sábado, 2 de maio de 2009

a pena de morte

Em início de queima (ou prestes), parece de mau gosto escolher a temática. Só que se não faço o que pretendo agora, não o farei jamé, porque cairá no esquecimento (pessoal). Portanto, fixo o tema: como mais do que a pena de morte abstractamente pensada, o que, em geral, choca o comum dos humanos, é o espectáculo ao vivo da morte de alguém (o que leva aos limites que se colocam à pena de morte nos EUA). Cá vai a citação.

"O aspecto do cadafalso, com efeito, quando se ergue, tem qualquer coisa que alucina. Pode-se ser indiferente até certo ponto, com relação à pena de morte; podemos hesitar, não nos pronunciarmos claramente, enquanto por nossos próprios olhos não virmos alguma guilhotina; mas, logo que a vejamos, o abalo que nos causa é tão violento que temos de nos decidir ou pró ou conra. Uns admiram, como de Maistre, outros maldizem, como Beccaria. A guilhotina, que é a concreção da lei, chama-se «vingança», nem é neutral nem vos permite sê-lo. A sua vista causa na alma o mais misterioso estremecimento. Em volta desse cutelo surgem todas as questões sociais como um ponto de interrogação. O cadafalso é uma visão. Não é uma mole de madeira, uma máquina simples, um mecanismo inerte feito de pau, ferro e cordas. É uma como que misteriosa criatura, dotada de não sei que sinistra iniciativa. Dir-se-ia que essa mole de madeira vê, que essa máquina ouve, que esse mecanismo compreende, que esse ferro e essas cordas têm uma vontade. A vista de um cadafalso faz embrenhar o espírito em sombrias cogitações, do meio das quais surge terrível e como que circundado dos espectros das suas vítimas. O cadafalso é o cúmplice do algoz; não come, devora; o seu alimento é carne, é sangue a sua bebida. É como que um monstro fabricado pelo juiz e pelo carpinteiro, um espectro que parece viver a horrorosa existência formada de todas as mortes de que tem sido instrumento."


A analogia parece-me possível com qualquer outro instrumento com que se aplique a pena de morte.


Victor Hugo, Os miseráveis, Livro I, capítulo IV.

1 comentário:

Hugo Volz Oliveira disse...

É um belo tema. Mas penso que para ser escolhido, também tenha que ter em conta as vontades pessoais, fugindo assim um pouco ao modelo utilizado.

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