sábado, 30 de agosto de 2008

general russo afirma que, caso Israel não se comporte, o fornecimento de armas ao Hamas e Hezbolah vai continuar.

Nous sommes là parce que les Géorgiens sont des incapables, que leur administration s'est effondrée et que la ville était livrée aux pillards. Regardez ceci…" Il me montre, sur son téléphone portable, des photos d'armes dont il souligne lourdement l'origine israélienne. "Est-ce que vous croyez qu'on pouvait laisser ce bazar sans surveillance? D'ailleurs, je vais vous dire…" Il se rengorge. Allume une cigarette dont l'allumette fait sursauter le petit tankiste blond qui s'était endormi dans sa tourelle. "Nous avons convoqué, à Moscou, le ministre des affaires étrangères israéliennes. Et il lui a été dit que, s'il continuait à fournir les Géorgiens, nous continuerions, nous, de livrer le Hezbollah et le Hamas." Nous continuerions… Quel aveu! Deux heures passent. Deux heures de rodomontades et de menaces. Avec, parfois, une voiture qui ralentit mais qui, avisant le tank, semble se raviser et repart.

declarações do Presidente da Geórgia:

nous sommes le pays où passe le BTC, ce pipe-line qui relie Bakou à Ceyhan via Tbilissi; en sorte que, si nous tombons, si Moscou met à ma place un employé de Gazprom, vous serez, vous, les Européens, dépendants à 100% des Russes pour votre approvisionnement en énergie … Le message est clair. Rice ou pas, les Russes sont ici chez eux. Ils se déplacent, en Géorgie, comme en terrain conquis. Ce n'est pas exactement le coup de Prague. C'est sa version XXIe siècle – lent, par petites touches, à coups d'humiliations, intimidations, parades et paniques…

no Le Monde, por Bernard-Henri Lévy

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Mar

Ontem, vasculhando um antigo bloco, (re)descobri um breve poema com que havia deparado numa viagem de metro.

(original em galês, tradução de Ana Maria Chaves. De Menna Elfyn)


O primeiro encontro com o mar
É o que mais se aproxima
Da descoberta de uma maravilha.

Corremos felizes para as suas gargalhadas
Até à extensa orla dos seus contos
Truísmos que as línguas proclamam.

Compreendemos afinal que por mais
Barcos que naufraguem em seus escolhos
Os mares não deixam de ser belos. –

Esse primeiro encontro com o mar –
O que mais se aproxima
Da descoberta de uma maravilha.

É não apenas no primeiro mas também nos sucessivos encontros com esse azul instável, em praias com mais areia do que guarda-sóis, pára-ventos, geleiras, tendas, bandeiras e bandeirinhas, bolas coloridas ou gastas pelos ares, que o mar volta a ser uma eterna descoberta de uma maravilha. E aí, quase como Rosseau, e de tão bom o sentimento, ficamos perto de acreditar que somos bons selvagens.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Censuras

1. Não obstante uma discussão poder afigurar-se como verdadeiramente “fratricida”, é sempre possível a existência de tópicos susceptíveis de reflexão. Também por cá, neste palco da Sociedade de Debates, este tipo degenerado de contenda já conheceu poiso. Numa caixa de comentários recheada de ataques, contra ataques, ganchos e golpes bem lançados, um ponto se aproveita para a presente abordagem.

2. Num dos vários comentários formulados, Henrique Maio pronunciou-se pelo mau gosto de uma analogia realizada pelo autor do post, considerando que uma realidade como a da anorexia, pela sua especial gravidade, não poderia servir de suporte a um recurso estilístico. Partindo dessa posição, há que reflectir sobre uma eventual limitação das temáticas ao dispor do autor, de modo a não ferir a sensibilidade de terceiros.

3. A posição aqui defendida é clara: uma completa discordância com qualquer limitação de temáticas a poderem ser abordadas.
3.1 Desde logo porque uma limitação do recurso a certos domínios, nomeadamente para serem utilizados em sentido imagético, reflecte uma censura prévia ao texto. Seja por que razões for, é já um cerceamento da liberdade criativa do autor.
3.2. O autor arca – sempre – com o ónus de bem se expressar. Um texto mal construído, com incipientes (ou deficientes) analogias, será avaliado e, dada a existência de caixas de comentários abertas, dissecado e eventualmente objectado pelos leitores. Aliás, como tem acontecido neste espaço, um texto que cause uma má impressão costuma ser vivamente atacado.

3.3 A existência de temáticas “intocáveis” leva normalmente a um reduzido conjunto de consequências (porém perversas): à entronização da temática – e subsequente radicalização de posições pró ou contra; ao esquecimento, por carecidas de reflexão; e, cumulativamente com as anteriores, a já referida limitação da liberdade criativa do autor. Como sempre, temos na história um repositório de exemplos da perversidade de proibir a alusão a certos domínios. Desde a sexualidade, em que qualquer reflexão era castrada; à imunidade de certos regimes pela sua afinidade a dadas correntes ideológicas (ou seja, pela insusceptibilidade de as questionar), et cetera, et cetera.

3.4. E agora desenvolvendo o problema da censura prévia, quando a mesma seja minimamente expressa, coloca-se a vários níveis:
3.4.1 ao do autor, temendo atentar contra as temáticas divinizadas.
3.4.2. dos destinatários, tornando-se juízes sumários do anterior.
3.4.3. a um último nível, daqueles que conhecem já o infame texto por vias desavindas, censurando comunitariamente o dito.
Resultando, assim, um claro empobrecimento do discurso.

