terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

IVG/Aborto - ainda se lembram?

"No primeiro semestre de 2007, cerca de seis mil recorreram ao sistema de saúde para fazer uma interrupção voluntária da gravidez (IVG) ao abrigo da lei. Na altura, com base neste número, previa-se que os números ficassem bastante abaixo dos 20 mil por ano, estimativa baseada na experiência de outros países europeus. As 17.380 IVG realizadas dentro das dez semanas no ano passado reflectem, na opinião de Jorge Branco, uma entrada crescente de mulheres no sistema, depois de uma fase de adaptação.
As IVG são escolhidas sobretudo por mulheres dos 20 aos 39 anos, que concentram 80,5 por cento dos casos (14.007), seguidas das que têm 40 ou mais anos (7,2 por cento com 1264 abortos). As IVG na adolescência continuam a ser residuais, foram 93 (0,5 por cento)*. Os abortos por opção da mulher representam 96,9 por cento das IVG. As outras situações previstas foram 541: a maioria foi por malformação fetal (396), seguida de perigo para a saúde da mulher (99), 25 casos de violação e 21 porque estava em causa a saúde psíquica da mulher."
in Publico

Curiosamente creio que o tema nunca foi aflorado aqui.
A minha opinião sobre o assunto tem demasiadas nuances para ser explicada neste post, mas gostava de saber a vossa. 

Os números preocupam-vos? São um sinal de que o programa está a funcionar e se estão a salvar vidas de mulheres? Estamos a assistir a uma matança com a chancela do Estado? As mulheres têm o direito a dispor do próprio corpo? E do dos outros? Estamos a diminuir o número de crianças indesejadas? E onde ficam os direitos do pai no meio disto tudo? Estamos comprometer a viabilidade demográfica do nosso país? 

Angustia-vos o problema? A mim angustia...

*Coloquei a negrito porque me surpreendeu...

9 comentários:

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

este assunto cansou tanto ary...
eu lembro-me dos meus dias de discussão sobre o aborto ainda andava no secundário, e isto, penso eu, cansou o país todo.

e acima de tudo, ficou um medo por toda a sociedade em tocar no assunto. eu, na altura do referendo, teria votado Não, se pudesse votar. neste momento, já não sei...
mantendo a linguagem técnica e jurídica de lado, porque não quero despoletar eu a discussão (sou a pior pessoa neste momento para defender uma causa deste calibre, por muito acertada que a opinião defendida fosse).

só posso dizer que, ~de acordo com a minha educação, que terá sido cristã, católica, e a minha cultura, me propelam a considerar que eu já era um Ser antes e durante a minha existência como feto, ou nascituro (voltando à linguagem técnica jurídica).
isto de um ponto filosófico-teológico. de resto, fica reservada a minha opinião enquanto "discípulo de leis" e cidadão :)

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

mas não era essa a tua pergunta :P

i'm sorry

D. disse...

enquanto mulher, não me preocupa. creio que qualquer vida em potência é menos importante do que a minha vida e o desenvolvimento que lhe quero dar (perdoem-me se estiver a ser fria ou egoísta, mas ponderando o caso concreto, numa situação dessas, creio que não trocaria nada do meu futuro para dar à luz uma criança indesejada).
quando aos direitos do pai, acho que a mulher deve comunicar ao pai as suas intenções, mas não é o pai que carrega o feto durante nove meses, logo, a sua opinião e posição é sempre mais enfraquecida.

Marta Lima disse...

Fizeste-me recordar com saudade os tempos em que andava a distribuir panfletos pelo SIM, e as longas discussões com adeptos do Não que não pareciam entender que, mais que tudo, estava em causa um problema de saúde pública. E a saúde pública nunca deveria ser deixada ao arbítrio da moral particular de cada um.
Confesso que, mesmo para mim, que nunca duvidei da premência do voto a favor, esta era uma questão delicada. Porque o Sim era dar azo a que o aborto pudesse eventualmente passar a ser tratado como o era então a pílula do dia seguinte, e a ser feito de modo inconsequente e aleatório. E isso era um fardo que o voto a favor implicava, mas que mesmo a clandestinidade não impedia, e esta era precisamente o alvo principal que a despenalização visava combater. Era pelo flagelo dos milhares de mulheres que morriam na clandestinidade, com receio de serem julgadas, que a política de então insistia em calar, que o Sim se tinha de fazer, e fez, ouvir mais alto.
Não estava em causa se a vida começa ou não no momento da concepção, ou no momento em que há sangue, ou no momento em que há consciência - tudo isto era demasiado subjectivo, o único dado objectivo era a morte inelutável de mulheres e até que ponto as pessoas preferiam fechar os olhos e condenar o acto em vez de o enfrentar.
O que as pessoas ignoram é que, sem dúvida, nenhum aborto é feito de ânimo leve e que há um número sem fim de circunstâncias que podem levar uma mulher ao desespero ao ponto de interromper a sua gravidez, e é, acima de tudo, às mulheres que se encontram em situações que, por não estamos em posição de julgar, urge dar meios dignos e salubres para exercerem em pleno o seu direito à saúde.
Não me cabe a mim opinar acerca das estatisticas, uma vez que o primeiro ano costuma ser o mais ‘grave’ e com números mais alarmantes, que depois têm tendência a diminuir. Os 17.380 casos só colocam a nu uma situação flagrante que há muito se fazia questão de encobrir sob a mais fina manta da moralidade inviolável e cristalina.

