Disse Clara Ferreira Alves na sua habitual crónica no Expresso do último Sábado, o que, com alguns cortes, passo a transcrever:
"Uma boa parte do que se publica em jornais é Spam. Spam é lixo electrónico, a quantidade inesgotável de mails e mensagens sobre coisa nenhuma, avisos e alertas desnecessários, indignações de rodapé e comentários de nada. O spam atravessa as nossas vidas cibernéticas e estima-se que o tempo que perdemos a fazer “delete” mais o tempo que perdemos a lê-lo, mais o dinheiro gasto pelas companhias que inventam filtros de spam a inventar e a instalar esses filtros, é calculável em muitos milhares de milhões de dólares. Acções potencialmente inúteis porque os fabricantes de Spam e os anunciantes de Spam conseguem iludir todas as vigilâncias e dotar o lixo deles de poderosas propriedades de infiltração das nossas consciências.
O que quer dizer que o avanço tecnológico trouxe o seu reverso, a estupidificação progressiva das massas e a atrofia do cérebro, cada vez mais cheio de Spam e de trivialidades e menos ocupado com raciocínios e pensamentos que suscitem inteligência e concentração.
Na revista americana "Atlantic", o ensaísta Nicholas Carr publicou um texto com o título "Is Google Making us Stoopid?", e o subtítulo "What the Internet Is Doing to Our Brains". Carr é autor de um livro sobre o tema da revolução tecnológica na informação: The Big Switch: Rewiring the World, from Edison to Google, e o que ele diz é, essencialmente, uma constatação: qualquer pessoa que esteja habituada a ler livros, e livros grandes e difíceis, com muitas páginas e muito raciocínio, livros que só dão alguma coisa se o leitor der algo em troca, apercebe-se de que se torna cada vez mais árdua a concentração nesses livros e que a tendência para a dispersão e a diminuição da atenção se tornou uma segunda natureza no leitor.
Vivemos em "overdose" de informação desnecessária e invasiva como um tumor maligno. Escapar a esta "overdose" é impossível, tanto na imagem como na palavra escrita, a não ser que desliguemos todas as tomadas eléctricas. Essa informação multiplicada, e muitas vezes burocraticamente multiplicada, tende a inverter ou destruir as hierarquias e a subverter o essencial ao acessório. Existem novas leis: a imagem sobrepõe-se à palavra, a palavra tem de estar dividida e segmentada em parágrafos e pedaços, com destaques, de modo a prender a atenção. Na luta infernal pela atenção dispersa do ouvinte, leitor, espectador, tudo tem de ser hiperexplicado ou, em alternativa, sensacional e eufórico, sensacional e disfórico. Uma vez convenientemente digerida nos intervalos de outras infirmações que competem entre si, a informação não chega a ser hierarquizada nas nossas mentes e tudo é igual a tudo, na grande teoria da indiferenciação cultural que gera a nossa indiferença.
Só o aberrante, o pai austríaco que manteve a filha prisioneira durante 24 anos, ou o grandioso, a Espanha ter ganho o Euro 2008, ou o catastrófico inovador, o tsunami da Ásia que matou 250 mil pessoas, ou o criminoso policial, o desaparecimento de Madeleine McCann, provoca a nossa atenção não dividida. Tudo o resto cai em saco roto, e não nos espanta ver em rodapé de um noticiário pimba de televisão a notícia "180 mortos no Iraque em atentado terrorista", porque a notícia que devia ser importante tornou-se secundária. O terramoto na China foi completamente engolido nas nossas televisões pelo futebol e os desígnios insondáveis de Scolari. Assim sendo, o noticiário internacional tornou-se esparso e irrelevante e o noticiário nacional tornou-se tablóide e grotesco. No reino da estupidez, vale tudo. Portugal está inundado de Spam na informação e certas notícias historicamente relevantes nem chagam a ter cobertura jornalística. Em vez de informar, deforma-se. O major Valentim é mais importante do que as tropas portuguesas no Afeganistão.
