1. Primeiro Vicente Moura promete quatro medalhas e 60 pontos. Depois o povo emociona-se, enche-se de convicção, acredita naqueles heróis que para tão longe voaram. Os Jogos começam, os portugueses iniciam as suas prestações. Nada é como se esperava, um por um “falham”. Afinal traíram a esperança dos portugueses (e não convicção) e andaram a desperdiçar fundos públicos. Marco Fortes faz uma infeliz declaração (ou que assim o parece) e acaba por ser relegado para a pátria que o recebe com gracinhas, anedotas e um tremendo gozo. Entretanto Nelson Évora conquista a medalha de ouro e Vicente Moura, naquele que podia ser um rasgo do mais refinado humor (negro), anuncia que precisa de apoios para continuar, que até a isso está disposto.
2. Pelo meio há uma vítima. Vítima do nosso puritanismo, da nossa ânsia de, a tudo o custo, nos expiarmos: Marco Fortes. Na versão corrente, é um qualquer atleta para quem os resultados são indiferentes, que foi a Pequim passear (ou coisa parecida), que de manhã só na caminha. No que agora vem a lume, afinal é um sujeito que treina a maior parte dos dias sozinho durante cinco horas, que apenas por vezes tem o seu treinador a acompanhá-lo, e só durante hora e meia!, que apenas recebeu 500€ do COP durante seis meses (fora a bolsa de 900€ do Sporting).
3. A defesa das aparências falou mais forte. Perante a “catástrofe”, perante a evidência de que não se iria alcançar os objectivos, Marco Fortes foi o pretexto, o rastilho. Crucificado por jornalistas, por dirigentes desportivos e, pior, pelos portugueses. Repatriado – e numa viagem que envolveu um custo adicional de 1200 € - tudo acalmou, e o COP deu um exemplo de profissionalismo e de mão-dura. Ou de autismo.
4. Mas um travo de injustiça começa a sentir-se nos lábios dos muitos que se dispuseram a ouvir a versão de Marco. Deixa de se encontrar naquele homem um bruto indiferente ao sucesso mas, pelo contrário, um daqueles heróis do dia a dia que lutam contra a adversidade. Um sujeito que, afinal, cometeu o pecado maior de não superar o jet-lag, de durante o período em Pequim não ter podido treinar devidamente. De ter aí estado sem treinador. Um outro, muito maior, o de não ter justificado o resultado com a falta de apoios ou com a responsabilidade do árbitro (como o próprio, e bem, refere). E outro, de gigantes proporções, que o garantiria um lugar em todo o Inferno sem esperança de Purgatório, de dizer as palavras erradas no momento errado.
5. Ainda hoje diz Rui Hortelão no DN: “Marco Fortes foi crucificado pela frase “De manhã na caminha é que é bom, pelo menos comigo” Por mais que se procure, não há ironia ou humor que justifique tal comentário de alguém que acabara de ter um estreia olímpica medíocre”
6. Mas Marco não pagou pela frase. Pagou pela sua projecção, repetição, ridicularização e, pior, com a ânsia de expiação de todos quanto depositaram nos atletas esperanças, muitas vezes, infundadas.
7. Todo esse ciclo destrutivo teve como rastilho a frase, sem dúvida. E aí nasce um processo injusto, sem direito a contraditório, em que Marco teve constantemente com a guilhotina pronta a cair. Ninguém quer saber de nada, nada de nada, “a frase diz tudo!”, “nada justifica” e, com isto, faz-se injustiça. Da frase nasce um condenação, retiram-se sentidos obscuros, traça-se um fiel perfil do atleta – um preguiçoso, um calmeirão! É que se a frase terá sido infeliz, mais infeliz ainda é continuar a crucificar alguém por, vejamos, onze palavras.
8. Felizes na nossa condição de julgadores e algozes, nada mais somos que déspotas. Não nos interessa ouvir o “condenado”, não nos interessa a “verdade”, é-nos perfeitamente indiferente tudo aquilo que não queremos ouvir. E, contudo, somos os primeiros a condenar essa arrogância despótica. Os mais belos puritanos.
9. E a hipocrisia reina, claro está. Heroificando os nossos atletas, irremediavelmente entramos em depressão quando descobrimos que, afinal, são humanos. Que falham, tem dias maus, não conseguem – por vezes – corresponder às expectativas. Consideramos medíocre um atleta ter chegado à final dos JO (ou seja, ser um dos 40 melhores do mundo no seu “trabalho”), quando tal é precisamente uma vitória pessoal. Quando raros entre nós têm a honra de chegar ao restrito grupo dos 40 melhores do mundo nos seus domínios.
10. “- Lembra-te, compadre – disse-lhe – que não sou eu quem te fuzila. Fuzila-te a revolução.
O general Moncada nem sequer se levantou do catre ao vê-lo entrar.
- Vai à merda, compadre – replicou.”(1)
11. No meio de tudo isto, um momento alto de uma carreira destruído, e nada ganho para além desse travo a injustiça que nos perseguirá enquanto houver memória. Um ataque a uma frase, a um sujeito, a um nome, de pouco importando haver um ser humano por trás com uma história de esforço merecida de ser contada. Dá vontade de estendermos as mãos e dizermos: Marco, erramos. Mas talvez nem nós cumprimentássemos alguém com as mesmas tão sujas de vergonha.
