quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Restauração

Porque será que ninguém falou neste blog do dia 1 de Dezembro? Ficámos todos à espera uns dos outros?


Já sei que o Tiago não gosta de efemérides, mas o Manuel porque não aproveitou para louvar a dinastia de Bragança?


Eu gosto muito de Portugal. Arrepio-me de cada vez que ouço a Mariza cantar o "gente da minha terra", quando vejo um timorense a cantar o nosso hino, quando olho para "aquele" mapa do museu da marinha, quando leio Camões, quando o sol e o vento batem na bandeira verde e vermelha como se a bandeira fosse uma vela com vento de popa e quando vejo um anúncio do azeite galo ... Mas tenho dúvidas sobre o meu patriotismo. Para mim as nacionalidades podem coexistir sob um mesmo poder político. A mim não me chocaria ver o Estado Português ser substituido por um Estado Europeu se todos partíssemos, como eu estaria disposto a partir para esse modelo, abandonando as lógicas individualistas. A independência política é instrumental relativamente à independência cultural e à preservação de um património, de um legado, de uma herança comum.

Os portugueses, enquanto indivíduos, interessam-me muito mais que Portugal e o Estado interessa-me apenas enquanto servidor desses indivíduos. Assim, sob esta perspectiva, a manutenção da soberania, que no fundo é o que se celebra do dia 1 de Dezembro, interessa-me muito pouco.

O problema é que pouca gente pensa como eu (ou não?). Mais do que países a mim interessa-me a humanidade e mais do que esta interessam-me as pessoas.  Eu não devia gostar deste feriado, mas enquanto todos os outros andarem a pensar na lógica do Estado-Nação eu não tenho outra sorte se não andar a defender damas alheias como se fossem minhas.

Para piorar isto eu não gosto de Espanha, ou melhor, não vou muito à bola com espanhóis, que é uma coisa diferente, melhor ainda, não tenho nada com eles em geral, mas cada vez que encontro um ... Sinto-me mal a tentar palavrear em espanholês, eles não percebem quando falo português e recusam-se a tentá-lo, o inglês de todos os que conheci era insuportável e depois eu fico sempre com um peso na consciência por ter falado com um irmão latino numa língua "bárbara" como o inglês. Devo no entanto fazer aqui uma ressalva: os galegos não são espanhóis. Porquê? Porque percebem português e eu percebo galego e assim acaba o desconforto da língua.

Temos a tendência para menosprezar estas coisas da cultura e em especial as da língua. Por muito que eu seja fluente numa língua estrangeira e não me cause embaraço algum usá-la na maioria das situações, é mais fácil falar português. 

Um dia estava com um grupo de emigrantes, alguns já emigrados desde criança, outros já na idade adulta, mas todos muito fluentes quer no português, quer no inglês, e lancei a pergunta: "qual é a vossa materna, a vossa primeira língua?" Quase todos recuaram pensativos. Decidi então reformular a pergunta: "em que língua é que falam em casa?" Não ajudava, dependia dos temas, dos dias, das disposições. "Mas em que língua é que falam quando conversam para vocês mesmos?" Também era difícil... "Em que língua é que sonham?" - disse então vitorioso, mas não me lembrei que em próprio não raras vezes sonho noutra língua que não o português. "Em que língua é que contam?" Pareceu-nos a melhor aproximação para definir qual a língua materna de cada um.

Os "famosos de quarenta" que fiquem descansados: quanto a mim, valeu a pena atirar o Vasconcelos janela abaixo (para ele é que talvez não tenha valido...). Nem que tenha sido para Fernando Pessoa dizer que tudo valia a pena quando a alma não era pequena, ou que a sua pátria era a língua portuguesa.

12 comentários:

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

o 1º de Dezembro é tudo menos o dia de louvar uma família em particular.
um povo tão individualista como o português tem, curiosamente, uma tradição de celebrações dos feitos colectivos.
o 1º de Dezembro resultou da insatisfação geral dos habitantes de um país para com a administração do reino espanhol. não é a revolução contra uma monarquia que torna outra legitima, é a vontade popular que deu origem a essa revolução e manteve a instituição escolhida.
não há nenhum espírito nacionalista no 1º de Dezembro. se o há, é desproporcionado.
e muito menos se trata de um feriado de espírito monárquico.
trata-se de um feriado comemorativo da revolução e reconquista das liberdades antigas dos portugueses da altura e da restituição das suas instituições republicanas, bem como dos seus costumes. em Inglaterra comemora-se a revolução gloriosa, que submeteu o absolutismo stuartiano, os usa comemoram o 4 de Julho, em Portugal o 1º de Dezembro deve ser visto como a retoma da autonomia e autodeterminação de um povo cujas particularidades históricas, culturais, sociais e geográficas, fizeram independente.
é talvez um feriado mais republicano que o 5 de Outubro. sem dúvida, o é. a queda da política portuguesa no absolutismo nos anos que vieram foram uma triste evolução, visto que o crescimento dos ritmos das cortes no nosso país era regular até ao reinado de dom pedro II, em 1660, aprox.
não tivemos a sorte da Inglaterra, mas o espírito do 1º de Dezembro não merece menos prevalência.

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

http://cafeodisseia.blogspot.com/2008/12/1-de-dezembro-o-rei-livre-ns-somos.html

eu festejei, mas não aqui, o 1º de Dezembro.

Ary disse...

Só para ajudar à discussão: o 1º de Dezembro é uma revolução tanto quanto o 25 de Abril ...

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

de acordo.
a ver pela unanimidade, foi uma revolução ainda maior.

Tiago Laranjeiro disse...

Concordo com o Manuel...

