se A tivesse pedido o divórcio? Não deveria ter, igualmente, direito a qualquer compensação?
Onde está, aqui, o equilíbrio contratual?
Tens razão quando dizes que o casamento traz efeitos patrimoniais muito extensos, mas será isso motivo para impedir um conjuge de prosseguir a sua vida? é que mantendo o regime anterior a indemnização pela cessação do casamento era uma coisa brutal (nas palavras de uma conservadora de lisboa, "vinham-me pedir que convencesse a mulher a separar-se por acordo porque o divorcio (litgioso) ia-o meter na ruina")
O que eventualmente se poderia fazer era impedir o divorcio nos termos da alinea d, a não ser que os conjuges estivessem em separação de bens. Tornando o sistema de divorcio mais complexo quanto mais comum fosse o regime de bens, e mais flexivel quanto menor fosse a comunhão do regime. Desse modo proteger-se-ia a parte patrimonial (que no fundo é a GRANDE marca distintiva do casamento, pois a comunhão de vida pode-se dar em qualquer união.
Ainda assim considero que o regime antigo que punha grandes ónus à violação de "deveres conjugais", e com uma inflexibilidade grande, se baseia numa visão da sociedade em que o casamento é algo imutável, e que acaba por ter consequências nefastas em muitos casos.
Exemplo: A casada com B é vitima de violência doméstica reiterada, estudos mostram que 70e tal por cento das mulheres não conseguem separar-se do marido (que muitas vezes quer o divorcio). Co ma clausula o marido já pode sair do casamento ainda que tenha violado o dever de respeito.
Exemplo: A não sente já nada por B, é casada à 25 anos, B respeita todos os deveres conjugais, mas A ainda assim quer sair desse casamento onde não há comunhão material de vida (no ambito da felicidade) No regime antigo eles tinham de estar separados 3 anos, ou por A já não querer viver com B, tinha de lhe pagar uma indemnização por cima. qual é a lógica desta indemnização? O amago do casamento é a felicidade conjugal que permite uma comunhão de vida aprofundada, sem ela, ele não tem sentido. Vamos punir a pobre senhora porque quer seguir "em frente com a sua vida?"
Se me permitirem uma infantil participação, de quem não percebe NADA de obrigações, mas pensa que até tem uma questão legítima:
considerando a posição do Duarte a mais correcta - o casamento enquanto contrato, apesar das objecções do Tiago - e da necessidade de liberdade contratual para que a desvinculação seja mais fácil - algo que o Duarte afirma ser uma necessidade de uma nova "visão da sociedade", se ele me permite - vamos então aplicar esse modelo contratual a outros ramos do direito.
Vamos então viajar até outras margens que eu também desconheço, só apenas das experiências de alguns amigos, o Mundo do Direito do Trabalho.
O contrato de trabalho consiste numa menor dependência económica entre as partes do que o contrato de casamento?
A aplicação do princípio da sociedade visionária, tão comum nos dias de hoje, não revelará uma necessidade de maior facilidade de desvinculação do contrato de trabalho, visto que o regime actual impõe grandes dificuldades ao despedimento, e com uma inflexibilidade grande, baseando-se numa visão da sociedade imutável, numa época político/jurídica que está há muito ultrapassada?
Manuel, comparar o contrato de trabalho ao contrato de casamento é comparar uma sardinha com massa a bolenhesa, a unica coisa em comum é que são comida.
Os diferentes contratos têm diferentes fundamentos e diferentes contornos. Se o contrato de trabalho é necessário para garantir ao trabalhador segurança numa situação em que está claramente em desvantagem, pois o cntrato de trabalho tem um relação de hierarquia com poderes de direcção face à entidade empregada, muito diferentemente acontece no contrato de casamento.
No casamento tens 2 pessoas que querem establecer uma comunhão de vida. Esse é o fundamento do contrato!!! Não há nenhuma posição contratual comum poder sobre a outra. Claro que como contrato mais complexo tem obrigações patrimoniais, e tb obrigações extra patrmoniais ou deveres conjugais.
O argumento do tiago vem proteger o equilibrio contratual, e o património, mostrando que realmente dado o montante do patrimonio envolvido é necessário protecção.
O meu argumento não vai contra o dele, simplesmente acho que se o fundamento do casamento é aquele acima referido, então quando já não há comunhão de vida, deve haver uma possibilidade de resolver o contrato. pois a razão de ser do contrato já nao existe. A clausula d se fosse bem feita poderia salvaguardar isso.
Manuel,
Se ao fim de três anos ainda não percebeste que "the point" em todo o Direito é "dar a quem nasceu com braço mais curto uma espada mais comprida", como disse Antunes Varela, então não percebo o que é que podes ter aprendido entretanto.
Se não houve Direito do Trabalho ou um direito à dissolução unilateral do casamento eu acho que nunca na vida me empregava e provavelmente nunca casaria.
Duarte, tá compreendida a mensagem.
Obrigado!
A questão é que no casamento não existe parte mais fraca. Aliás, o casamento existir enquanto instituto jurídico é algo de absolutamente anacrónico.
Pedro Sá, isso soa a dizer que, também, nos contratos de trabalho, arrendamento, relações de consumo, relações entre entidades bancárias e particulares, ..., não há parte mais fraca...Anacrónico é pensar que a "igualdade" recria a realidade.
Lacordaire, séx XIX, já aqui citado há um ano pelo Ari: Entre o forte e o fraco é a lei que liberta e a liberdade que oprime.
Há muito desta afirmação que procede.
Segunda questão: o casamento existir enquanto instituto jurídico é uma questão dogmática, uma categoria um tanto ou quanto fluida que, no entanto, ainda vai existindo. Quanto a existir como "instituição" social é uma evidência.
O meu raciocínio pode ser ínvio, naturalmente. Desafio a que se apontem as razões.
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