quarta-feira, 18 de março de 2009

Esta não vou ser eu a tentar explicar

Papa Bento XVI diz que a distribuição de preservativos pode aumentar o problema da SIDA.


Como exactamente? 

Percebe-se a lógica: mais sexo, mais SIDA. É uma questão de probabilidades, em que se aumentarmos o número de vezes que lançamos os dados vamos ter mais números 1. Mas o que falha aqui é que a distribuição de preservativos não vai levar simplesmente a mais sexo protegido, o que ainda assim representa riscos, mas sobretudo vai levar a menos sexo desprotegidos. Distribuição de preservativos pode levar a mais sexo, pode mesmo levar a mais promiscuidade, mas, vendo bem as coisas, diminui os riscos, contribuindo para menos pessoas doentes.

Como é que esta gente dorme de noite?

13 comentários:

Joana disse...

o problema aqui não é o facto de uma maior dostribuição de preservativos conduzir a um aumento da prática sexual. a questão prende-se muito com a promiscuidade que se vive em àfrica. em muitos países pratica-se a poligamia a torto e a direito, com os homens a terem várias mulheres. antes de mais, é essencial fomentar a prática do parceiro único.

Ary disse...

Achas? não sei porquê ... Acho que isso pode muito bem ser preconceituoso da nossa parte. Claro que era melhor se assim fosse, aliás provavelmente também não conheceriamos a doença se vivessemos num mundo em que as pessoas tinham apenas relações sexuais depois do casamento e em que se casavam apenas uma vez.

Não me parece que a maior parte das pessoas, aqui, em África ou na China estejam dispostas a abdicar das suas práticas sexuais promiscuas em nome de valores (?) como a monogamia, a abstinência, ou qualquer outro.

A sexualidade, deve ser encarada, do ponto de vista religioso como algum natural, inerente ao Homem, complementar das relações humanas e como mais uma forma de expressão e de exercício de uma liberdade que nos foi dada pelo Criador para exercermos. A sexualidade é um dom, um talento, uma liberdade, deve ser usada com a responsabilidade inerente a todas as liberdades.

Vários primatas são polígamos, bissexuais, promíscuos, praticam sexo por prazer e não para reprodução e introduzem o acto sexuais como forma de reforçar laços.

Tudo isto é muito estranho para nós, mas não podemos fechar a porta à hipótese de também nós termos esse tipo de inclinações naturais, controladas por uma sociedade em que a monogamia, heterossexualidade, a "lealdade" ou estabilidade sexuais e o sexo com fins meramente reprodutivos têm sido a regra, pelo menos nos últimos milénios.

Ary disse...

Quanto a este propósito acho que disse tudo o que tinha a dizer aqui, num post datado de 18 de Outubro de 2008:

"Foi para mim surpreendente ver como as pessoas reagiram de forma tão emocional a este tema transportando as suas experiências pessoais. Não digo que isto seja errado, mas se consegue trazer novos dados para o debate também dificulta a comunicação. Este ficaria a ganhar com uma análise antropológica e uma certa "arqueologia dos valores". Tendo em conta a definição dada ("vários parceiros sexuais ao mesmo tempo") como eu disse a espécie humana já deu várias soluções ao problema.

Aqui não interessa, por enquanto saber o que é, presentemente, moralmente certo ou moralmente errado, nem saber o que é inato e o que é aprendido com a interacção social. Muito provavelmente começamos por ser polígamos. Observando os nossos parentes mais próximos no reino animal e através de escavações arqueológicas descobrimos que os primeiros seres humanos provavelmente viveram em pequenas tribos familiares em que as práticas sexuais não tinham o carácter íntimo que hoje têm e em que toda a comunidade se entreajudava no cuidado das crias sem todavia deixar de haver um pai e uma mãe.

Quando deixámos de recolher os nossos frutos e passámos a caçar o modelo familiar sofreu um abalo grande. Algumas tribos terão aqui assumido uma estrutura matriarcal em que as mulheres têm vários parceiros sexuais masculinos. Muitas tribos continuam nesta fase.

Com a descoberta da agricultura e a sendentarização a que esta obrigou o cenário altera-se uma vez mais. Agora um único homem, o dono das terras, tem a capacidade para aliementar várias mulheres e ter várias famílias.

Com o progresso técnico a taxa de mortalidade baixou e as famílias passaram a ter mais filhos. Passa a ser mais eficaz um sistema monogâmico. Com o progressivo prolongamento da fase de aprendizagem, a substituição de religiões politeístas por monoteístas, com o fim progressivo dos "casamentos contrato" ou "casamentos de conveniência" e a paralela sublimação das relações conjugais como relações amorosas, etc. deu-se a generalização da monogâmia e a proscrição da poligamia.

