quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Habeas Pinho

Pelo que me chegou, em 1955, em Paríba, no Brasil, um grupo de boémios estava a meio de uma serenata quando a polícia chega e lhes apreende a viola (violão em "português do Brasil"). O grupo recorre então aos serviços de um jovem advogado, Ronaldo Cunha Lima, que simpatizou com os jovens e pediu em juízo que fosse devolvido "o violão", num pedido que ficou conhecido como "Habeas Pinho". O advogado em causa virá a ter uma longa e bem sucedida carreira política.

"Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca :

O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, doutor, um violão.

Um violão, doutor, que na verdade
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste entre eles afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam as mágoas e que povoam a vida
Sufocando suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém seu destino se perpetúa.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.

Mande soltá-lo pelo Amôr da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz,
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado
derramando na rua as suas dôres?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento.
Juntando esta petição aos autos nós pedimos
e pedimos também DEFERIMENTO.

Ronaldo Cunha Lima, advogado."

O Juíz Roberto Pessoa de Sousa responde ao advogado, igualmente em verso:

"Recebo a petição escrita em verso  
E, despachando-a sem autuação,   
Verbero o ato vil, rude e perverso,   
Que prende, no Cartório, um violão.  
   
Emudecer a prima e o bordão,  
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,  
É desumana e vil destruição  
De tudo que há de belo no universo.  
   
Que seja Sol, ainda que a desoras,  
E volte á rua, em vida transviada,   
Num esbanjar de lágrimas sonoras.   
   
Se grato for, acaso ao que lhe fiz,  
Noite de luz, plena madrugada,   
Venha tocar á porta do Juiz."



2 comentários:

Luís Paulo (Estudante de Direito) disse...

Sublime...

Anónimo disse...

qd o direito se torna perfeito...
este seria o direito ideal... aquelas características base q ouvimos constantemente!
Aquela exaltação pela abstracta justiça!
lindo!

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