quarta-feira, 25 de junho de 2008

Retórica e Violência



Onde acaba o confronto de ideias e começa o confronto de personalidades? E onde acaba este e começa o puro insulto? Quantas vezes ouvimos dizer que no parlamento "eles" se insultam uns aos outros e quantas vezes vimos tal acontecer?

Antes de mais: Eu acho que há um tremendo preconceito relativamente à violência. A violência para quem não resolve nada tem tido muitos resultados, não acham?
Desde o pátio da escola, às guerras mundiais, eu acho que a violência até se tem safado bem. Claro que não digo que ela seja capaz de resolver tudo, ou que a forma como ela resolve as coisas seja a melhor ou a mais eficiente, mas é provavelmente a mais eficaz.

A própria ordem jurídica reconhece o valor da violência, especialmente quando se trata de defender "o lícito perante o ilícito", mas tanto a legítima defesa, como o estado de necessidade, como a acção directa não passam, muitas vezes, de causas de legitimação da violência. E o mesmo se passa na ordem jurídica internacional como o uso da força.

Gandhi pode ter conseguido o que queria pela resistência pacífica, mas muitos outros líderes conseguiram exactamente o mesmo com recurso à violência. Não digo que seja melhor recorrer a ela, mas não se pode dizer que não traga resultados.

Da mesma forma posso relatar-vos da minha experiência pessoal que a violência pode ser um bom remédio para evitar ser assaltado. Mas que outros métodos, como falar com o assaltantes até eles se fartarem, também funcionam.

Passando a outro ponto.
Em geral as pessoas tendem a confundir as coisas e a dizer que toda a agressividade no confronto é insulto. Que as pessoas defenderem as suas ideias de forma aguerrida as faz perder a razão. (Quantas vezes já ouviram/disseram isto e até pensaram que estava certo?)

É normal haver agressividade no discurso. É normal as palavras serem duras, as frases ríspidas, as caras fechadas, os gestos brutais, quando se estão em causa divergências de posição; anormal seria que alguém estivesse a lutar com as palavras sem ser violento, se estevesse a tentar convencer sem tentar vencer.

"A pena é melhor que a espada", "o voto vale mais que a bala", mas não é por ser menos violento, antes porque tem menos de aleatório e mais de racional. Porque é mais provável que ganhe quem tem razão num debate que num duelo. Não é que quem ganha o debate tenha sempre razão, mas quem tem a força dos argumentos do seu lado tem vantagem comparável à de quem leva consigo a força das armas no duelo. No debate não se chega à verdade, mas à verosimilhança (o que, diga-se, já não é nada mau).

Podem pensar que entrei em contradição, ao começar por elogiar a violência e acabar por elogiar o debate, mas isso é só porque existe um outro preconceito, decorrente do primeiro e que por isso mal se destrinça dele, relativamente ao debate. O debate é violento.

O debate não é uma simples "troca de ideias" em que "eu fico com a minha e tuas ficas com a tua" para isso eu escrevia a minha opinião tu escrevias a tua, trocavamos de textos e enterrava-se o assunto. O debate não existe para que os oradores saibam a opinião um do outro, para isso em 90% dos casos não era preciso, porque, regra geral, eles já sabem a opinião um do outro.

O debate é violento porque exige confronto, exige que as ideias se justaponham, se atropelem, se acotovelem, que façam moche, que "sim"," mas não"," e daí talvez", "ainda assim", "embora", "apesar de", "contudo", "e no entanto talvez não", "não é bem assim", "mas por vezes", "quase sempre", "nem sempre" .... e elas [as ideias, claro] andem ali à pancada, esperando que por entre todos aqueles socos e pontapés haja um, basta um, que acerte em cheio na cabeça de alguém que a adopte e faça daquela ideia sua.

É óbvio que a coisa tem de ser violenta. Só não o é para quem pensa que as palavras são só palavras, que as ideias são só ideias e que os sonhos são só sonhos.

Pobres coitados sem palavras, nem ideias, nem sonhos.

"Primeira regra da socidade de debates: não se fala da sociedade de debates"

11 comentários:

MJ disse...