Mas o 1º de Dezembro não é o Dia de Portugal, esse é o obscuro 10 de Junho, comemoração lisboeta passada a nacional com a evolução da amaldiçoada 1ª República.

Comemoramos, de facto, duas revoluções, ambas libertadoras: 1 de Dezembro e 25 de Abril. Falta-nos comemorar uma data que celebre verdadeiramente a nossa Pátria.

Penso que a melhor escolha para essa comemoração seria o 24 de Junho, dia da Batalha de S. Mamede, em que principiou a luta pela nossa independência.

Ary disse...

Por que é que para os vimaranenses toda a história de Portugal parece ter ficado aprisionada no século XII?

Anónimo disse...

Não ficou, meu caro... Nem penso assim... O que não significa que não releve acontecimentos ocorridos nesse século que outros esqueceram ou fingem ter esquecido...

Ary disse...

Tiago,

espero que tenhas tomado o que disse por aquilo que era: uma brincadeira com um fundo de verdade.

Parece-me evidente que os vimaranenses têm um carinho especial por essa parte da nossa História.

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

o problema dessa data, tiago, é a sua imprecisão.
historicamente, nem se consegue comprovar muito bem que houve, de facto, uma batalha em são mamede ou se só um torneio.
além do mais, seria negar as pretensões independentistas que dona teresa já personalizava durante o seu reinado. sim, reinado porque ela, pelos documentos coevos, foi, de facto, a primeira rainha (e rei) de portugal, e não dom afonso henriques. o que afonso conseguiu foi o reconhecimento externo e papal, e a continuação dinástica.
dona teresa, na continuação do trabalho de seu marido, criou grande parte das instituições e promoveu grande parte dos homens que, ao lado de afonso henriques, criariam o reino de portugal.

Tiago Laranjeiro disse...

Caro Ary,

Eu percebi...

Caro Manuel,

Aconselho-te (apesar de não nos conhecermos - penso eu - trato-te por tu por sermos sensivelmente da mesma idade) a dar uma vista de olhos por estes dois links que deixo de seguida. O primeiro é no meu blogue pessoal, o segundo no de um historiador com provas dadas, investigador da UM e presidente da Sociedade e Fundação Martins Sarmento, uma instituição centenária (a primeira) com actividade centrada na cultura, em especial na História e na Arqueologia.

http://matermatuta.blogspot.com/search/label/24%20de%20Junho

http://matermatuta.blogspot.com/search/label/24%20de%20Junho

alegadamente disse...

Tendo uma certa pena de entrar neste debate demasiado tarde, não posso deixar de entrar nele.

Estas datas históricas valem muito mais como símbolos, do que pela importância imediata que tiveram no desenrolar da História, sobretudo se analisadas com uma certa contextualização. Mesmo os factores que as provocaram se analisados friamente podem parecer indignos.

O 1º de Dezembro só foi possível porque a alta nobreza Portuguesa não queria ir combater os rebeldes catalães, o 25 de Abril só aconteceu porque os militares de carreira estavam descontentes com a forma como os milicianos estavam a entrar para o quadro das FA, o 5 de Outubro é uma das revoluções mais cómicas da história, o seu líder militar suicidou-se porque pensou que o golpe tinha falhado.

Anos após o 1º de Dezembro Portugal ainda lutava com a Espanha para que esta reconhecesse a sua independência. O processo que se iniciou com o 25 de Abril passou por diversas fases e se para alguns terminou em 25 de Novembro de 75, para outros "ainda somos Abril". Pode-se argumentar que o 5 de Outubro foi uma revolução falhada. Nunca atingiu os objectivos a que se propôs (boa discussão).

Sendo assim, estas datas que simbolizam, a restauração da independência, a república e a democracia são importantes principalmente para lembrar um "povo" das suas raízes, de onde veio e também aquilo que é.

Talvez por ser a data mais próxima, o 25 de Abril (ou aquilo que se lhe associa) é para mim o verdadeiro dia de Portugal como ele é hoje. Somos democratas, europeístas e os dois partidos maioritários em Portugal são alegadamente social-democratas (um costumava sê-lo nas politicas, o outro sempre o foi apenas no nome).
Tudo isto é consequência do processo que celebramos nesse dia. Agora, embora o dia 25 em si seja importante não podemos esquecer que a mudança da estrutura da sociedade, as mudanças de mentalidade, os próprios desenvolvimentos subsequentes foram tão ou mais importantes que o acontecimento do próprio dia.

Agora o 1 de Dezembro. Sou como creio eu a maior parte dos Portugueses, um nacionalista inofensivo. Gosto de Portugal, da sua História, língua e cultura, tenho orgulho na minha pátria. Mas não me acho superior a ninguém por ser português e desprezo os que têm essa opinião.

Convenhamos no entanto que é mais fácil para um povo manter a sua identidade quando têm um estado "próprio". Eu sei que estou a ser simplista, mas Olivares e a Espanha da segunda metade do século XVII eram quase o contexto ideal para fazer desaparecer a identidade do povo português. A manutenção de um estado soberano nestas condições foi portanto vital para a sua preservação, se o seria hoje em dia já é uma discussão completamente diferente. É essa portanto para mim a importância do 1 de Dezembro, a preservação da identidade do povo português diferenciado do espanhol, para mim é importante, muito.

É claro que somos todos seres humanos e para além de nacionalidade, religião ou falta dela, partido político, local de nascimento ou mesmo clube de futebol existe algo na nossa condição que nos une e que é mais importante que tudo o resto. Agora, é sempre natural defender aquilo que é nosso ou aquilo em que acreditamos. Pelo menos é a minha opinião.

Ary disse...

Espero que também tenha ficado claro que eu acho o 1º de Dezembro uma data importante...

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