sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Carta Aberta dos Estudantes de Direito à Ordem dos Advogados

Agradecemos a presença de todos hoje à tarde junto da OA. A nossa carta foi recebida e foi-nos prometido que será enviada aos seus últimos destinatários com a maior brevidade possível. A carta vai subscrita por 7 AAEE e temos recebido resposta de outras que se querem juntar a nós.


Segue o texto enviado:

Exmo. Senhor Bastonário António Marinho e Pinto,
Exmos. Senhores membros do Conselho Geral da Ordem dos Advogados,
Exmos. Senhores Presidentes dos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados:


As Associações de Estudantes das Faculdades de Direito, abaixo-assinadas, representando os seus estudantes, indignados perante a deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 31 de Agosto de 2009, que estabelece a criação de um exame nacional de acesso ao estágio, vêm por este meio assumir publicamente as suas divergências, expor as suas críticas e denunciar a perniciosidade de uma deliberação elitista, corporativista, malthusiana, injusta e vexatória.

Desde logo no início da deliberação é feita uma comparação entre a capacidade técnica e prática de um recém-advogado com um recém-formado em Magistratura. Note-se que além de bizarra é totalmente desnecessária a comparação das duas profissões, porque estão a ser comparados profissionais liberais com funcionários públicos. O que a própria Ordem critica é a formação deficiente ou insuficiente que nela é ministrada, pelo que a solução está em melhorar ou reformar essa formação e não em exigir um exame de admissão ao estágio, que restringe o acesso a uma profissão que é liberal. Configura-se claramente castrador e excessivo para os recém-licenciados acabarem a sua licenciatura depois de 4 anos, e serem sujeitos a um exame que lhes dará acesso a um estágio, a outro exame e ainda ao exame final de Agregação – é a seriação da seriação! O exame de Agregação à Ordem é, no nosso entender, a ferramenta correcta e necessária para averiguar se o licenciado tem ou não capacidades, está ou não apto a exercer a profissão de Advogado. Todas as demais limitações são uma restrição ilegítima ao direito constitucionalmente protegido da liberdade de acesso à profissão, justificado apenas por uma campanha de interesses corporativos que em tudo prejudicam o Estado Democrático, a liberdade dos cidadãos e o acesso à Justiça.

Se a Ordem dos Advogados está descontente com a qualidade da formação que ministra e com a qualidade dos formadores, não percebemos como pode concluir que o que está errado no sistema é a qualidade dos formandos e dos seus conhecimentos científicos. Para mais se a diferença entre “um magistrado qualquer, no primeiro dia em que inicia o exercício da sua função, com um Advogado no primeiro dia em que intervém num tribunal após ter efectuado com êxito o seu exame de agregação” “não é tanto ao nível dos conhecimentos jurídicos e científicos mas sobretudo ao nível da preparação técnica e prática para o exercício das respectivas funções”, então também não parecem ser as Universidades as responsáveis. Continua a haver, em especial no ensino Público e Concordatário, excelentes escolas de Direito em Portugal, criteriosas na admissão, exigentes no ensino e rigorosas na avaliação. Taxas de reprovação mais baixas, que eventualmente se possam hoje verificar, cremos que em algumas delas se ficarão a dever a melhorias pedagógicas e não necessariamente a um maior laxismo dos docentes.

A OA considera que tem uma “função reguladora” que lhe permite tomar esta deliberação. Não é assim: a função de acreditar os cursos pertence actualmente à Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior e através deste exame, a Ordem arroga-se das funções da Agência, ultrapassando em muito a mera “função reguladora” e pretendendo ser uma entidade fiscalizadora que, como se pode ver na deliberação, considera ter a capacidade de atestar sobre a qualidade das Faculdades. Atente-se que compreendemos as críticas da OA ao estado do ensino do Direito no país, e a saturação do mercado de licenciados é evidente – mas embora concordemos com o diagnóstico, a terapêutica não pode ser esta, para além das dúvidas de conformidade legal e constitucional que suscita. A solução para o problema tem de ser colocada a montante, através de uma maior exigência na acreditação dos cursos e de contenção na abertura de vagas – se um estudante é aceite no sistema de ensino, é porque lhe é garantido em princípio que o seu curso tem qualidade suficiente para lhe assegurar o acesso à profissão que escolha.

Concordamos que é imprescindível que todos os advogados possuam “um nível mínimo de conhecimentos jurídicos e científicos, pois só assim poderão assumir condignamente a defesa de relevantes interesses pessoais e patrimoniais dos cidadãos e das empresas” e podemos até conceder que o ensino do Direito se tenha degradado nos últimos 30 anos com a abertura de cursos sem critério, onde a passagem dos estudantes às cadeiras ministradas não é mais que uma mera formalidade, mas é a AAAES que deve aferir da qualidade dos cursos ministrados em Portugal e não a OA. Abriram-se vagas no ensino superior que o mercado não pedia e passaram-se estudantes que hoje degradam a imagem da profissão? Estamos em crer que sim, mas a solução não passa por pôr os estudantes de hoje e advogados de amanhã a pagar por faltas alheias, sacudindo a água do capote. O mercado pode ser lento a reconhecer os seus excessos, mas fá-lo inevitavelmente e prova disso é que o número de estudantes que entram em Direito todos os anos já desceu, mesmo sem contarmos com o encerramento de certas instituições. Procurar restringir o acesso a uma profissão liberal através de mais um exame de admissão é mais que claro egocentrismo, constitui uma prática absurda, de aproveitamento dos estudantes, e possivelmente inconstitucional.