3.5. Quando a limitação seja apenas tácita, surge o problema da inexistência de um padrão de aferição da adequação ou não da temática para servir como meio (recurso estilístico; para servir a argumentação) para certo fim (o de comunicar). Então, e chegamos ao rídiculo…, o autor tem de fazer um juízo de prognose sobre a possibilidade de vir a lesar particulares sensibilidades (porque aqui não se trata de ofender directamente alguém, mas de poder vir a ofender indirectamente um sujeito…).
De que critério se serviria Ary para evitar a alusão à anorexia como recurso estilístico?
Ora, é claro estarmos em terreno extremamente movediço, lodoso. Pois que qualquer temática em abstracto pode lesar a sensibilidade de uns quantos. Pense-se no recurso à guerra, liberdade religiosa, defesa de perspectivas de valores sociais conservadoras ou liberais ou, até, o elogio da vida ou da morte. Qualquer alusão a uma destes tópicos lesará a sensibilidade de alguns sujeitos, embora porventura o homem médio não se sinta ofendido. E é este critério que prevalece e deve prevalecer.

4. Assim, à liberdade criativa do autor só se aceita um limite. Um pouco romanticamente, serão as leis da República ou, melhor dizendo, o Direito da República. Fora esse, a apreciação do texto pelos autores já é suficiente (um texto pouco razoável será vivamente atacado). Se qualquer um procurar escrever algo tendo em vista as ofensas que em abstracto (e não em concreto) poderá efectuar, dificilmente escreverá pouco mais que umas quantas palavras desconexas.
Onde se não esteja para lá dessa muralha do Direito, que prevaleçam os mais belos despiques e confronto de ideias.

P.S. 1 Há argumentos, que o não são, como os seguintes:
“Não fales disso que nunca passaste por essa experiência”; “Só aprendeste isso pelos livros; não brinques com o fogo!”.
Ora, substancial parte do nosso conhecimento é adquirido de formas não empíricas. Assim, o mal não está no Ary falar sobre anorexia ainda que a não tenha vivido; mas poderia estar numa narração pessoal da experiência sendo que não a havia vivido. Daí que se porventura o pressuposto para abordar qualquer temática fosse a sua vivência na primeira pessoa, então quantos de nós falaria sobre história, guerra, crime, amor, velhice, amizade, desporto, cultura, filosofia. Seriam tantos os limites que incipientes os recursos discursivos. Há um sentido comum de cada palavra que, conhecido, dota o autor da possibilidade de a usar.
De todo o modo, se há falácia desprezível, é a ad hominem como frontispício da arguição.

P.S. 2 Uma reserva: procurei discutir ideias, não levar a cabo uma sibilina ad hominem.

Relacionado.
- Contra a proibição de negar o Holocausto, Tiago Barbosa Ribeiro (http://kontratempos.no.sapo.pt/europa_hneg.pdf)
- Contra a proibição do recurso a símbolos religiosos em sessões fotográficas de revistas ditas eróticas (
http://sociedadededebates.blogspot.com/2008/08/polcia-dos-usos.html)

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

como é bom haver pessoas a olhar por nós.

Chegou finalmente o angélico dia em que o Homem, após sair do protector seio familiar, não mais se sentirá desprotegido face ao mundo terrível das escolhas e do desenvolvimento das suas capacidades sociais.
Mesmo no país diabólico e ultra-liberal que nós chamamos de EUA, já existe uma polícia dos bons hábitos. Agora sim, a revolução não parará.

A polícia dos usos

1. A edição brasileira da revista Playboy publicou umas fotos – como seu hábito, afinal – da actriz Carol Castro. Numa das ditas fotografias, a senhora surge com um terço. Ora, incomodadíssimos, o Instituto Juventude pela Vida, do Rio de Janeiro e um padre (padre Llodi) intentaram uma acção judicial para suspender de novas edições da revista com tais imagens. E viram satisfeita a pretensão.

2. Volta a polícia dos usos a atacar. O terço, independentemente da significação que tem para o crente, extravasa – em muito – tais limites. Ao mesmo se associam um determinado conjunto de valores e realidades: a oração, a probidade, a ingenuidade, a família, a comunidade. Seja como for, ao ser utilizado numa sessão fotográfica de uma revista dita erótica, não surge enquanto objecto religioso mas sim enquanto adereço decorativo. No caso concreto, diz a actriz que estava a tentar recriar uma personagem de uma novela em que participa, embora (digo eu) com trajes mais apelativos para o target da revista. O terço surge então perfeitamente deslocado do seu sentido religioso, aquele que podia justificar o relevo da ofensa.

3. Grosso modo, há ofensa sempre que um sujeito se sinta afectado na sua integridade – física, moral – ou respeitabilidade. Assim, existem naturalmente ofensas negligentes. Ainda que o agente (no caso, a revista) possa não ter intenção de lesar a integridade ou a honra do outro, o dano pode surgir. O problema surge quando do ponto de vista comunitário se dá guarida à protecção de sensibilidades que não carecem de ser protegidas. Ou seja, quando a comunidade considera que a ofensa (esta, em concreto) é juridicamente relevante e não deve persistir.

4. A questão é de substancial actualidade, e o precedente que abre (ainda será precedente?) é gravíssimo. O que a decisão traz é que um dado objecto, independentemente de ser apresentado como estético e decorativo, não pode ser usado para certos fins simplesmente por ter uma origem religiosa e, com isso, poder lesar uns quantos, para lá das implicações sociais derivadas – para além do perigo de abrir um mau precedente.