A estupidez contamina a audiência e forja o preconceito violento e iletrado que enche as caixas de comentários e certa blogosfera azeda. Carr não fala de jornalismo, descreve dificuldades pessoais para ler um livro e inscreve a história e efeitos da inteligência artificial, explicando como estamos a ser privados de "um reportório de densa herança cultural" (a cultura ocidental) e a ser transformados em "pessoas-panquecas", segundo a teoria de Richard Foreman. Pessoas-panquecas, fininhas e achatadas enquanto se ligam à rede de informação pela mero toque de um botão. Pessoas panquecas que deixarão de ler romances russos, livros de Kant e Hegel, Aristóteles e Platão. Pessoas-panquecas que deixarão de ler, simplesmente. E que terão opinião sobre tudo."
Esta crónica fez-me reflectir, deixou-me apreensiva. Não estará Clara Ferreira Alves, com tais palavras proféticas, a pintar o quadro um pouco negro demais? Ou será que, como a maior parte das vezes, está certa, e o jornalismo português caiu num poço sem fundo? E o filtro de spam do "português médio", estará estragado, desactualizado, ou simplesmente farto de ter que filtrar? Será que a sua pluma, além de caprichosa, é hiperbolicamente alarmista, ou será que esta "overdose de informação" está mesmo a tornar-nos "pessoas-panquecas"?
filhos da Duna
Há 3 dias
12 comentários:
Clara Ferreira Alves é SPAM ... =D
Pronto, vá, este texto não estava mal ....
É verdade que temos um excesso de informação. O mundo moderno é assim e não há recuo possível. Só é possível "fugir para a frente" passando de uma idade da informação para uma idade do conhecimento. Que não é mais que informação com filtros compreensivos e transformada na habilidade de perceber as coisas e não apenas de as "saber".
Para isso precisamos de democratizar o acesso ao conhecimento e de um ensino mais e mais exigente que nos ensine uma faculdades essenciais como a distinguir o essencial do acessório, ou o subjectivo do objectivo.
A informação é mais acessível que nunca, mas não o é a todos. O conhecimento estaria acessível a um grande número, mas a capacidade de filtrar, de refectir, de deduzir e induzir não estão lá.
Faz-me lembrar uma grande biblioteca onde entramos e pegamos num livro qualquer e lemos...o grande problema no meio disto tudo é exactamente esse! É que geralmente as bibliotecas tentam fazer um filtro de qualidade ou pelo menos de um mínimo...
É verdade que o verdadeiro ponto democrático da questão é que cada um pode ler o que bem lhe apetecer...tal como a alimentação, onde ngm nos impede de comer fast food, mas aí, já tamos fartos de saber que faz mal e o seus perigos são aceites por quem consome,pk houve uma forte aposta na informação sobre o que é consumido...Contudo, e aí estamos todos de acordo penso eu, não podemos é evitar que seja vendida ou censurada...
É importante também que tenhamos essa capacidade de identificar a fast food ou spam da informaçao.
E aí é que deve ser feita a verdadeira aposta...
É que ainda há pessoas que julgam que o que leem nos jornais, na internet ou ouvem na tv são verdades inabaláveis, dogmas!!
E que ainda fazem trabalhos para a escola com base na wikipedia sem o mínimo preocupação de tentar ver se alguma parte mais obscura está certa, ou se simplesmente retrata a cultura brasileira e nao a nossa(o exemplo típico)
Por isso, faço idem aspas ao ary. :D
É que hoje todos tem uma opiniao...
Porque todos aprendemx a citar e cada vez mais interpretar, a grande dificuldade vai ser em termos(mesmo aqui porque nao) a NOSSA opinião e não um conjunto de opinioes que concordamos, que formará a nossa...
Até lá sabemos do assunto...um dia destes havemos de ser génios...lool
(concordo com o Tiago, experimentem escrever sobre algo que nunca foi dito, ou sobre algo já mt falado mas tendo uma opiniao inovadora)...não é fácil pois não?