Frederico de Sousa Lemos disse...

Subscrevendo as palavras da Marta, parece-me no entanto importante analisar a (complexa) questão dos direitos que assistem ao pai na IVG.
Numa gravidez resultante de uma relação consentida, o desejo do pai de levar a gravidez até ao fim deve ser tido em conta?
Parece-me óbvio que o desejável é que a decisão de interromper a gravidez seja partilhada pelos dois membros do casal. Assistirá à mulher um dever de discutir o assunto com o companheiro. Mas e se não houver consenso? Nesse caso, prevalecerá a vontade da mulher.
Podendo parecer estarmos perante uma menorização do direito do homem face à vontade da mulher, não parece haver outra alternativa que, humanamente, se possa considerar: de facto, a gravidez diz respeito, em primeiro lugar, à mulher, que será a única a ter a possibilidade de dela dispor.
No entanto, é preciso ter em conta que, na grande maioria dos casos a questão nem se coloca, ou por haver concordância dentro do casal, ou por, lamentavelmente, a paternidade não ser assumida.
A viabilidade demográfica do país não é (pelo menos de forma significativa) comprometida pela IVG. A despenalização do aborto teve como principal objectivo proporcionar à mulher condições dignas para fazer algo que, de qualquer forma seria feito na clandestinidade. A despenalização do aborto trouxe para as instituições de saúde as mulheres que se viam obrigadas a abortar sem as mínimas situações de segurança e higiene em clínicas clandestinas onde, não raras vezes, acabavam por ter complicações que resultavam na sua própria morte.
Não tenho dúvidas de que a alteração da lei foi um passo extremamente importante na consolidação dos direitos da mulher à liberdade, autonomia, consciência individual e, consequentemente à sua dignidade enquanto pessoa.

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

Marta, quanto à saúde pública, acho que a tua frase inicial foi um pouco universal demais. A saúde pública não pode é tar sujeita a uma suposta moral colectiva. as escolhas de cada um também devem estar presentes, que eu saiba isto ainda é uma democracia baseada nos valores individuais da liberdade.
a razão porque eu, na altura, apoiei o Não foi por toda a questão à volta do referendo me parecer um embuste. num país que devia seguir a tendencia europeia para incentivar a natalidade, uma europa onde supostamente o último fôlego do modelo social europeu é apoiar ao máximo o crescimento demográfico e a natalidade, fez-se uma proposta que envolve milhões ao ano para conseguir um efeito contrário. o aborto até às 10 semanas não é nada que eu considere mau ou prejudicial. mas o aborto até às 4 semanas e apoios do Estado (e sou eu que estou a dizer isto) na criação dos filhos parecia-me uma decisão mais inteligente. porque se há problema em ter filhos em portugal, não é em desejá-los, é em criá-los, e qualquer sociólogo experiente no nosso cenário cultural e societal o dirá assim.

no entanto tornou-se o aborto numa questão política, numa questão de eleições, num palco de manifs à lá Bloco de Esquerda, e movimentaram-se jovens para o espectáculo pseudo-revolucionário que a nossa partidocracia nos habitua.
com todo o respeito por todos aqueles que se entregaram de corpo e alma ao que julgavam ser uma manifestação da sua cidadania, eu acho que o que se conquistou foi algo que não beneficiou as mulheres, não beneficiou o país, mas foi um tremendo espectáculo de hormonas juvenis.

Marta Lima disse...