5. Há dificuldades decorrentes da aceitação de um modelo de uma comunidade aberto e laico. Uma das primeiras é a necessidade de aceitar certas práticas que, não obstante poderem simbolizar um atentado contra uma certa tradição acolhida por alguns membros da comunidade, devem ser aceites, dado não implicarem uma violação de quaisquer bens fundamentais. É que aqui não se tratou de proibir o uso indevido de um símbolo religioso (o que, eventualmente, se justificaria); não, tratou-se de evitar que um símbolo de matriz religiosa fosse usado num sentido deslocado daquele que obteve na sua génese. Sentido esse corrente e aceite pela globalidade da comunidade…

6. É que depois talvez venham os defensores dos direitos dos animais, protestando contra a utilização de pequenos felinos ou de canídeos nas sessões fotográficas; seguir-se-ão os ecologistas a negarem o recurso a cenários de exterior; depois os comunistas recusando qualquer utilização de foice ou de martelo; talvez cheguem os sociais-democratas, indignados pela presença de uma sombra que sugeria a imagem de umas pequenas três setas; por fim, chegarão os naturistas, revoltados com a associação do seu modo de vida àquela desavergonhada que passa as férias vestida.

7. São, de novo, os perigos do puritanismo. Com a perversidade de poderem destruir essa malfadada liberdade de expressão.

Geórgia

Declarações de Dmitry Rogozin, enviado da Rússia na NATO:
"O ambiente actual faz-me lembrar a situação na Europa em 1914, quando, por causa de um terrorista, os grandes poderes do mundo entraram em guerra", disse ao RBK, um diário económico.
"Espero que Mikhail Saakashvili não fique na História como o novo Gavrilo Prinzip", o sérvio que assassinou o arquiduque austro-húngaro Francisco Fernando, o que levou à eclosão da I Guerra Mundial.
A guerra nunca está longe...

Manuel Queiroz, excerto da coluna linha directa, no DN.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

obama

Tal como o vencedor da NBA se torna campeão do mundo de basquetebol (isto segundo as faixas de campeão), também parece que a eleição do Presidente norte americano é, afinal, a escolha de alguém para comandar os destinos da sociedade internacional - pelo menos do bloco ocidental. É assim do interesse de todos os europeus conhecer como futuro Presidente dos EUA alguém com um projecto de sociedade próximo da tradição europeia.
Talvez por tal, Obama tem alcançado quer uma imensa projecção quer um substancial capital de simpatia na Europa e, também, em Portugal, dada a maior sintonia com a visão europeia do mundo.
Da minha parte, ainda não consegui formular uma firme valoração sobre o sujeito. A campanha eleitoral americana irrita, é estéril, é uma constante luta entre dois sujeitos na sua individualidade e não pelo que projectam ou desejam alcançar.
Naturalmente que hoje o papel do individuo é fulcral, que a escolha do eleitor em muito é influenciada pela imagem. Mas quando SÓ há isso, quando o que resta é um produto plastificado pronto a colocar na presidência e a debitar cinco ou seis afirmações comuns da força que representa, nada mais resta que um travo de amargura e insatisfação. Hoje olhar para Obama parece-me quase igual a ver uma tshirt com a imagem de Che estampada. O que é que representa? Aquilo ainda é o que em tempo foi ou quis ser?
Também na política, venha a máxima.
The show must go on.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Ao nivel da Europa... tambem em segurança???

Ultimamente em todos os telejornais vemos 50% das noticias sobre assaltos, roubos, homicidios.. etc... Sao Carrinhas arrombadas com explosivos... sao bancos assaltados.... sao bombas de gasolina assaltadas in row.,.. E dizem. "nao ha insegurança" é so a tv que da mais enfase a estes casos.
Ora Todos os dias vemos o povo a dizer... " ha mt insegurança, ja nem se pode ir a rua sem ser assaltado..." e a culpa é da policia"
Por outro lado dizem outros analistas... Portugal é um pais relativamente seguro mas a insegurança sentida é igual à dos outros paises. E n se pode equiparar estatisticas de apenas à um ano atras.. pk nao establece um padrao.

Que comentar.. Bom ha um ponto muito interessante que os telejornais nao referem que é o facto de que os crimes com pena até 5 anos sao punidos com pena suspensa ou apenas com as apresentaçoes na PSP.
Ou seja nao é so a Policia que nao actua... pois muitas vezes a policia actua e quando os entrega à justiça... eles sao postos em liberdade. Isto acontece particularmente nos roubos.. mm em flagrante delito. Tenho conhecimento de casos em que os agentes prendem em flagrante.. levam ao procurador.. e este os poe em liberdade no dia, e que passado umas horas soa apanhados outra vez a roubar com armas, e sao outra vez postos em liberdade (é ridiculo... querem k a policia actue... para quê... para haver destes casos)

É verdade que nao se pode dizer que existe um aumento da insegurança, quanto muito um aumento da criminalidade violenta repentino... pois ja se aperceberam que saem impunes, claro que tb nao se deve exagerar como o ze povinho, mas que aumentou o trafico de armas, e que a policia está de maos atadas está.

Entao.... quem culpar! A policia? A crise económica? O codigo? Os politicos? As estatisticas?

A policia... em parte, ainda que tenaha pouca culpa, pois se actua para os meter la dentro, e os poe logo dali para fora...
A crise.. é bastante provavel que a falta de dinheiro aumente a possibilidade de haver crimnalidade, mas o que vemos agora nao é o roubo para ter algum para comer(ainda que o elevado desemprego possa levar a isto) Mas parece que a maior parte dos assaltos sao mesmo de gangs ou sindicatos do crime, que vêm em portugal uma nova oportunidade.
O codigo... Penal e de processo penal que sao provenientes da nova reforma... sao um treta porque sao codigos economicistas... e dps os politicos como é obvio, que provocam toda esta situaçao sao os principais culpados!
Pk... ja nem falo da crise, mas por exemplo sabem que cada vez mais existem situaçoes destas, mas nao investem na segurança.. agora é so computadores... e (educação) digamos Estatisticas de educaçao pk para a administraçao interna e justiça é cada vez menos.!
Com este tipo de situaçoes a existir na justiça e policia em portugal kk dia assaltam o palacio de s. bento!

