Ter cartão ou não ter cartão, leia-se, pertencer ou não a um partido, é em Portugal um dilema.
Uns, os que não têm, dizem que é "muita bom". Se for vermelho ou laranja, "melhor ainda", são uma espécie de equivalente aos cartões Gold, dão descontos em todo o lado, tachos, sacos azuis, luvas, viagens (a Bruxelas), licenciaturas, casas a baixo do preço de mercado, facilitam-nos a vida no emprego, protegem-nos contra a nossa incompetência, contra processos judiciais, avisam-nos quando estivermos para ser presos, tornam-nos amigos dos dirigentes desportivos e dos constructores civis, os nossos processos de licenciamento são logo aprovados...
Outros, os que têm, dizem que é muito mau. Se for vermelho ou laranja, pior ainda, perde-se imenso tempo a organizar actividades que são distorcidas pelas televisões, em discussões com toda a gente que pensa que temos a culpa deste mundo e do outro, em esquemas que nunca dão em nada, em reuniões em que tudo já está decidido, a fazer programas, manifestos e comunicados que ninguém lê, perde-se imenso dinheiro a patrocinar campanhas, a pagar quotas aos amigos que lá se meteram, perde-se a credibilidade no emprego, ninguém nunca acredita no nosso mérito, ninguém nunca acredita nas nossas boas intenções, ninguém nunca acredita numa só palavra do que dizemos.
Neste país, se temos cartão, se tivermos uma boa casa é porque roubámos, se tivermos um bom carro é porque roubámos, se formos de férias é porque somos perguiçosos, se defendermos uma boa causa é porque somos oportunistas, se casamos é porque queremos desviar as atenções, se temos filhos é porque os queremos usar para fazer campanha, se namoramos somos playboys, se não namoramos somos gays. Se os nossos filhos andam num colégio somos elitistas, se andam numa escola estão a ser usados como argumento político. Se temos uma profissão para além da política estamos a usar a política como trampolim, se não temos não sabemos fazer mais nada. Se Se compramos um carro somos despesistas, se não compramos somos eleitoralistas. Se aparecemos nos jornais queremos ser celebridades, se não aparecemos não sabemos comunicar com o eleitorado. Se vamos para Lisboa somos uns vendidos, se ficamos não temos visão nem coragem.
Se fazemos um bom trabalho é porque a imprensa está toda do nosso lado, ou porque manipulámos as estatísticas, porque tinhamos um orçamento obesceno, porque o sucesso era inevitável, os objectivos eram muito baixos, era esse o nosso dever e qualquer um fazia o mesmo.
Se somos maus, ou se a tarefa era impossível, ou os objectivos muito elevados, ou as estatísticas anteriores erradas, ou a conjuntura adversa, ou se alguém que trabalha para alguém que trabalha para alguém que nós nunca conhecemos fez asneira, se um sindicato vai a eleições daqui a uns tempos, ou o líder de um outro partido desceu nas sondagens, ou o Director de um jornal diário não tinha que escrever no editorial, ou há um surto de gripe, um assalto, um acidente, um incêndio, ou qualquer outro evento que remotamente poderia ter sido evitado por nós se o tivessemos previsto, então vão pedir a nossa cabeça.
Se temos cão somos presos, se não tivermos ...
Para quê ter cartão?!
Para, depois de muito engraxar um sujeito qualquer, interrompermos a nossa carreira, provavelmente para ir ganhar pior, trabalhar mais, andar constamente a calcorrear o país, abandonando a nossa família, os nossos amigos? Irmos para Lisboa, ou pior, para a Buraca, porque não vamos ter dinheiro para ir para Lisboa, aturar gente à beira de um ataque de nervos? Ir para um lugar onde a nossa vida e a vida de todos os que nos rodeiam é vista a pente fino em busca do pior?
E para quê? Para servirmos um país de pessoas que não pedem nem dão factura? Que conduzem com rei na barriga? Que não pagam impostos e ainda se gabam? Que só sabem dizer que está mal? Que se demitem das suas responsabilidades e gozam com quem é estúpido e pensa que pode fazer alguma coisa? Que morre de inveja de quem consegue seja o que for?
A pátria agradece? O que é que a pátria alguma vez fez por mim para eu fazer alguma coisa por ela?
3 comentários:
Será que um dia farão sentido as propriedades físico-químicas do cartão actual?
O ''Sr. do poster'' do teu quarto uma vez disse (e se calhar já o sabes) : 'And so, my fellow americans, ask not what your country can do for you - ask what you can do for your country. My fellow citizens of the world: ask not what America will do for you, but what together we can do for the freedom of man.'
Quanto a mim, nunca gostei muito de patriotismos extremos mas, se passarmos de uma esfera nacional para uma global então já me podem gozar por achar que algo pode ser feito.
De resto, o cartão recicla-se!
Ao ler este post lembrei-me exactamente da frase que o Hugo Oliveira aqui deixou.
A pergunta "O que é que a pátria alguma vez fez por mim para eu fazer alguma coisa por ela?" para mim não faz sentido pelo simples facto de, para mim, a política só fazer sentido se for feita com noção de serviço. Serviço por todos: pelas pessoas que moram à nossa volta, na nossa freguesia, na nossa cidade, no nosso país e pelos outros Portugueses que estão no estrangeiro. Pelas pessoas, pela sociedade!
E também pelo País, claro! País em que nasci, País de que me orgulho pela História que me deixa contar pelos seus feitos. E valeria Portugal o que vale se não tivesse tido Homens e Mulheres com a coragem de assumir o comando do País? De que é feito um País senão de pessoas e de uma identidade comum (história, tradição).
E está Portugal mal? Mais um motivo para nos envolvermos... com ou sem cartão!
curti milhões o post.
e ainda que seja quase tudo verdade (admito que saltei parágrafos), digo de sorriso escarninho e culpado que é o nada estar bem, o toda gente dizer o tudo ser uma puta duma valente merda à boca cheia, que dá a este penico à beira-mar plantado o seu je ne sais quoi que nos prende mais do que nos afasta.
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