A moral é sempre actualista. Não podemos dizer que apedrejar a mulher adúltera é moralmente aceitável só porque já o foi. Vivemos numa sociedade que faz a apologia de determinados valores e que nos procura transmitir um dado quadro moral e parece-me a mim óbvio que hoje em dia a polígamia é moralmente inaceitável. Pode fazer no entanto sentido essa arqueologia dos valores de que eu falava no início. Muito daquilo que a moral nos dita não é senão a normativização de comportamentos que se mostraram eficazes como solução de determinados problemas. Eu tenho a impressão de que na base da proibição do sexo antes do casamento está o medo de que do sexo resulte uma criança que, por não nascer no seio de casal estabilizado por um casamento, tenha de ser criada pela mãe, como todos os problemas inerentes a isso.

Devemos, ou pelo menos podemos, então perguntar-nos se a poligamia continua a ser ainda o modelo mais eficaz, já que, ao que parece, os modelos mais eficazes são os que vingam moralmente.

Em primeiro lugar temos assim de ver o que é eficaz. Eficácia já não garantir a sobrevivência do maior número de crianças. Hoje percebemos que provavelmente a nossa sobrevivência enquanto espécie dependerá mais de um controlo da natalidade do que de uma tentativa para colocar o máximo de seres humanos cá fora. Segundo estudos recentes, no actual estado da técnica cada mulher deveria ter 2.1 filhos para assegurar a estabilização demográfica. Isso quer dizer que, se for esse o nosso objectivo, teremos de ver qual será a melhor forma de garantirmos a educação saudável desses 2.1 filhos por mulher.

Mas não podemos esquecer de uma coisa. Nem todas as pessoas são iguais e nem todas querem ter o mesmo número de crianças. O nosso objectivo enquanto seres humanos há muito que deixou de ser o da sobrevivência para passar a ser o da vivência. Hoje o desafio não é sobreviver é o de criar a qualidade de vida necessária ao florescimento da felicidade na vida de cada um. Hoje o desafio não ter muitos bébés, mas conseguir dar-lhes a eles e aos pais uma vida feliz. O padrão segundo o qual temos de aferir a nossa eficiência mudou. Somos eficientes enquanto espécie se formos felizes e se permitirmos aos outros essa mesma felicidade. O nosso objectivo é o da felicidade sustentável (conceito meu).

Assim chegamos ao segundo ponto: como chegar a essa felicidade sustentável? Tenho a convicção que actualmente muitos modelos são capazes de gerar crianças felizes e de assegurar a felicidade de quem as educa. As famílias monoparentais podem não assegurar modelos do sexo oposto, mas se a criança for inserida num meio social em que se gere intimidade emocional com pessoas de ambos os sexos essa falha será colmatada. Creio que não preciso de dizer as famílias tradicionais com um pai e uma mãe também não são más de todo, apesar de eu não ter saído lá muito bem. Desconfio um pouco que as famílias tradicionais árabes funcionem bem devido ao papel que a mulher desempenha, mas volta e meia vemos uma reportagem sobre famílias com vários pais e/ou várias mães; pelos vistos os adultos desfrutam de um pouco mais de tempo livre e têm a possibilidade de cumprir melhor ao mesmo tempo com as tarefas domésticas e as profissionais, enquanto as crianças gostam do facto de ter muitos irmãos e pais mais presentes.

Não me parece haver nada intrinsecamente errado com nenhum modelo de família, desde que ele consiga criar um ambiente de intimidade que propicie o crescimento pleno dos indivíduos através da partilha de recursos, projectos, conhecimentos, afectos e emoções. Aliás quanto a este ser o objectivo acho que estamos todos de acordo, a menos que a Manuel Ferreira Leite seja leitora do nosso blog.

Somos todos um pouco egoístas, é verdade. Dizia-me o Hugo há uns dias que se nos aparecesse alguém e dissesse que nós podíamos escolher seguir o curso normal da nossa vida e salvar o mundo, qualquer um de nós hesitaria se esse alguém acrescentasse que, se salvássemos o mundo, nunca ninguém saberia que fomos nós a salvá-lo. Gostamos de ter coisas, de dizer que as coisas são nossas, são “minhas”, que fui “eu” que fiz. Experimentem durante uma conversa normal contar o número de vezes que a primeira pessoa é usada.

Muito embora o que foi acima dito seja verdade, também não podemos esquecer-nos que enquanto seres sociais gostamos não só de estar acompanhados como de partilhar. Sentimos as alegrias e tristezas dos nossos amigos quase como se fossem nossas. Mais, elas são também nossas. Gostamos de convidar os nossos amigos a desfrutar das nossas casas e de dividir a cama com que amamos. E não gostamos de partilhar nada mais do que partilhar comida. Um chocolate dividido parece que sabe melhor. A moda das garrafas de vinho individuais não pegou por alguma coisa. Ninguém faz fondue sozinho e nem a Maria João deve ter comido sushi a olhar para a parede. Há mais alegria numa ceia de Natal quando à crianças e velhos, adultos e jovens, e pessoas de todas as idades à volta da mesa e mais do que de dar ou de receber isoladamente gostamos de trocar presentes. Somos seres complexos e raramente uma característica humana existe em cada um de nós sem o seu oposto estar também presente.