Uma alteraçao é necesaria para permitir a prisao preventiva em crimes com pena inferior a 5 anos!!!!!

Mas ao menos agora estamos ao nivel da europa em algo... mas como de costume pelas piores razoes.. Temos criminalidade de qualidade ao nivel da EUROPA

JO2 – Acontecimento desportivo.

(últimos cartuchos sobre JO; desenvolvimento de ideia anterior)

1. Já há uns tempos havia escrito neste blogue um texto sobre a natureza dos jogos olímpicos (http://sociedadededebates.blogspot.com/2008/08/jogos-olmpicos.html). Aí disse que considerava os jogos olímpicos um evento desportivo, e não político. Contrariamente ao que esperava, não tenho a carta olímpica contra esta posição - pelo menos no que toca ao princípios fundamentais. Vejamos o segundo:

“O objectivo principal do Olimpismo é o de colocar o desporto ao serviço de um desenvolvimento harmonioso do Homem, com uma visão promotora de uma sociedade pacífica preocupada com a preservação da dignidade humana.”( http://www.comiteolimpicoportugal.pt/conteudo-detalhe.php?id=16;”

2. Na linha preconizada, os Jogos Olímpicos são uma manifestação eminentemente desportiva que, por essa via, mediatamente influi na realidade política. Assim, é por via indirecta que qualquer promoção de um determinado valor surge. Aproveitam-se as valias do desporto para daí se retirarem corolários úteis na realidade do dia-a-dia. Veja-se, por exemplo, o da igualdade inata entre os indivíduos: nos JO ganhará o que saltar mais alto, ou correr mais, ou pedalar com maior eficiência; a vitória surge não em função da raça, cor, ou afins, mas do trabalho e esforço individual.

3. Daí se conclui que os Jogos Olímpicos não devem ser lidos como um palco político, mas como um grande espectáculo desportivo onde, eventualmente, se possam sentir tensões políticas. Aparentemente não haverá diferença entre uma situação e outra, mas ela existe. É que no primeiro caso tudo se confunde inevitavelmente: A escolha do local será exclusivamente política, os balanços serão políticos, os reflexos políticos. Já no segundo, algumas ilações políticas se poderão retirar, mas por via indirecta.

4. Se os Jogos forem política, apenas política, se procurarem por via directa mudar a realidade, então são traídos pelo seu próprio passado - Berlim 1936; Moscovo 1980. Aí, os Jogos desenrolaram-se em cidades de Estados muito alheios à preservação da dignidade humana (Alemanha essa que procurou restringir o critério de atribuição da personalidade jurídica do BGB, dado este ser, naturalmente, universalista). Nesta linha de pensamento, os objectivos da carta olímpica são letra morta e, sendo-o, não são de valia alguma. Pelo contrário, o ideal dos Jogos, se perspectivados apenas enquanto acontecimento desportivo, não sai chamuscado: continuam a deixar as mesmas imagens de esforço e igualdade entre os atletas (Veja-se Jesse Owens em Berlim), continuam a promover uma sociedade pacífica pelo exemplo do desporto.

5. Não se nega que seja um palco onde se fazem sentir tensões políticas. Naturalmente que a organização de Pequim’08 se afigurou como uma oportunidade para a China se apresentar de nova cara e, formalmente, materializar o que já há anos se anunciava: que é uma potência. Então o que se dirá é que os motivos que levam a China a organizar os JO são políticos, enquanto que os Jogos Olímpicos são eminentemente desportivos. Da mesma forma, quando Portugal organiza a Expo’98 ou o Euro’04 não o faz propriamente para os portugueses terem acesso à cultura ou ao desporto, mas sim para, essencialmente, se projectar na cena internacional. No entanto, a primeira não deixa de ser um acontecimento cultural e o segundo um desportivo, não obstante motivados por razões de ordem político-económica.

6. Firmes os pressupostos do raciocínio, tire-se a última e, afinal, a maior das conclusões: sendo que Jogos não são política, uma boa imagem da China por via dos Jogos não produz ipso facto uma maior avalização do seu papel no mundo. O que ficou provado foi uma tremenda capacidade de organização, de acolhimento dos atletas e de garantia de condições para óptimos resultados. Mas isto é no domínio do desporto, da organização de eventos, do catering e dos souvenirs.
Política estará sempre à parte e direitos humanos manter-se-ão como um prius alheio a demonstrações de força, galante e persuasão. Seria bom, para a China que tudo fosse uma mesma realidade. Mas, raios, não é!

Ver, também:
JO1 – Os puritanos (http://sociedadededebates.blogspot.com/2008/08
/jo1-os-puritanos.html
)

RE: O repleto seio

Manuel,

provavelmente a melhor coisa que eu fazia para o teu texto ter o fim que eu acho que ele merece [leia-se: o esquecimento] era não o comentar. Mas como tu mereces mais que o teu texto [leia-se: uma resposta] eu vou tentar pegar em algumas coisas. O post é demasiado longo para uma análise ponto a ponto em forma de comentário por isso perdoem-me desde já por não o fazer.

1. O mote de uma sociedade não pode ser "cada um por si e Deus por todos", ou na sua versão moderna de "cada um por si e o mercado por todos", ou "olho por olho, dente por dente", etc. As pessoas esquecem-se com frequência da nossa capacidade para alterar o rumo das coisas, quando confundem rumo e natureza das mesmas. O nosso mote deve ser aquele que nós acharmos que deve ser o nosso mote e não aquela que é a nossa interpretação do mote da sociedade actual. O meu mote de sociedade seria mais depressa o muito mosqueteiro "um por todos e todos por um", que o "cada um por si e o mercado por todos".

