domingo, 5 de outubro de 2008

Outubro, Abril e outros meses




Faz hoje 98 anos que Portugal é uma República -- esta era a forma como eu queria começar este texto, mas depois apercebi-me de que não é bem assim.

Os republicanos chegaram ao poder reunidos por um inimigo comum, a monarquia, mas rapidamente, com o fim desse elemento agregador, surgiram divergências. Como agravantes, estão as dificuldades económicas herdadas e as criadas pela participação na Primeira Guerra Mundial e o sistema parlamentarista imoderado que resultava da constituição aprovada em 1911. A política anti-clerical num país com fortes crenças religiosas terá também contribuído para diminuir uma base de apoio, que passou rapidamente de muito larga a muito estreita. O resultado foi um período de grande instabilidade entre 1910 e 1926, em que tomaram posse sete Parlamentos, dezasseis Presidentes da República e cinquenta Governos. É no entanto simplista dizer que a I República se resume a boas e grandes intenções, já que foram conseguidos alguns progressos sociais: foi reconhecido o direito dos trabalhadores a reunirem-se em sindicatos, a igualdade de género, foi reduzida a semana de trabalho para quarenta e oito horas semanais, criada protecção social para órfãos e mães solteiras e leis laborais de protecção das mulheres e menores, foi reconhecido o direito ao divórcio, proibida a censura e reconhecido o direito à greve, melhorado muitíssimo o acesso à escolaridade básica e criada uma rede de novos estabelecimentos de ensino, nomeadamente superior, por todo o país, etc.

Todas as revoluções são projectos políticos que encontram baionetas e têm geralmente dois propósitos: em primeiro lugar, substituir uma regime decadente, num país decadente; em segundo lugar, implantar um regime que seja o oposto exacto do anterior. No caso da República, como em muitos outros, o projecto fica por cumprir e passa-se "da barbárie à decadência sem a civilização pelo meio". 

Como podemos cumprir Abril se falta cumprir Outubro?

Todas as Repúblicas vivem do sonho de criar um país em que o poder político está na mão de todos, em que todos, independentemente de nascerem pobres ou ricos, têm a possibilidade de chegar a qualquer cargo, em que não à lugares reservados, em que se só se entra por se ter um nome sonante ou por se ser filho do seu pai. Todas as Repúblicas aspiram a um país de cidadãos e não de senhores e súbditos, em que não há uns mais e outros menos, em que não há privilégios, mas direitos que permitem um melhor exercício dos cargos que se desempenham. Todas as Repúblicas nascem da permissa de que todas as cabeças pensam melhor que uma, ou do que algumas, de que os cargos são melhor exercícidos quando se tem de prestar contas a alguém e quando não há cargos vitalícios, de que mais vale confiar no discernimento do povo do que na lotaria do nascimento.

É isso que vemos neste Portugal do início do século XXI? Onde se perderam estes desígnios que não chegaram ainda a casa?

Como podemos cumprir Abril se falta cumprir Outubro? Como podemos "cumprir Portugal"?

Sem comentários:

Enviar um comentário