As relações exigem por vezes um certo grau de exclusividade. É concebível ter um, dois, três ou até quatro melhores amigos, mas desconfiaria se alguém me dissesse que tinha oito ou nove e acharia que ele não conhecia as maravilhas de uma amizade plena. Não me parece possível uma tal disponibilidade de coração que nos permita acomodar tanta gente condignamente. Da mesma forma ter uma relação polígama com duas ou três pessoas parece-me emocionalmente possível, mais do que isso é ter um harém.

Outra questão importante é o conceito de relação. Acho que a nossa cultura anda numa certa fase de experimentação em que surgem novos tipo de relação (vg “fuck friends”, “friends with benefits”) não sei se todos eles são para ficar, mas com o advento dos meios contraceptivos, o adiamento da emancipação, a diminuição dos incentivos sociais ao casamento e à procriação, o aumento do número de possíveis parceiros, a flexibilização dos costumes, etc. criou-se num segmento da população demograficamente relevante a necessidade de um tipo de relação que envolva a criação de um espaço de intimidade emocional e física sem o estabelecimento de compromissos tendo em vista, ainda que remotamente, a formação de um novo núcleo familiar. Os namoros modernos têm vindo a aproximar-se destas necessidades, mas ainda levam a carga dos antigos namoros oitocentistas. O próprio casamento tem vindo a pôr crescentemente a tónica na realização do indivíduo em vez de a pôr na realização do casal, o que aponta também um pouco neste sentido.

Tudo somado acho que estamos num momento determinante na história dos relacionamentos humanos em que, curiosamente, fazemos um certo retrocesso, buscamos, consciente ou inconscientemente, soluções no nosso passado, e buscamos, uma vez mais, a satisfação dos nossos impulsos sexuais através da cópula com múltiplos parceiros, eventualmente até de ambos os sexos. Não assistimos ao fim da revolução sexual, nem mesmo ao princípio do fim, talvez, isso sim, ao fim do seu princípio."

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

Ary,

porra, que seca de comentário.
agradeço a análise psicotrópica, sociológico/sexóloga, mas vamos por aí uns travões.
primeiro, esxplicando a situação:
a promiscuidade sexual pode, de facto, aumentar o perigo da SIDA. em áfrica, e isto está para além de qualquer análise religioso/psicológica, está provado que muitos parceiros não trocam sequer de preservativo entre parceiros, ou até que estes chegam muitas vezes são distribuidos em mau estado pelas associações humanitárias, sendo que muitas (a maior parte, talvez) dessas associações humanitárias são missões católicas.
e o que o papa quis dizer, somente passa pela sua crença nos príncipios próprios da fé católica, porque isto de ser católico não é sentirmo-nos tão culpados com o que fizemos no século XVI de forma a sermos agora uns borra-botas. para o catolicismo, penso eu, há a ideia da preservação de um parceiro. e isto não é uma opção, é uma crença. e de facto, muitas associações humanitárias, sem ser de caracter religioso, aconselham a manutenção de um só companheiro sexual, de forma a atenuar os riscos de infecção.

porque a distribuição de preservativos não é "A" solução, e "Uma" solução. para os cristãos, especialmente para os católicos (grupo no qual não me insiro) a solução passa por outras coisas que não preservativo.

Joana disse...

agora fizeste-me parecer um bocado retrograda. obviamente que não condeno as opções sexuais de quem quer que seja, nem tão pouco admitiria que condenassem as minhas.
apesar de não ser uma adepta fervorosa da poligamia, não penso que seja esse um problema que possa ser generalizado para todas as outras culturas.
se não estou em erro, num relatório da OMS em áfrica, afirmou-se que as crianças são tão valorizadas que a procriação é considerada a maior razão para o casamento e a principal causa para a poligamia. são os ideais deles e respeito isso. mas não nos podemos esquecer que é esta poligamia que favorece a propagação do vírus da sida, que contribui para a mortalidade infantil, para o aumento de crianças orfãs, etc.
não é, de todo, correcto ir contra uma cultura. mas parece-me imperativo controlar uma prática que contribui elevadamente para a degradação do país. neste caso, a poligamia não é fruto do desejo de afirmação das opções sexuais dos indíviduos; é uma questão de mentalidade.
afinal, sempre ouvi dizer que os gostos não se discutem, educam-se. :p

Ary disse...