Manuel, apoiar a natalidade não é forçar as pessoas a terem filhos indesejados ou a condená-los a vidas miseráveis em famílias sem condições nem culturais nem financeiras para lhes assegurar uma existência condigna.
Quanto ao aborto até às quatro semanas, parece-me irrisório pela simples razão - quatro semanas é precisamente o tempo que dura o ciclo menstrual duma mulher e lhe fornece a primeira indicação que pode estar grávida, portanto nem lhe dá tempo, primeiro, para se aperceber da gravidez, segundo, para ponderar uma potencial interrupção da mesma. Seria uma verdadeira hipocrisia permitir o aborto com um limite tão reduzido de tempo.
E quando a saúde publica é posta em causa por argumentos como lamentavelmente vimos lançados em praça pública do género 'Se a minha mãe tivesse abortado, eu nao estava aqui' ou 'Se não querem filhos não os façam', chegando mesmo a extrapolar toda a situação ao nivel do homícidio, nestes casos, reitero, que a saúde publica nao pode ficar nas maos de uma moral que tenta avidamente transferir os seus valores para a sociedade, como se dos mais altos principios estruturantes se tratasse.
Não entendo como alguém pode afirmar que a despenalização não beneficiou as mulheres quando estas deixaram de ser punidas pelo aborto e passaram a dispor da liberdade de escolher trazer ou não uma criança ao mundo. Quando a lei começa a prevenir que as mulheres atentem contra a sua própria vida e lhes reconhece a faculdade de discernir se têm ou não capacidade para ser Mães, negar toda a vitória que isto representa para a população feminina e o avanço que significa para a sociedade num todo, é no mínimo descabido.

Anónimo disse...

Marta, eu concordo contigo, perfeitamente. e sei o que queres dizer, só penso que se calhar não me leste ou interpretaste a minha intenção.
vendo os dados do Ary, vemos 17 mil abortos feitos este ano. uma porção destes abortos deve-se ao mal da gravidez adolescente, ou a violações, etc.
esses são de facto abortos de uma gravidez indesejada.
agora, o objectivo de uma politica de natalidade é mesmo tornar uma gravidez indesejada numa gravidez desejada. e isso trata de apoiar as mulheres que trabalham e têm filhos, as mulheres sem apoio de familiares, etc. estes casos são perfeitamente enquadrados numa politica de natalidade.
eu penso que a progressão da sociedade não está em se limitar o Estado a legitimizar o aborto, a progressão da sociedade está em tornar algo como a familia (e depois desta palavra, estou já abandonado pela maioria dos leitores) ou simplesmente a educação e criação de um filho como algo protegido pelo Estado.
Porque grande parte destes abortos não são as "gravidezes" indesejadas das violações ou da adolescência ou da simples vontade de não ter filhos, que podem ser perfeitamente previstas no prazo de 6 semanas (e não 4, como eu erradamente afirmara) da lei anterior.
grande parte destes abortos são de mulheres que trabalham, que já sustentam familias, que são independentes e ambiciosas, e cujos custos de um filho são insuportáveis para essas mulheres.

enfim, eu já me pronunciei sobre este assunto anteriormente e mais completamente, no há discussão:

http://aquihadiscussao.blogspot.com/2008/03/sobre-o-aborto.html

jünger disse...

face à notoria falta de tempo e à concentração que os textos publicados me exigem, apenas consegui ler o post e 3 comentários. Fui porém dominado por tal perplexidade ao ler o terceiro que tive de parar uns momentos antes de voltar a mim em termos. Assumo-me como fervoroso adepto da Vida e do Não a este tema. Já tive excelentes diálogos com pessoas de opinião plenamente contrária à minha e nem por isso descredibilizei os seus argumentos. Não tinha nunca, no entanto, lido, ouvido ou tomado contacto seja de que forma for com um conjunto de afirmações assutadoramente egoístas, hipócritas,tristes, entre outros adjectivos que poderiam exprimir a infelicidade da intervenção em causa. Não me alongo em pormenorizadas caracterizações já que reputo quem as fez de minimamente decente e inteligente ficando-me por exprimir sucintamente o meu desagrado. Posto isto, e face à concreta falta de tempo para exprimir adequadamente o meu ponto de vista quanto à questão em apreço (o que tenciono fazer a breve trecho), suspendo a minha intervenção lamentando ironicamente que a progenitora de quem defende essa opinião não nos tenha evitado a triste ocasião de ler tão desumana posição. Certamente, como pessoa coerente que é, optou por abdicar de um ou outro pormenor da sua carreira brilhante a fim de ter o prazer de ver um seu rebento nascer. Porque, quer se queira quer não, congratulo-me e fico de espirito aliviado sabendo que ainda há pessoas para quem uma criança é uma alegria e não um embaraço!

respeitosamente e certamente sem qualquer tipo de resentimento pessoal,

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