quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Censuras

1. Não obstante uma discussão poder afigurar-se como verdadeiramente “fratricida”, é sempre possível a existência de tópicos susceptíveis de reflexão. Também por cá, neste palco da Sociedade de Debates, este tipo degenerado de contenda já conheceu poiso. Numa caixa de comentários recheada de ataques, contra ataques, ganchos e golpes bem lançados, um ponto se aproveita para a presente abordagem.

2. Num dos vários comentários formulados, Henrique Maio pronunciou-se pelo mau gosto de uma analogia realizada pelo autor do post, considerando que uma realidade como a da anorexia, pela sua especial gravidade, não poderia servir de suporte a um recurso estilístico. Partindo dessa posição, há que reflectir sobre uma eventual limitação das temáticas ao dispor do autor, de modo a não ferir a sensibilidade de terceiros.

3. A posição aqui defendida é clara: uma completa discordância com qualquer limitação de temáticas a poderem ser abordadas.
3.1 Desde logo porque uma limitação do recurso a certos domínios, nomeadamente para serem utilizados em sentido imagético, reflecte uma censura prévia ao texto. Seja por que razões for, é já um cerceamento da liberdade criativa do autor.
3.2. O autor arca – sempre – com o ónus de bem se expressar. Um texto mal construído, com incipientes (ou deficientes) analogias, será avaliado e, dada a existência de caixas de comentários abertas, dissecado e eventualmente objectado pelos leitores. Aliás, como tem acontecido neste espaço, um texto que cause uma má impressão costuma ser vivamente atacado.

3.3 A existência de temáticas “intocáveis” leva normalmente a um reduzido conjunto de consequências (porém perversas): à entronização da temática – e subsequente radicalização de posições pró ou contra; ao esquecimento, por carecidas de reflexão; e, cumulativamente com as anteriores, a já referida limitação da liberdade criativa do autor. Como sempre, temos na história um repositório de exemplos da perversidade de proibir a alusão a certos domínios. Desde a sexualidade, em que qualquer reflexão era castrada; à imunidade de certos regimes pela sua afinidade a dadas correntes ideológicas (ou seja, pela insusceptibilidade de as questionar), et cetera, et cetera.

3.4. E agora desenvolvendo o problema da censura prévia, quando a mesma seja minimamente expressa, coloca-se a vários níveis:
3.4.1 ao do autor, temendo atentar contra as temáticas divinizadas.
3.4.2. dos destinatários, tornando-se juízes sumários do anterior.
3.4.3. a um último nível, daqueles que conhecem já o infame texto por vias desavindas, censurando comunitariamente o dito.
Resultando, assim, um claro empobrecimento do discurso.

3.5. Quando a limitação seja apenas tácita, surge o problema da inexistência de um padrão de aferição da adequação ou não da temática para servir como meio (recurso estilístico; para servir a argumentação) para certo fim (o de comunicar). Então, e chegamos ao rídiculo…, o autor tem de fazer um juízo de prognose sobre a possibilidade de vir a lesar particulares sensibilidades (porque aqui não se trata de ofender directamente alguém, mas de poder vir a ofender indirectamente um sujeito…).
De que critério se serviria Ary para evitar a alusão à anorexia como recurso estilístico?
Ora, é claro estarmos em terreno extremamente movediço, lodoso. Pois que qualquer temática em abstracto pode lesar a sensibilidade de uns quantos. Pense-se no recurso à guerra, liberdade religiosa, defesa de perspectivas de valores sociais conservadoras ou liberais ou, até, o elogio da vida ou da morte. Qualquer alusão a uma destes tópicos lesará a sensibilidade de alguns sujeitos, embora porventura o homem médio não se sinta ofendido. E é este critério que prevalece e deve prevalecer.

