quarta-feira, 22 de abril de 2009

Everything becomes so defined that in the end there’s no definition.

Há vezes em que a rua tem mais lógica quando vista do chão.
Há sítios em que o caminho se torna mais curto quando feito ao contrário.
Há noites em que a luz é mais definida quando desfocada.

Somos constantemente catapultados para um mundo que se exige racional, de respostas transbordantes de sentido, de condutas irrepreensíveis e exemplares. Tudo tem de bater certo. Quando tudo por que ansiamos é deixarmo-nos guiar pelo instinto, primitivo, animal, arcaico. Puro.
O pensamento deturpa a realidade, o desejo de verdade confunde-a. Nada existe. Essa incessante busca pelo belo, pelo certo, pelo absoluto, reconduz-se a uma primordial e também ela inata necessidade de perfeição programada. Instinto.
A perfeição perde-se na boca, esmorece-lhe o sabor e de novo tudo o que predomina é a corrosiva acidez da amargura.
Aleatoriedade! O meu reino é a minha visão. Contorcem-se vontades, contrapõem-se pressões. Nada resulta. A perfeição é tudo o que perdura.
E a perfeição é um murro no estômago. Uma pontada que insiste em latejar, o ritmo, esse, nunca quebra.
A perfeição é putrefacta, contudo maravilhosamente perfumada. Lacerações a céu aberto, quem não as tem? ‘Amor’, chamam-lhes. Rasgaram-se numa vala e fatalmente todos vamos lá parar. Mais tarde ou mais cedo.
Escravos e senhores de uma moralidade asfixiante, padrões inatingíveis e hierarquias de valores tirânicas, vemo-nos no espelho do nosso próprio regurgitado. Porque tudo que não é impecável nos parece enojar. Pecado será só pensar. Náusea.
A urgência de um esclavagismo de normas revela-nos seres amorfos, incapazes de discernir, de definir, de impor internamente os contornos da própria actuação. No mundo ideal não há dever ser, só ser. Não há sanção, só facto. Tudo se sente, nada se apreende. Tudo é, nada existe 5 segundos depois de nascer.
Tudo se resume a Sim ou Não. Preto ou branco. Tudo oscila entre leve ou leviano. Nada mais.
E no final lá estaremos enterrados. O caixão deliciosamente decorado de flores. Mesmo daqueles que só nos conheceram amortalhados. O corpo confortavelmente vazio de espírito. Tudo o que prevalece é o que esta à vista. Completude?

4 comentários:

Guilherme Silva disse...

Já disse o que tinha a dizer.

Anónimo disse...

Li e reli. Voltarei a ler amanhã.
Saboreei cada impressão, cada palavra...É incrível a maneira como te expressas.
Tal como Caeiro, és uma «Mestre da Sensação». Estás de parabéns, adorei.

Vilma

Marta Lima disse...

Fui comparada a Pessoa. E devo dizer que fiquei arrepiada.
Nao aquele arrepio de medo ou repulsa, mas aquele em que o teu corpo experiencia uma sensaçao de agradável a níveis algo ensandecedores que o levam a reagir como que se de um ataque se tratasse, activando mecanismos de defesa...
E, sim, estou rendida :) *

Vilma disse...

:) Como prometi, li-o de novo. Aguardo pelo teu próximo post *

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