Um tema muito interessante,no meu ponto de vista,mas a sua divulgação pela MJ,foi um bocado longa demais. Pelo que li,concordo o SPAM é algo que "já era excluído" das nossas vidas... tanta informação desnecessária,tanto tempo perdido.
is this blog spam, too?
"Um tema muito interessante,no meu ponto de vista,mas a sua divulgação pela MJ,foi um bocado longa demais. " Tiago af.
pois é, de facto estamos habituados a mensagens curtas, directas, incisivas. E há mensagens que não podem ser passadas assim. Como a deste texto. É um comentário que avaliza a posição da clara ferreira alves.
O texto está soberbo, concordo inteiramente. De um modo bem mais singelo já tentei dizer algo parecido neste blogue. Faltou-me a arte.(http://sociedadededebates.blogspot.com/2008/06/os-nossos-velhos-costumes.html).
Talvez chegue o dia em que o farenheit 451 se consume. As grandes obras estarão apenas na boca de uns quantos eruditos - ou em bibliotecas isoladas, talvez.
A internet trouxe a democratização da cultura, dizem alguns. Esperemos que não resvale para uma sua demogagização.
Agora já não há bombeiros a queimarem livros com querosene, mas pessoas que nos mesmos pouco ou nada veem.
Carlos Ruiz Zafón, n'"A sombra do vento", pela voz de uma personagem, diz que as pessoas já não leem livros porque não tem nada dentro de si. No fundo, só lemos aquilo que já temos dentro de nós (é uma ideia curiosa). E numa sociedade massificada, quase plástica, que gosta da tal mensagem directa, incisiva, um livro já pouco tem para oferecer. E quem diz livro diz qualquer artigo com alguma reflexão e profundidade.
Ainda bem que trouxeste este tema MJ. é muito bom.
Obrigada Tiago, foi algo que me deixou a pensar um pouco, fez-me lembrar precisamente o Fahrenheit 451, e a sensação inacreditável que nos fica depois de vermos o filme, de uma dimensão assustadora.
Caro Tiago Afonso, obrigada pela opinião, mas espero que tenhas percebido que a "divulgação que foi longe demais", se o foi, não era minha, mas da CFA, sendo que eu apenas peguei no tema para lançar a discussão e a reflexão. Primeiro, por achar que o texto vai directo ao o que realmente interessa, e depois, talvez para despertar umas tantas consciências, não jornalísticas, porque não chegamos aí, mas talvez bloguísticas. Porque há tantos, mas tantos blogues meus (e teus) contemporâneos, que se perdem infinitamente em discussões que são puro "spam", e bem mais quilométricas que esta. E nunca te vi por lá a comentares como agora...
Beijinhos a todos
mj, curiosamente nunca senti a sensacao de acabar o farenheit 451..fiquei.me pelo livro :P
spam é comer-te
deves ter totil spammers deves!!
Já agora recomenda outra pesquisa de google, desta vez sobre a origem da expressão SPAM.
aorigem da palvra spam está ligada ao grupo comediante britanico Monty Python.
algures está o video no youtube.
Só agora tive oportunidade de consultar o blogue novamente. Mas,a expressão que utilizei:
"Um tema muito interessante,no meu ponto de vista,mas a sua divulgação pela MJ,foi um bocado longa demais",foi em tom irónico,isto é,o tema é muito interessante,mas não tive disponibilidade ou tempo,ou até,paciência para o ler na sua totalidade. Quis apenas salientar a minha opinião,e tal como Pedro Ary,disse,em tom irónico (penso eu),a própria Clara Ferreira Alves é SPAM. No meu humilde ponto de vista,existem temas mais susceptiveis para serem debatidos,apesar de este,ser algo que nós nos devamos questionar,todos dias quando nos ligamos à Internet,o excesso de informação.
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