Manuel, o meu comentário era ... um post, como aliás disse no início do mesmo.

"a poligamia não é fruto do desejo de afirmação das opções sexuais dos indíviduos; é uma questão de mentalidade.
afinal, sempre ouvi dizer que os gostos não se discutem, educam-se. :p"

A mim parece-me ser também uma opção sexual. É uma lato senso um estilo de vida, é um modelo de relacionamento(s), é um modelo de família, é também uma opção sexual, na medida em que é uma forma de encarar a sexualidade humana, de a usar e exprimir.

Quem somos nós para dizer que essa opção é certa ou errada? Concordo que seja perigosa, mas também o sexo anal é uma prática sexual perigosa e nem por isso andamos a dizer que temos de mudar mentalidades, educar gostos e desincentivar as pessoas a praticá-lo.

Acho que estamos a pedir "aos pretos" algo que não somos capazes de nos pedir a nós mesmos e é sempre: em África faz-se isto, eles aquilo (... Ou isso ou então o discurso dos coitadinhos, também é verdade ...) Em Portugal quantas pessoas têm comportamentos sexuais de risco? Quantos amigos nossos já os tiveram? Quantos de nós já os tivemos?

Afinal nós também não somos promíscuos?
Já experimentaram num círculo de amigos chegados cada um fazer as contas ao número de parceiros que já tive? Eu já fiz o "jogo" e olhem que vi gente a perder-se nas contas a meio ...

Joana disse...

ary, lá está, é uma prática sexual perigosa! como já disse, é a cultura deles, são as opções deles. não acho totalmente correcto pensar que uma alteração na cultura de um povo como o de África seja a melhor solução, mas a consciencialização dos perigos que o seu estilo de vida acarreta é muito importante e sinceramente não me parece que muitas pessoas de lá tenham essa consicência.
muitas vezes, é falacioso comparar o efeito de um determinado fenómeno em situações distintas. neste caso, comparar os efeitos da poligamia em África com os seus efeitos em Portugal não é viável. são sociedades diferentes com maneiras de pensar diferentes. é o caso do uso do preservativo. em Portugal, como em qualquer outro país, há uma grande percentagem de pessoas que não o utilizam, mas, creio eu que o número de pessoas a recorrer ao preservativo tem aumentado significativamente. e porquê? porque é melhor com o preservativo? porque dá mais jeito? não me parece. há, sim, uma forma diferente de olhar o tema, uma mentalidade diferente! o mesmo não se verifica em África.
isto não é racismo nem tão pouco vontade de restringir a liberdade que tanto prezamos - até porque, pessoalmente, não aprovo a poligamia, mas não a condeno -, é apenas a vontade de tentar tirar um bocadinho de ar do balão antes que ele rebente.

Ary disse...

Se estamos a falar em dar às pessoas informação tudo bem.

Joana disse...

neste caso, a consciencialização parte necessariamente da informação. era disso que estava a falar.

Ary disse...

Dar informação às pessoas dificilmente pode ser negativo, apesar de haver certas informações que elas só conseguiram digerir correctamente se dadas conjuntamente com muitas outras.

Agora informar e educar nem sempre são a mesma coisa. Pode-se informar sem educar ("Onde é a farmácia mais próxima?") e educar sem informar ("Voltas a fazer isso e passas o resto da vida a comer por uma palhinha"). (Os exemplos não se adequam à situação, mas são ilustrativos).

Joana disse...

a informação que tem vindo a ser dada sobre a SIDA e sobre a importância do uso do preservativo não só informou as pessoas como as educou, isto porque perceberam que era essa a maneira correcta de agir. se for distribuida informação clara à população, esta vai tomar consciência que certos comportamentos que têm são um risco - a nível individual e geral - e é isso que as vai educar, o que não significa que abandonem por completo as suas opções.

Ary disse...

Mas então, nessa lógica de diminuição dos riscos, não têm razão aqueles que dizem que a melhor forma de evitar a propagação da SIDA é limitar as relações sexuais a fins reprodutivos?

Joana disse...

não, não entremos por aí! sabemos que isso é uma estupidez. como referi no comentário anterior, as pessoas não têm que abandonar por completo as suas opções; têm, simplesmente, que ter cuidado. certamente que isso iria diminuir a propagação da SIDA, mas não me parece que todas as pessoas que estão conscientes do perigo da propagação da SIDA e que tomam precauções se limitem a fazer sexo apenas quando querem ter filhos.
a resolução do problema não é abstinência nem tão pouco limitar a prática sexual a fins reprodutivos. isso é ridículo. antes de mais, informação, educação e consciencialização. e é daqui que advém a utilização dos métodos contraceptivos que, não sendo 100% seguros, são simples e bastante eficazes. o difícil é começar.

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