4. Assim, à liberdade criativa do autor só se aceita um limite. Um pouco romanticamente, serão as leis da República ou, melhor dizendo, o Direito da República. Fora esse, a apreciação do texto pelos autores já é suficiente (um texto pouco razoável será vivamente atacado). Se qualquer um procurar escrever algo tendo em vista as ofensas que em abstracto (e não em concreto) poderá efectuar, dificilmente escreverá pouco mais que umas quantas palavras desconexas.
Onde se não esteja para lá dessa muralha do Direito, que prevaleçam os mais belos despiques e confronto de ideias.

P.S. 1 Há argumentos, que o não são, como os seguintes:
“Não fales disso que nunca passaste por essa experiência”; “Só aprendeste isso pelos livros; não brinques com o fogo!”.
Ora, substancial parte do nosso conhecimento é adquirido de formas não empíricas. Assim, o mal não está no Ary falar sobre anorexia ainda que a não tenha vivido; mas poderia estar numa narração pessoal da experiência sendo que não a havia vivido. Daí que se porventura o pressuposto para abordar qualquer temática fosse a sua vivência na primeira pessoa, então quantos de nós falaria sobre história, guerra, crime, amor, velhice, amizade, desporto, cultura, filosofia. Seriam tantos os limites que incipientes os recursos discursivos. Há um sentido comum de cada palavra que, conhecido, dota o autor da possibilidade de a usar.
De todo o modo, se há falácia desprezível, é a ad hominem como frontispício da arguição.

P.S. 2 Uma reserva: procurei discutir ideias, não levar a cabo uma sibilina ad hominem.

Relacionado.
- Contra a proibição de negar o Holocausto, Tiago Barbosa Ribeiro (http://kontratempos.no.sapo.pt/europa_hneg.pdf)
- Contra a proibição do recurso a símbolos religiosos em sessões fotográficas de revistas ditas eróticas (
http://sociedadededebates.blogspot.com/2008/08/polcia-dos-usos.html)

9 comentários:

Anónimo disse...

Ja nos pronunciamos sobre isto noutro post anterior
SOu contra kk tipo de censura neste blog.. mesmo a inultuosa... mesmo a vinda de palmela ou alguma outra terra!
TOdos os conteudos devem ser permitidos... claro k existe sempre uma censura pelos outros comentarios a certos conteudos... mas ninguem impede o autor de escrever o k ker k seja por isso n ha censura

TR disse...

Canotilho, já ten uma visao contra legem. Um insulto ou difamação já viola direitos de personalidade:P

TR disse...

Ah. E quando escrevi nao foi a pensar apenas no blogue. É uma opiniao global sobre qualquer abordagem de qualquer autor.

abraço

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

penso que entre cavalheiros não será preciso estandardizar o estatuto de censura ou conteúdo do que se escreve.
por muito que se proíba a censura objectiva, há sempre coisas que se escolhe não escrever por razões do senso comum e por respeito ao grupo de pessoas com quem se trabalha, ou discute.
o próprio nome "sociedade" já induz em algo que já assegura que o problema da censura esteja posto de parte, não há partes dominadoras, e sem uma parte dominadora não há risco de censuras.
e depois, penso estarmos entre colegas e amigos, portanto...

Anónimo disse...

ramalho,

pela faculdade, iremos abordar este mesmo tema, aí sim perceberam melhor o que se disse pelas duas partes.....

apenas digo q a abordagem a discussão anterior, posta como uma premissa de uma qq referência minha à "censura" é puramente incorrecta...

in fine, in fine... qd os olhos estão vendados, o homem nc escreve de forma clarividente, não é?

abraço, boas férias, sentindo q se perdeu mt "tempo", infelizmente, perdendo-se tacto, perdendo-se visão...

Anónimo disse...

custa-me crer que alguém que "embeleza" os seus textos de maneira, digamos, intensa, e que entrou no curso de direito com uma média não inferior a 15 valores não consiga conjugar correctamente o verbo "perceber" na 3ª pessoa do plural do presente do indicativo..

Anónimo disse...

*futuro do indicativo, perdoem me o lapso

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

Por acaso é vergonhoso.
Já agora, escreve-se "perdoem-me" e não "perdoem me".

Anónimo disse...

=D

oto iluminado anda por aqui ... "LINDO"

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