quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Sobre a cópia, o plágio e coisas afins

(Este texto foi escrito na sequência de um pedido feito por uma comissão constituída por professores da UP a que algumas pessoas escrevessem sobre a questão do plágio, especialmente em trabalhos científicos. Não chegou o texto a ser entregue e hoje o estado de espírito relativamente a algumas destas questão é um pouco diferente, mas vale mais não seja como reflexão sobre o tema).







Todos somos anões aos ombros de gigantes e só a sua altura nos permite ver mais longe.

Só não finjo ser minha a frase porque já o fizeram Bernardo de Chartres, Isaac Newton, Isaiah di Trani, George Herbert, Didacus Stella, Lucano, Samuel Taylor Coleridge, Howard Taylor, a NASA, Umberto Eco, os Oasis e Melvyn Bragg antes de mim, de uma maneira ou de outra. E tudo isto provavelmente antes do Banco de Inglaterra ter decido pôr a frase nas suas moedas de 2 libras – sem citar nenhum dos anteriores. Não finjo que a frase é minha simplesmente porque não me sentira bem na companhia de tão ilustres personagens, que recorreram ao plágio para popularizar uma verdade universal: não existe originalidade sem cópia.

Desde já me recuso a citar fontes para a afirmação anterior. Não porque não as tenha, que tenho, mas porque a estética bem pode triunfar sobre a ética, de vez em quando, e as notas de rodapé não são particularmente apelativas. Para mais S. Tomás aconselha-me na sua carta intitulada De Modo Studendi: Non respicias a quo, sed quod sane dicatur memoriae recommenda. Portanto, por maioria de razão, as referências bibliográficas não podem ser assim tão importantes.

Claro que ao citar assim o Doctor Angelicus corro o risco de parecer incoerente, mas, como dizia um tal Oscar Wilde, consistency is the last refuge of the unimaginative.

Como pode a Comissão pensar que os primeiros a arder neste auto-de-fé deverão ser os que copiam? Se depois desse fogo se seguir o do inferno facilmente recorrei às palavras de Maquiavel que alegadamente preferia o paraíso pelo clima, mas o inferno pela companhia.

Mas mais, como pode a Comissão deixar fugir os incendiários enquanto persegue os que batem a rebate – palavras de Sébastien Roch Nicolas de Chamfort? Sim. A cópia é o badalo que toca o sino de uma outra verdade: o conhecimento não tem dono, nem autor, nem domicílio postal ou marca registada. Por ventura alguém pagou alguma coisa ao pobre do Pitágoras pelo seu teorema? Toca a rebate quem não pode pactuar com um sistema de ensino claustrofóbico, formatador e francamente aborrecido, que centenas de anos depois da escolástica insiste na reprodução de classes, de conceitos, de modelos, numa repetição acrítica de informações ultrapassadas que deformam quem pretendem formar, se é que ainda isso pretendem.

Neste contexto Bolonha não é mais que uma anedota mal contada - só pode porque pelos vistos já acabaram de a contar e ainda não vi ninguém rir. Mais uma ilusão, quem sabe bem-intencionada, que mais não foi que um pretexto para a perpetuação de uma casta dirigente de professores que sob o mote da eficiência e da modernidade venderam a todos a ideia de que não há nunca alternativas, de que não há tempo a perder e que eles é que sabem o caminho. A nós resta-nos seguir contentes e sem fazer muitas perguntas.

Quem dedica a vida ao conhecimento mais não pode pretender do que semear, do que ser “sal da terra e luz do mundo” – como disse um tal Jesus Cristo, a outro propósito, há uns milhares de anos atrás.

Que Universidade é esta em que não se convocam eleições para poupar tempo, mas em que se vive numa roda-viva de trabalhos e relatórios que ninguém lê? Em que se forjam documentos e se perseguem professores e alunos? Em que há titulares de órgãos que nunca tomaram posse porque “não é preciso”? Em que se dá de barato que todos os procedimentos estão viciados porque “há tantas leis, que se as fossemos a cumprir a todas … é a burocracia”? Ou em que há professores que abertamente dizem que não dão notas acima de dezasseis? Em que discordar é ser desleal? Contestar é ser irresponsável? Procurar alternativas é trair? Em que se recebem ameaças por exercer direitos? Em que se escolhem inimigos entre os mais fracos e amigos entre os mais fortes? Em que provas académicas já pouco mais são que peças de teatro? Em que se perdeu a vergonha?

Estranhos tempos estes numa Universidade em que gente civilizada já nem tem medo de mostrar os caninos revelando o que dentro de si tem de mais cruel.

Oh tempus, oh mores! Cícero
Power tends to corrupt, and absolute power corrupts absolutely. Lord Acton
Madness in great ones must not unwatch’d go. Sheakspear

3 comentários:

João Fachana disse...

Portanto pelo que percebo do teu texto ary, passemos a fazer trabalhos sem nenhuma nota de rodapé, porque tudo deve ser livre de ser usado sem citações?

Não concordo minimamente contigo. É verdade que o saber é universal e não se deve impedir a ninguém de o usar, agora há que atribuir o crédito a quem "descobre" a ideia, citando-o.

Até porque se não fizermos citações, como poderemos separar o original da cópia, o que já está descoberto do que o que realmente se descobriu de novo?

Hugo Volz Oliveira disse...

Texto engraçado :) Com um excelente propósito, e é um tema que devia ser debatido a sério.

Já Einstein dizia que o segredo da criatividade seria esconder as nossas fontes. Hum.. onde será que ele foi buscar isto :p


João, acho que é diferente atribuir crédito a um indíviduo ou grupo, do que simplesmente atribuir crédito a alguém, a uma incógnita, ao outro que não nós.

O problema é que o Homem vive de incentivos, e sejam eles quais forem são geralmente diferentes.

Como dizia o outro, que se exprimiu em latim no texto, não interessa quem disse o quê, mas a razão do que disse.

Ary disse...

João, se reparares bem eu cito umas vinte pessoas em todo o texto. Não poderia ser contra as citações =)

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