Esta deliberação ataca também a igualdade de oportunidades dos licenciados antes e depois do Processo de Bolonha, tendo aqueles o seu acesso garantido ao estágio, o que põe em causa a própria credibilidade do Tratado e dos novos planos de estudo das Faculdades. A Ordem não pode afirmar que os alunos que terminam a licenciatura segundo o modelo de Bolonha tenham uma preparação menor para acederem à OA e considerar isto é não ter a mínima noção das cadeiras e dos programas dados nas Universidades. É ter uma visão corporativista e elitista do que deve ser a profissão e é impedir que o mercado regule o número de licenciados existentes, o que prejudica gravemente o acesso à justiça por parte das populações, para além de desconsiderar totalmente o ensino de qualidade feito nas Universidades, bem como a evolução científica do Direito.

Não percebemos aliás a concepção de Justiça do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, que pensa que a solução mais equilibrada para os problemas que afectam os advogados implica prejudicar, de entre todos – decisores políticos, docentes, responsáveis ministrais, instituições de ensino, antigos dirigentes da OA – os únicos que não tiveram, nem puderam ter, nenhum papel na criação ou na manutenção desses problemas: os estudantes.

Por fim, indignamo-nos com aquilo que consideramos ser de uma clara má fé por parte do Conselho Geral da Ordem, ao aprovar esta deliberação em período de férias, sem consulta às Faculdades e aos Estudantes, tentando passá-la despercebida à opinião pública e impune perante qualquer comentário ou discussão dentro da comunidade académica.

Representando o Direito, para nós, o triunfo da razão justa prudente, humana e dialogante sobre o império da força, encontramo-nos, como sempre, dispostos a procurar novos consensos com a Ordem dos Advogados, evitando assim uma luta fratricida, ainda que a Ordem não tenha procurado o diálogo connosco antes de fazer sair esta sua decisão autista. Mas esperamos agora por um repensar de posições, e estamos certos que essa reconsideração terá por base a mesma vontade de melhorar a Justiça, restaurando assim a confiança dos portugueses no Direito.

Cordialmente,

Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa
Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Associação de Estudantes de Direito da Universidade do Minho
Núcleo de Estudantes de Direito da Associação Académica de Coimbra
Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Porto
Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Lisboa
Núcleo de Estudantes de Direito da Universidade Lusíada Portuguesa - Porto

6 comentários:

Ary disse...

Respondendo ao Fachana:

Isso teria sentido antes da criação da Agência para a Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. Essa sim tem como atribuição avaliar e acreditar cursos, dizer quais têm e quais não têm qualidade científica. A Ordem vir dizer quais são e não são as Faculdades que ensinam bem Direito, seria estranho já que por um lado não está estutariamente vocacionada para isso, nem tem forma de fazer uma análise cuidada da qualidade científica e pedagógica dos cursos de Direito em Portugal.

Mais tarde ou mais cedo a Ordem dos Engenheiros vai ter problemas com esse sistema de acreditação...

Ary disse...

Mas reconheço que se tal fosse possível poderia ser uma solução.

DC disse...

Ari, a OE faz, e continuará a fazer isto...quantos anos têm a dita agência?garanto-te que há 7anos atrás, já havia disto, se não teve até agora, não sei porque virá a ter...

Não compreendo então para que serve uma agência de Avaliação e acreditação do Ensino Superior se permite que se saia licenciado em Direito ao fim de 3anos, com a cadeira de direito das obrigações como opcional(desculpa não poder precisar onde, mas não estou com grande tempo para fazer "search" no google...) servirá para dar "jobs" aos "boys" como também se está a fazer nas Universidades? Funciona à base de dinheiro?Se eu tiver 1milhão de euros para dar às pessoas certas será que consigo licenciar malta em direito ao fim de 2 anos e sem possibilidade de chumbar(à semelhança do ensino básico público e para onde caminha também o ensino secundário)?

Se calhar chegou-se a isto porque nunca NINGUÉM se mexeu para que a Acreditação dos cursos de direito fosse feita decentemente!

Ary disse...

A Agência deve ter um ano. É preciso dar-lhe tempo.

João Fachana disse...

É preciso ver também quem compõe essa agência... Para que seja uma agência diversificada e imparcial. Que não aconteça como com o CNAVES, onde estranhamente, as faculdades de direito com melhores notas foram aquelas que tinham professores parte do mesmo jurí que as avaliou.

Não entendo porque é que uma ordem não pode ter competência para saber quais as faculdades que são mais aptas a formar os seus alunos com conhecimentos que os permitam ser bons advogados. As ordens representam as suas profissões, e sabem o que cada profissão exige, nomeadamente a nível de conhecimentos. Acho-as perfeitamente aptas a saberem quais as faculdades que formam bem e que formam mal.

Por outro lado, não basta ouvir o que os outros dizem para se fazer a acreditação que eu falo, é preciso ir às faculdades e conhecer as faculdades. Coisa que não acho que o sr. bastonário ainda fez, já que, na proposta (entretanto rejeitada) de revisão dos estatutos, podia ler-se nas intenções da revisão que os cursos de lic. de 4 anos tinham 1 ano de mestrado, quando na verdade têm 2...

A verdade é, quer se opte por um ou outro modelo, tem de ser uma acreditação bem feita. Sem lobbys...

Ary disse...

Parece-me que a Agência, mais do que o CNAVES e apesar de todas as críticas possíveis - lembro-me que na altura escrevi umas quatro páginas de críticas - tem condições para, com muito trabalho e em mais tempo do que está previsto, ter bons resultados. Mas a ver vamos...

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