2. Kennedy disse que "uma sociedade que não consegue ajudar os muitos que são pobres não conseguirá salvar os poucos que são ricos", até porque "aqueles que fecham o caminho à revolução pacífica, abrem-no, ao mesmo tempo, à revolução violenta" (Kennedy e Fidel Castro [curioso, não é?]). Todo domínio depende, em maior ou menor grau, do consentimento dos dominados. Alexandre Magno, disse, quando os seus soldados mostraram o desejo de voltar para a Macedónia, "eu sou o seu chefe e portanto tenho de segui-los". Não há sociedade que não colapse ao peso da desigualdade, especialmente quando os mais ricos pensam que podem viver nas suas fortalezas douradas e seguir em frente deixando o resto para trás.

3. Na escolha entre eficiência económica e equidade social, tão burros são os que escolhem uma, como os que escolhem outra. Não há verdadeira eficiência sem equidade porque nunca teremos as melhores pessoas para os melhores lugares cortando a alguns as oportunidades para lá chegar, porque sem equidade não há segurança, não há paz social, não há confiança para investir, mas há crime, há indivíduos frustrados com o que a sociedade lhes deu, há individuos que descobrem que trabalhar já não vale a pena, há uma sociedade em que o homem é pior que lobo, porque os lobos não são lobos para os seus. Mas também equidade sem eficiência não é mais que uma constante divisão por zero.

4. Os comunistas esquecem-se que a natureza humana pode não ser egoísta, mas "também não é cega". A direita, quando não é simplesmente uma forma de pequenez e hipocrisia intelectual, é uma forma de confucionismo político, que vive tentando tirar da felcidade da aceitação que vem depois do desencanto. É bom compreendermos que o mundo é como é, mas como é não será de certeza. Temos de jogar com as cartas que nos dão.

5. Lula da Silva tem feito um trabalho inacreditável no Brasil, reduzindo a pobreza, controlando o orçamento, fazendo grandes investimentos, equilibrando a balança comercial, apostando na promoção internacional da língua portuguesa, apostanto na ciência e na inovção, praticamente acabando com a fome no Brasil, trazendo educação e saúde aos mais pobres, lançando o Brasil como potência mundial, nomeadamente do ponto de vistas político. O Brasil tem tido uma excelente política externa e resultados impressionantes tanto do ponto de vista económico como social. E creio que, se a China não fosse tão mediática, estavamos era a falar do Brasil como modelo de desenvolvimento. Desde que o Lula chegou à presidência, o Brasil passou de uma situação em que a maioria da população era pobre (categorias D e E de rendimentos) para uma situação em que a maioria da população pertence à classe média, ao mesmo tempo que o número de ricos virtualmente não sofreu alteração. Por isso, "Manel", acho que ninguém tem grandes razões de queixa.

6. Eu, em regra não concordo com a atribuição de subsídios. Geram grandes distorções de mercado, alimentam o sentimento de que há pesos mortos na sociedade, catalizando o mal estar social e o sentimento de classe e minam a integração social voltando ricos contra pobres ou paulistas contra nordestinos. No entanto em algumas situações justifica-se a simples transferência de poder de compra, que pouco mais é que uma espécie de grande esmola dada pelo Estado. As transferências de poder de compra são isso mesmo: esmolas. Eu não gosto muito de esmolas, lembro-mo sempre que é melhor ensinar a pescar, que dar um peixe, mas há situações em que as distorções são um mal menor.

7. Nem sempre as transferências de poder de compra são más. O Banco Mundial dá bolsas a fundo perdido (esmolas grandes) no valor de $25.000 a comunidades em países em desenvolvimento para elas gastarem como quiserem. A ideia é que são as comunidades que sabem como melhor gastar esse dinheiro e que o seu envolvimento no planeamento e execução dos projectos aumentam as hipóteses destes serem bem sucedidos, ao mesmo tempo que diminuem a corrupção. Os projectos foram até agora bem sucedidos em todo o lado excepto em Timor-Leste (não sei [mesmo] porquê).

8. Vou deixar as coisas do Obama para outra altura. Não perdes pela demora ...

9. Os países nórdicos continuam a ser paraísos na terra criados por um modelo social europeu e se tem havido recuos é porque há margem para esses recuos. Eles perceberam, melhor que ninguém, que o Estado só deve estar onde é preciso. Ou seja quando os privados não fazem ou fazem pior. Parece-me óbio que numa sociedade bem organizada, com boas infra-estruturas, com imenso capital humano, com um sistema financeiro competitivo, com boas bases legais, sem grandes problemas de discriminação, com um bom sistema de saúde, com rendimentos altos, etc. o Estado deva e possa recuar. Não é verdade que o Estado seja sempre pior administrador, ou que seja menos inovador, ou que seja sempre mais burocrata, consigo dar muitos exemplos de situações em que se mostrou o contrário. Mas a sua participação representação quase sempre uma limitação da liberdade dos indivíduos. Quando essa limitação deixa de ter por objectivo a promoção dessa mesma liberdade, não faz sentido ele continuar a estar presente.

JO1 - Os puritanos

1. Primeiro Vicente Moura promete quatro medalhas e 60 pontos. Depois o povo emociona-se, enche-se de convicção, acredita naqueles heróis que para tão longe voaram. Os Jogos começam, os portugueses iniciam as suas prestações. Nada é como se esperava, um por um “falham”. Afinal traíram a esperança dos portugueses (e não convicção) e andaram a desperdiçar fundos públicos. Marco Fortes faz uma infeliz declaração (ou que assim o parece) e acaba por ser relegado para a pátria que o recebe com gracinhas, anedotas e um tremendo gozo. Entretanto Nelson Évora conquista a medalha de ouro e Vicente Moura, naquele que podia ser um rasgo do mais refinado humor (negro), anuncia que precisa de apoios para continuar, que até a isso está disposto.