2. Pelo meio há uma vítima. Vítima do nosso puritanismo, da nossa ânsia de, a tudo o custo, nos expiarmos: Marco Fortes. Na versão corrente, é um qualquer atleta para quem os resultados são indiferentes, que foi a Pequim passear (ou coisa parecida), que de manhã só na caminha. No que agora vem a lume, afinal é um sujeito que treina a maior parte dos dias sozinho durante cinco horas, que apenas por vezes tem o seu treinador a acompanhá-lo, e só durante hora e meia!, que apenas recebeu 500€ do COP durante seis meses (fora a bolsa de 900€ do Sporting).
3. A defesa das aparências falou mais forte. Perante a “catástrofe”, perante a evidência de que não se iria alcançar os objectivos, Marco Fortes foi o pretexto, o rastilho. Crucificado por jornalistas, por dirigentes desportivos e, pior, pelos portugueses. Repatriado – e numa viagem que envolveu um custo adicional de 1200 € - tudo acalmou, e o COP deu um exemplo de profissionalismo e de mão-dura. Ou de autismo.
4. Mas um travo de injustiça começa a sentir-se nos lábios dos muitos que se dispuseram a ouvir a versão de Marco. Deixa de se encontrar naquele homem um bruto indiferente ao sucesso mas, pelo contrário, um daqueles heróis do dia a dia que lutam contra a adversidade. Um sujeito que, afinal, cometeu o pecado maior de não superar o jet-lag, de durante o período em Pequim não ter podido treinar devidamente. De ter aí estado sem treinador. Um outro, muito maior, o de não ter justificado o resultado com a falta de apoios ou com a responsabilidade do árbitro (como o próprio, e bem, refere). E outro, de gigantes proporções, que o garantiria um lugar em todo o Inferno sem esperança de Purgatório, de dizer as palavras erradas no momento errado.
5. Ainda hoje diz Rui Hortelão no DN: “Marco Fortes foi crucificado pela frase “De manhã na caminha é que é bom, pelo menos comigo” Por mais que se procure, não há ironia ou humor que justifique tal comentário de alguém que acabara de ter um estreia olímpica medíocre”
6. Mas Marco não pagou pela frase. Pagou pela sua projecção, repetição, ridicularização e, pior, com a ânsia de expiação de todos quanto depositaram nos atletas esperanças, muitas vezes, infundadas.
7. Todo esse ciclo destrutivo teve como rastilho a frase, sem dúvida. E aí nasce um processo injusto, sem direito a contraditório, em que Marco teve constantemente com a guilhotina pronta a cair. Ninguém quer saber de nada, nada de nada, “a frase diz tudo!”, “nada justifica” e, com isto, faz-se injustiça. Da frase nasce um condenação, retiram-se sentidos obscuros, traça-se um fiel perfil do atleta – um preguiçoso, um calmeirão! É que se a frase terá sido infeliz, mais infeliz ainda é continuar a crucificar alguém por, vejamos, onze palavras.
8. Felizes na nossa condição de julgadores e algozes, nada mais somos que déspotas. Não nos interessa ouvir o “condenado”, não nos interessa a “verdade”, é-nos perfeitamente indiferente tudo aquilo que não queremos ouvir. E, contudo, somos os primeiros a condenar essa arrogância despótica. Os mais belos puritanos.
9. E a hipocrisia reina, claro está. Heroificando os nossos atletas, irremediavelmente entramos em depressão quando descobrimos que, afinal, são humanos. Que falham, tem dias maus, não conseguem – por vezes – corresponder às expectativas. Consideramos medíocre um atleta ter chegado à final dos JO (ou seja, ser um dos 40 melhores do mundo no seu “trabalho”), quando tal é precisamente uma vitória pessoal. Quando raros entre nós têm a honra de chegar ao restrito grupo dos 40 melhores do mundo nos seus domínios.
10. “- Lembra-te, compadre – disse-lhe – que não sou eu quem te fuzila. Fuzila-te a revolução.
O general Moncada nem sequer se levantou do catre ao vê-lo entrar.
- Vai à merda, compadre – replicou.”(1)
11. No meio de tudo isto, um momento alto de uma carreira destruído, e nada ganho para além desse travo a injustiça que nos perseguirá enquanto houver memória. Um ataque a uma frase, a um sujeito, a um nome, de pouco importando haver um ser humano por trás com uma história de esforço merecida de ser contada. Dá vontade de estendermos as mãos e dizermos: Marco, erramos. Mas talvez nem nós cumprimentássemos alguém com as mesmas tão sujas de vergonha.
Da minha parte, podendo, estenderei. Também eu me envergonho de ter tido a audácia de tirar um retrato de um atleta por tão pouco e de, agora, ter visto quão vis foram os seus efeitos perversos. Sim, foi a revolução que o fuzilou. E também, sim, fomos nós que a geramos. Justíssimo era Marco Fortes mandar-nos à merda.
(1) Gabriel Garcia Marquez, Cem anos de Solidão
recomenda-se:
http://aterceiranoite.wordpress.com/2008/08/23/marco/ http://www.dn.sapo.pt/2008/08/22/opiniao/sinto_peso_consciencia.html
(1) Gabriel Garcia Marquez, Cem anos de Solidão
recomenda-se:
http://aterceiranoite.wordpress.com/2008/08/23/marco/ http://www.dn.sapo.pt/2008/08/22/opiniao/sinto_peso_consciencia.html
1 comentário:
Confesso que o texto me fez mudar de opinião sobre o Marco Fortes. Um abraço
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