1. Sendo honesto, creio dever admitir que não nutro grande simpatia pelas revoluções. Por razões diversas, que não exporei aqui. De todo o modo, há algo que continua a desarmar-me: aquela felicidade ingénua, pura, que leva as pessoas a sairem à rua aderindo ao movimento. Naquele momento em que tudo ainda é possível.
2. No último filme passado pelo cineclube, "La Chinoise", a dada altura uma personagem, quando confrontada com a pergunta "E que farás depois dos actos terroristas?", responde "continuarei a estudar para ver o que fazer. E depois estudarei mais". A ficção cruza-se com a realidade. Ontem, no P2, Otelo Saraiva de Carvalho, revelando o casuísmo revolucionário: "Eu vou fazer uma operação militar, elaborar uma Ordem de Operações, à minha responsabilidade. O Vítor Alves vai constituir o grupo político e tu [Melo Antunes] o programa". Depois da revolução "No dia 28 apresentei-me na Academia Militar, como se nada tivesse acontecido."
3. Passo a citar a reportagem.
Quartel do Carmo, 25 de Abril. Cumprindo ordens de "Óscar", o nome de código de Otelo no posto de comando, as forças de Salgueiro Maia, vindas do Terreiro do Paço, cercam o edifício, onde se refugiou o presidente do Conselho. Salgueiro é levado até ele.
"Entre, sr. Capitão", diz Marcelo. Salgueiro Maia faz continência e fica parado no meio da sala. Marcelo continua:
"Pode informar-me do que pretende?"
"Recebi ordens do posto de comando do Movimento para formular um ultimato. Ou V. Excia. se entrega, ou terei de mandar arrasar o quartel a tiros de armas pesadas."
"E quem comanda o Movimento?"
"O general Spínola!"
"O quê? É o general Spínola que está no posto de comando? Olhe que não é. Acabo de falar ao telefone com o general Spínola. Ele está em casa e diz que não chefia a revolução. Mas pedi-lhe para vir cá, para eu lhe entregar o poder."
Prestes a ser deposto, pela continuidade das coisas, Marcello Caetano preocupa-se em...entregar o poder. É meio épico.
4. Última nota. Volto a citar a reportagem, sem qualquer observação. Otelo cumpriu 5 anos [de prisão]. O país não conseguia manter preso o homem que lhe ofereceu a liberdade, e que, afinal, diz que "foi o 25 de Novembro que restituiu ao país a pureza dos ideais do 25 de Abril".
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Post Scriptum. Ao demitir-me de fazer observações à última nota quero fazer precisamente isso. Não se entenda algo como "quem cala consente".