2. Pelo meio há uma vítima. Vítima do nosso puritanismo, da nossa ânsia de, a tudo o custo, nos expiarmos: Marco Fortes. Na versão corrente, é um qualquer atleta para quem os resultados são indiferentes, que foi a Pequim passear (ou coisa parecida), que de manhã só na caminha. No que agora vem a lume, afinal é um sujeito que treina a maior parte dos dias sozinho durante cinco horas, que apenas por vezes tem o seu treinador a acompanhá-lo, e só durante hora e meia!, que apenas recebeu 500€ do COP durante seis meses (fora a bolsa de 900€ do Sporting).

3. A defesa das aparências falou mais forte. Perante a “catástrofe”, perante a evidência de que não se iria alcançar os objectivos, Marco Fortes foi o pretexto, o rastilho. Crucificado por jornalistas, por dirigentes desportivos e, pior, pelos portugueses. Repatriado – e numa viagem que envolveu um custo adicional de 1200 € - tudo acalmou, e o COP deu um exemplo de profissionalismo e de mão-dura. Ou de autismo.

4. Mas um travo de injustiça começa a sentir-se nos lábios dos muitos que se dispuseram a ouvir a versão de Marco. Deixa de se encontrar naquele homem um bruto indiferente ao sucesso mas, pelo contrário, um daqueles heróis do dia a dia que lutam contra a adversidade. Um sujeito que, afinal, cometeu o pecado maior de não superar o jet-lag, de durante o período em Pequim não ter podido treinar devidamente. De ter aí estado sem treinador. Um outro, muito maior, o de não ter justificado o resultado com a falta de apoios ou com a responsabilidade do árbitro (como o próprio, e bem, refere). E outro, de gigantes proporções, que o garantiria um lugar em todo o Inferno sem esperança de Purgatório, de dizer as palavras erradas no momento errado.

5. Ainda hoje diz Rui Hortelão no DN: “Marco Fortes foi crucificado pela frase “De manhã na caminha é que é bom, pelo menos comigo” Por mais que se procure, não há ironia ou humor que justifique tal comentário de alguém que acabara de ter um estreia olímpica medíocre”

6. Mas Marco não pagou pela frase. Pagou pela sua projecção, repetição, ridicularização e, pior, com a ânsia de expiação de todos quanto depositaram nos atletas esperanças, muitas vezes, infundadas.

7. Todo esse ciclo destrutivo teve como rastilho a frase, sem dúvida. E aí nasce um processo injusto, sem direito a contraditório, em que Marco teve constantemente com a guilhotina pronta a cair. Ninguém quer saber de nada, nada de nada, “a frase diz tudo!”, “nada justifica” e, com isto, faz-se injustiça. Da frase nasce um condenação, retiram-se sentidos obscuros, traça-se um fiel perfil do atleta – um preguiçoso, um calmeirão! É que se a frase terá sido infeliz, mais infeliz ainda é continuar a crucificar alguém por, vejamos, onze palavras.

8. Felizes na nossa condição de julgadores e algozes, nada mais somos que déspotas. Não nos interessa ouvir o “condenado”, não nos interessa a “verdade”, é-nos perfeitamente indiferente tudo aquilo que não queremos ouvir. E, contudo, somos os primeiros a condenar essa arrogância despótica. Os mais belos puritanos.

9. E a hipocrisia reina, claro está. Heroificando os nossos atletas, irremediavelmente entramos em depressão quando descobrimos que, afinal, são humanos. Que falham, tem dias maus, não conseguem – por vezes – corresponder às expectativas. Consideramos medíocre um atleta ter chegado à final dos JO (ou seja, ser um dos 40 melhores do mundo no seu “trabalho”), quando tal é precisamente uma vitória pessoal. Quando raros entre nós têm a honra de chegar ao restrito grupo dos 40 melhores do mundo nos seus domínios.

10. “- Lembra-te, compadre – disse-lhe – que não sou eu quem te fuzila. Fuzila-te a revolução.
O general Moncada nem sequer se levantou do catre ao vê-lo entrar.
- Vai à merda, compadre – replicou.”(1)

11. No meio de tudo isto, um momento alto de uma carreira destruído, e nada ganho para além desse travo a injustiça que nos perseguirá enquanto houver memória. Um ataque a uma frase, a um sujeito, a um nome, de pouco importando haver um ser humano por trás com uma história de esforço merecida de ser contada. Dá vontade de estendermos as mãos e dizermos: Marco, erramos. Mas talvez nem nós cumprimentássemos alguém com as mesmas tão sujas de vergonha.
Da minha parte, podendo, estenderei. Também eu me envergonho de ter tido a audácia de tirar um retrato de um atleta por tão pouco e de, agora, ter visto quão vis foram os seus efeitos perversos. Sim, foi a revolução que o fuzilou. E também, sim, fomos nós que a geramos. Justíssimo era Marco Fortes mandar-nos à merda.

(1) Gabriel Garcia Marquez, Cem anos de Solidão

recomenda-se:
http://aterceiranoite.wordpress.com/2008/08/23/marco/ http://www.dn.sapo.pt/2008/08/22/opiniao/sinto_peso_consciencia.html

domingo, 24 de agosto de 2008

o repleto seio

No Brasil, o Presidente Lula da Silvas criou uma bolsa família especialmente destinada aos habitantes do Nordeste, cujo PIB per capita era somente 28% do equivalente ao Sudoeste.
O Programa foi desempenhado com sucesso, gerando uma descida nos índices de miséria do povo brasileiro daquelas partes.
Tomado como exemplo por parte de alguns analistas económicos nova-iorquinos, e mesmo por parte da ONU, o Bolsa Família tem alguns condicionalismo relevantes que são, na sua maioria, relegados para segundo plano.
De facto, proporcionam às zonas "esquecidas" do Brasil um rendimento extra, fundamental para que haja algum desenvolvimento na área. O problema é que esse desenvolvimento é pago com o trabalho da restante população brasileira que, a meu ver, não tem passado tão bem nas duas últimas décadas.
Estes condicionalismos não estão a ser fiscalizados pelo governo convenientemente, apesar dos esforços federais em manter bem investido o seu dinheiro, vigiando os cidadãos com satélites e métodos afins, considerados igualmente de exemplares.

