quinta-feira, 31 de julho de 2008

história e memória

O que não se encontra na Internet; o que para muitos nada diz. Textos longos, compridos, reflectidos. De ilustrados. Este excerto é do guia de estudo de história do pensamento jurídico de António Pedro Barbas Homem, professor agregado (não sei se catedrático) da FDUL.

“O esquecimento que os alunos universitários revelam é o resultado intencional das experiências pedagógicas a que foram submetidos. Não pode pensar-se, o que seria uma atitude fácil, que se conformam com este diagnóstico. Encontro muitas vezes tristeza e revolta. Tristeza porque a ignorância implica a incapacidade para compreender o presente; revolta, porque esta incompreensão implica a incapacidade para agir sobre o presente e, assim, ser autor do seu destino.
A destruição da educação a que vimos assistindo nos últimos anos, em geral, e da história, em particular, tem um resultado terrível para as suas vítimas inocente. A destruição da liberdade para agir, porque só quem conhece pode agir com consciência da sua liberdade. Está em causa um conhecimento da sua própria historicidade, e também da geografia, da literatura portuguesa e estrangeira…
A destruição da dimensão temporal da história em favor de pré-compreensões metodológicas – como complexos e crises – tem um efeito: a história torna-se um conjunto de factos e de problemas de tal modo incompreensíveis no seu desenvolvimento que os alunos são incapazes de articular um pensamento coerente: tudo surge sob uma aura de inevitabilidade – o homem, de agente e autor da história, torna-se a sua vítima.
Igualmente grave é o facto de a dimensão histórica da literatura portuguesa não ser estudada na sua relação com a história geral, o que agrava a incapacidade de compreender a relação entre a criação literária e artística e a história política. Os alunos são incapazes de articular os diversos planos da história d acultura, com uma consequência precisa: a alienação do homem. Não se trata da alienação marxista, mas da alienação do homem pela ignorância da cultura e da sua própria historicidade. Daqui arranca este vício fatal dos nossos tempos, a indiferença. Tudo é lícito, tudo é permitido, nada é maligno, nada deve ser proibido. Da tolerância passa-se ao relativismo; do relativismo dá-se o último passo para a indiferença.
A condição do homem moderno de que fala HANNAH ARENDT assenta no saber e no conhecimento. Pelo contrário, os totalitarismos do século XX assentaram na manipulação da história e na manipulação da filosofia da história. É conhecido o dito acerca dos países submetidos a ditaduras estalinistas e maoístas, de que era mais fácil conhecer o futuro do que o passado. Em função de cada purga, o passado era rescrito, com filmes e fotografias adulterados, livros destruídos e outros impressos. (…)
O conhecimento da história não é, por isso, apenas condição para o progresso da ciência e da cultura. É essencialmente uma escola de liberdade. A sabedoria de um cronista antigo pode ser invocada. FREI JOÃO ÁLVARES alerta para a importância do conhecimento histórico, como matriz da acção política: «a memória das coisas passadas dá conhecimento para as do presente e avisamento das que são para vir» (Tratado, p.4). Ecoa a matriz clássica da história como mestra da vida.”

Perante o texto - com que me identifico totalmente – conseguimos enquadrar muitos dos temas que temos vindo a abordar.
- O mau jornalismo, a sociedade plástica, como uma sociedade de futuro, desprezando a história. A história surgindo encabeçada por uns quantos heróis – deuses – e por uns pequenos diabretes – demos. Não se procura perceber, conhecer. Ou é bom, ou é mau. Ou se consome ou deita-se ao lixo. (repare-se que hoje os jornalistas são licenciados em jornalismo; soa como um curso de culinária em que a aprendizagem se cinge a provar pratos de autores famosos. Nada de dar quadros mentais substanciais, de um certo saber. O que importa é saber comunicar. Plástico.)
- Podemos saber, em princípio, pela leitura histórica, que revoluções são aceitáveis ou não. Se, em abstracto, alguns de nós são pró ou anti revolução (provavelmente por adesão filosófica), em concreto as posições devem aproximar-se. Se, à luz das regras gerais da experiência (experiência histórica- e só saber um mínimo suficiente quase se apresenta como um labor de sisífo), do circunstancialismo da situação e dos concretos perfis dos actores revolucionários seja previsível uma melhoria da vida em comunidade sem custo injustificado, só por teimosia alguém continua a ser anti revolução. Parece-me, até, uma questão literária: uns gostam do romantismo do Maio de 68 (revolução cultural), outros gostam de pequenas mudanças. Mas todos anseiam pela melhoria da realidade, acolhendo qualquer meio idóneo a alcança-la (à dita melhoria).
- Para o leitor da história, a guerra afigura-se quase sempre como uma evitabilidade. Recordo uma velha entrevista no por outro lado do intrépido militar Vasco Lourenço, já calejado pela experiência, em que afirmava com seriedade bastante: “a guerra não é solução”. Veja-se, paradigmaticamente, a guerra do ultramar, que demorou quase 15 anos. Evitável (pelo menos em tal dimensão). Acho que, lendo a história, nem o nosso prezado amigo canotilho concordaria com imensas guerrilhetas que por aí se travam.

Mas ler história custa. Obriga a interpretar, a reflectir, ao permanente confronto entre o presente e passado. É sempre mais fácil dizer e ouvir “tive uma ideia inovadora” (quando, tantas vezes, mais não é que uma a visão adulterada e corroída de uma qualquer posição de um autor anterior).

Esta casa defende que a História é um prius da liberdade; uma escola de saber; um manual de acção. Desta feita, alguém fica no contra?

4 comentários:

MJ disse...

Eu não fico, certamente, no lado contra. O lado do "spam", do plástico, fast-knowledge, ou expressões afins.
Excelente texto Tiago, excelente.

Ary disse...

Brilhante. Obrigado por partilhares.

Rui Moreira disse...

Grande post. Muito bom mesmo!

D. disse...

ninguém pode ficar no contra.. aliás, face aos meus poucos conhecimentos de história, pois apenas a estudei até ao 9º ano, decidi ler nas férias a história de portugal desde os seus inícios muito primeiros... já agora, desafio-vos a ler qualquer coisa sobre biologia ou química. acho que iriam gostar xD

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