sábado, 9 de agosto de 2008

Do XIX para o XXI

Escrevo para falar de uma passagem de um livro. Mas sendo o suporte da mensagem sobre a qual me debruço uma obra escrita, em estrita coerência também sobre ela me pronuncio escrevendo. Sinais dotempo, em já não em papel, mas num blogue.
O autor dialoga connosco escrevendo, eu comunico com os meus parquissimos leitores do mesmo modo. Aquele autor foi revisitado por bastantes gerações; eu, como seu fiel conviva (a intimidade com que o autor relata a história dota-me de tal honra), escrevo para a alguns recordar o que em tempos conheceram; para outros conhecerem o que daqui a tempos recordarão.

Falo das Viagens na Minha Terra, de Almeida Garret. Apenas comecei a ler a obra estas férias, já que no meu secundário não a abordei em Português B. Sobre o que vos quero falar? Ora, sobre eternas questões, sobre problemas de sempre, sobre como há muito, muito tempo, aquele já pensava o que pensamos; e já o comunicava com bastante mais humor.

"Formou Deus o homem, e o pôs num paraíso de delícias; tornou a formá-lo a sociedade, e pôs num inferno de tolices.
O homem - não o homem que Deus fez, mas o homem que a sociedade tem contrafeito, apertando e forçando em seus moldes de ferro aquela pasta de limo que no paraíso terreal se afeiçoara à imagem da divindade - o homem, assim aleijado como nós o conhecemos, é o animal mais absurdo, o mais disparatado e incongruente que habita na terra."

ou então, e aqui me quero centrar,

"Dizia um secretário de Estado meu amigo que para se repartir com igualdade o melhoramento das ruas por toda a Lisboa, deviam ser obrigados os ministros a mudar de rua e bairro todos os três meses. Quando se fizer a lei da responsabilidade ministerial, para as calendas gregas, eu hei-de propor que cada ministro seja obrigado a viajar por este seu reino de Portugal ao menos uma vez cada ano, como a desobriga".

Ora, esta casa defende muita coisa. Porque a casa da sociedade de debates é casa de oradores. Há-os filosofos, há-os sofistas. Há-os belicistas e pacifistas. Há-os filósofos a fazerem de sofistas, há-os belicistas a fazerem de pacifistas. E neste tão arguto conjunto de pensadores, a solução da casa é a que convence os restantes. Eu, não orador, pretenso filósofo, tentanto não sofista ser, pacifista em geral e belicista no futebol, defendo, em nome desta casa, que todos os indigitados para ministros e secretários de estado deviam provar chouriço, alheira, paio, chourição, presunto e queijo da serra; deviam circular em estradas nacionais sempre a 90 a hora; deviam vir à baixa do Porto e perceberem que 1 milhão de euros é um insulto para recuperar a mesma; deviam, também, saber o que é uma PME para lá das qualificações estatísticas; e, já agora, conhecerem, por via dessas curiais visitas, como os funcionários públicos, em geral, têm um imenso interesse em prosseguir o interesse público. Até as 18h..
Há, claro, claro, deviam também ir para municípios cujos executivos camarários fossem de outras cores políticas e tentarem realizar um grande empreendimento numa boa área. E, também (que, para o viajante, há sempre mais caminho) tentarem conhecer o que é "imparcialidade" num concurso público. Mas isto já seria muito.

Esta casa defende muita coisa. Isto também?

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