"Quando se usa um cartão de crédito, a empresa responsável é comunicada sobre o quanto deve pagar ao comércio por um sistema que utiliza linha telefônica. Em locais sem essa estrutura, a comunicação pode ser feita via satélite ou rádio", afirma Nina Farnese, técnica do projeto pela Caixa Econômica Federal, uma das entidades que faz parte do acordo de cooperação técnica assinado entre os dois países. - in Terra Magazine.

Assim, o Bolsa Família tornou-se, como era de prever, no rendimento per se dos nordestinos mais pobres. A educação não aumentou o que se esperava, apesar de o número de faltas às aulas ter diminuído o rendimento escolar continua nas ruas da amargura, e o dinheiro não serviu de incentivo para novas oportunidades, criando-se mais uma epidemia de "subsídio dependência".
Portanto, qual é a grande diferença entre o nordestino antes do subsídio, e este nordestino engordado pelo subsídio?
É que dantes, os grandes terratenentes ou latifundiários empregavam facilmente mão-de-obra barata e desprezada pelas autoridades, que jogava corruptamente com esta tradição de labor.
Agora os terratenentes mal empregam qualquer tipo de mão-de-obra, porque ninguém quer trabalhar. Agora, os preços dos alimentos por todo o Brasil, com especial repercussão no Rio de Janeiro, aumentam a cada mês, e um dia em que essa maminha gordinha e redondinha que é o Estado secar, o Nordeste ainda vai ter mais dificuldades, porque os grandes empresários já terão, por essa altura, investido as suas poupanças noutros sítios. Sim, porque o estado dá e tira. Isso determinará o fim do mercado agrícola que enriquece as cidades de Pernambuco e Baía e Recife, que terão de viver do pululante turismo sexual que se faz naquela zona. Estas são as consequências de um Estado que, em vez de abrir as economias das regiões e esforçar os seus meios na defesa das liberdades do cidadão, se limita a distribuir "equitativamente" recursos, algo que é muito fácil, é como disfarçar a ferida com, vá lá, cosméticos. Cosméticos capazes de também caçar votos.

Outros problemas da recondução Estadual podem ser vistos por aí fora, no mundo. De facto, o Estado não só contribui para a obesidade do cidadão, como também lhe acabará por programar um "reduce fat fast". De facto, comida está mais cara, não é? Vejam lá o vídeo e depois prossigam.

Nos EUA, o candidato presidencial que planeava a política social que entrou em grande voga e mediatismo está agora a atrasar-se nas sondagens.
De facto, um sistema de duas rondas tem destas coisas, os cidadãos começam a pensar melhor se querem um presidente que não só vai criar mecanismos de saúde mais flexíveis, mas que pensa em criar outros sistemas de subsídio estadual que serão o problema de outros presidentes no futuro, e que vai obrigar a classe média americana a pagar a vida de outras pessoas, contribuindo assim para a dead end que é a actual Segurança Social Europeia.
Infelizmente a alternativa a Obama é, nas palavras de Stiglitz, o representante de um velho corporativismo em trajes novos.

Em Portugal, o RSI aumenta 427% em relação aos números de 2004, mantendo-se Portugal com os piores índices de pobreza na União Europeia.
União Europeia que acordou para os problemas das políticas passadas.
A Suécia acordou para os malefícios da política social até aí seguidos, e já mudou o Executivo social-democrata para um executivo de Direita.
A restante Escandinávia fez ou está em vias de fazer o mesmo mesmo.

De facto, todos este "limousine-liberals" têm meios complexos de ver o actual estado de Portugal. O que não é muito difícil, pois está riscado de estradas vazias e desnecessárias, temos actualmente a rede de estradas mais prolífica da Europa, o que seria bom caso o país não fosse tão pequenino, e temos uma educação que custa os olhos da cara ao Estado, e que não apresenta o mínimo de resultados.
Faz-nos pensar se seremos todos assim tão libertários ou anarco-capitalistas, ou apenas liberais à moda antiga.

Liberalismo Anorético




1. No Brasil há 700 mil senhoras que se dedicam a revender produtos cosméticos porta a porta e apenas 10% das brasileiras os consideram um luxo (contra uns não menos espantosos 23% no resto do mundo).
O mercado dos cosméticos vale 95 mil milhões de dólares por ano e cresce a 7% ao ano.
Os homens bonitos ganham 15% mais e as mulheres 5% mais.
Nos EUA, em 2006, houve 16 milhões de cirurgias plásticas, 11 milhões das quais cosméticas e calcula-se que 70% dos clientes sejam de classe média.
Eu podia podia facilmente "vomitar" mais estatísticas, mas não valeria a pena, já que penso que todos estão convencidos à partida de que vivemos num mundo em que a imagem é bastante valorizada.

2. O que talvez não saibam é que até 60% das raparigas americanas no secundário estão em dieta, ou que 50% das raparigas entre os 13 e os 15 dizem que têm excesso de peso, ou ainda que 40% das raparigas de 9 anos e 80% das raparigas de 13 anos já fez uma dieta. Talvez também não saibam que 1% das mulhres britânicas entre os 15 e os 30 sofre de anorexia e que esta é fatal em cerca de 5% dos casos. Cerca de 40% dos afectados nunca recupera: 20% são capazes de arranjar trabalho e ter relações superficiais, 20% mantêm-se perigosamente perto de voltar a ser anoréticos e não são capazes de levar uma vida que não seja centrada na comida (ou na ausência dela).