Gostei muito.
Embora mantenha aquele meu velho "perconceito" quanto a tremer interiormente com as tuas adoráveis gralhas ortográficas. :p

Beijinho

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

eu iria um pouco mais longe ary.

eu diria que essa necessidade de confronto deriva de uma insegurança patológica própria dos Homens em relação ao tamanho do seu pénis.
quantas guerras não se terão travado apenas pela desconfiança de o outro povo possuir um órgão fálico mais portentoso?
ah, meu velho aí está a explicação, a derradeira explicação de muita coisa.

leia Freud ary, leia Freud meu caro...

Anónimo disse...

Concordo inteiramente. Poder-se-à usar o mais bélico dos meios para atingir um certo fim: se o meio e o fim forem justos. A violência SÓ não se justifica se injusta, se não conforme ao Direito.

Uma mentira será sempre uma mentira, nunca uma inverdade. Por muito dura que a palavra possa soar.

Ary disse...

MJ e Manuel,tratem do vosso complexo de inferioridade.

MJ disse...

Viva a simpatia, já não se pode brincar. Tratares da tua antipatia e mania de superioridade crónica também não fazia mal nenhum...

Ary disse...

MJ,

eu percebi que estavas a brincar, quem não percebeu a brincadeira foste tu.

Quanto ao resto vou tirar o proveito da minha fama e não vou responder.

canoas_o_Mercenário disse...

Quote...
"Concordo inteiramente. Poder-se-à usar o mais bélico dos meios para atingir um certo fim: se o meio e o fim forem justos. A violência SÓ não se justifica se injusta, se não conforme ao Direito."

Ya o hitler e o pol pot considerávam o fim deles justo e por isso mataram milhares de pessoas... A retórica vã e os chavoes do direito são muito bons no papel e depois dão o resultado k dão. Não existe uma unica consciencia no mundo, como tal como é k alguem pode julgar alguem tendo em conta esse criterio tiago?? Mas para acção bélica... tou sempre pronto... (day dreaming) T34... attakuiyo XD

Ary disse...

Há situações em que o certo vira errado e o errado certo e em que o próprio direito se transforma em "não Direito", mas tirando essas situações anormais e partindo do princípio de que tudo o que não é proibido é permitido, então fará algum sentido dizer que a violência só não se jsutifica são for injusta.

Claro que o critério jurídico é aqui insuficiente, mas numa primeira aproximação não me parece mau.

Ary disse...

Acho que esta discussão tem a ganhar com este enxerto de uma outra árvore que tem dado bons frutos:

francisco disse...
A violência poderá ser, por vezes, solução. Mas eu prefiro pensar e agir achando que não. À partida, pelo menos à partida, os resultados serão sempre infinitamente melhores. E à chegada, a funcionar, também.

pedro ary ferreira da cunha disse...
Acho que o contributo do noronha é importante para esta discussão sobre a violência. Baseando-me no que ele disse eu diria que será sempre bom antes de agir fazer um quadro com várias soluções alternativas e os respectivos resultados alternativos. Numa espécie quadro ilustrativo do dilema do prisioneiro, mas obrigatoriamente mais complexo, com mais hipóteses e mais resultados para cada uma. A partir daí acho que teremos uma boa base de trabalho para uma teoria sobre o uso da violência.

Anónimo disse...

Canotilho, o teu comentário é muito pertinente. E é por isso que tenho andando a escrever uma cenita sobre essa mesma temática: como censurar Hitler e Mussolini com base num critério jurídico?
Para já, e apenas para já, eu apontava para uma solução: Com base num critério muito próximo do usado em Direito Penal para o erro sobre a ilicitude, segundo o qual há certas concepções e matrizes que todos devem conhecer.

Nota num ponto: mesmo isto corresponde a uma ideia de Direito. Uma ideia em que há um mínimo de conteúdo axiológico que todos têm capacidade para apreender e pelo qual todos devem pautar a sua conduta.

Anónimo disse...

Noronha, voltamos aqui a um problema semântico. Tu consideras que a violência não deve ser solução. Ora, eu diria que os meios bélicos o não são. Porque tenho a certeza que consegues ser imensamente violento verbalmente para fazeres ver a alguém que a violência (enquanto coacção física e uso de meios bélicos) não é solução. Creio que, felizmente, todos estamos de acordo. Já infelizmente a palavra violência é polissémica e, pior, tem vários sentidos normativos.

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