3. Mas houve um dado que me fez pensar: apenas 10% dos anoréticos são homens. Porquê? Onde estão esses 0,9% dos homens obcecados com a perda de peso?
Como toda a gente sabe, o homem, dada a sua natureza superior, distinta e nobre, tem um olhar mais atento ao outro, mais humano, mais solidário. E portanto não se encontra egoisticamente focado no seu próprio peso, mas no peso dos outros.

4. Nada melhor do que olhar para o peso de todos, o que é quase como quem diz, para o peso do Estado. Olham para o Estado e sentem-se enojados com a imagem dele a comer todos aqueles milhões e milhões. Olham para as nádegas e para a educação e vêem celulite, para as autoestradas e vêem enormes penéus de gordura relusente, apalpam a justiça e sentem-na flácida. Enfim, quando vêem Portugal em imagens de satélite, é como se se vissem ao espelho, não encontram os seus rios e montanhas, as suas cidades e campos, muito menos vêem as pessoas e imaginam o colorido tragicómico das suas vidas únicas; apenas conseguem ver uma imensa bola de queijo limiano com 45% de lípidos, ou um perú chafurdando numa ração disforme na véspera de Natal.

Meus amigos, creio que acabei de descobrir uma nova manifestação da anoréxia nervosa. O meu dever, o nosso dever, passou a ser levar estas pessoas a receberem tratamento adquado em locais próprios onde possam voltar a reconciliar-se com o seu corpo e com o Orçamento de Estado.

Não será fácil. Nenhum anorético reconhece que está anorético e nenhum liberal anorético o reconhecerá. Também não podemos menosprezar a força dos movimentos pró-ana e dos blogues anarco-capitalistas. Também não podemos esquecer-nos que esta doença se espalha facilmente através do sangue (de pais ricos para filhos ricos), do ar (em festas do Jet7) e dos carros de alta cilindrada. Não se preocupem com a partilha de seringas ou os contactos sexuais, mas cuidado com o casamento e evitem o caviar.

sábado, 23 de agosto de 2008

A escola e o saber

Há dias li um muito curioso post de Osvaldo Manuel Silvestre n’os livros ardem mal (http://olamtagv.wordpress.com/2008/08/17/leitores-precisam-se/). Creio que a tónica do texto está correcta – “Ou seja, não se lêem livros porque não há real motivação social para o fazer”. No entanto, há um importante ponto em que divirjo, em acordo com João Diogo, por texto publicado num outro blogue –http://joaoediogo.wordpress.com/2008/08/16/entre-livros-editores-livrarias-e-leitores-um-comentario-a-um-post-de-osvaldo-silvestre/.- ou seja, na parte em que considero que a Universidade (e a escola) têm responsabilidade.

Fixemos os pressupostos da reflexão e, firmes os mesmos, reflictamos. Diz João Diogo:

“Podemos ver jovens estudantes que passam quatro, cinco anos na universidade apenas a ler apontamentos, alguns o desplante das fotocópias, mas mais: sem o mínimo sinal de perceberem que serem bons naquilo que estudam implica, necessariamente, ler e muito de outras coisas. Um dos exemplos flagrantes, um que agora conheço melhor, é o caso dos ditos jurístas. Os alunos de direito, por exemplo, gastam fortunas a comprar os livros dos seus professores, que muitas vezes não trazem nada de novo, e não compram, não lêem mais nada.”

Por seu turno, afirma Osvaldo Manuel Silvestre:

“Onde divirjo de João Diogo é na responsabilização que faz da universidade por este estado de coisas. Não querendo ser paroquial, permito-me alargar o âmbito dessa responsabilização a toda a escola portuguesa, mas para a refutar. O meu conhecimento do nosso sistema de ensino, nos seus vários níveis, mostrou-me à evidência que o problema não é a escola”

E, ainda,

“Quanto às fotocópias, lamento mas são uma consequência fatal da inexistência de bibliotecas universitárias realmente apetrechadas (pois não se pode dizer apetrechada uma biblioteca que possua apenas um ou mesmo dois exemplares de obras de referência) ou com horários de funcionamento indignos daquilo a que muita gente aprecia chamar «a vocação da universidade». A situação de indigência financeira das universidades, porém, e sejamos realistas, não permite mais.”

Neste sentido, há dois pontos que carecem de abordagem. Por um lado, uma possível responsabilidade da Universidade e (no seguimento do alargamento do objecto da abordagem trazido por Osvaldo Manuel Silvestre) da escola e, num outro âmbito, a própria postura dos alunos.

1. Sou, como facilmente se apurará do próprio visionamento do template do blogue, estudante de Direito. Como tal, enquadro-me perfeitamente no “grupo” sobre o qual qualquer um dos dois posts se debruça (pelo menos na parte a que aludi). De igual forma, atravessei há pouco o ensino secundário, de modo a que a minha memória ainda não me trai, recordando plenamente o modo como a matéria é leccionada, a matéria que é leccionada (pelo menos em visão geral) e, ainda, como os professores aliciam ou cativam os alunos para “irem mais além”.

2. É com essa recordação viva que traço um cenário negro da escola. Sem dúvida que hoje estão bastante bem apetrechadas, sem dúvida que dotadas de excelentes instrumentos de apoio e, inegavelmente, sem dúvida que hoje apresentam diversas actividades em que os alunos podem aprender mais (olímpiadas da matemática, campeonato nacional língua portuguesa, …). Mas fica-se por aí, quedando-se no essencial – o estímulo do conhecimento.

(ensino de um só livro)

3. O estímulo para o aluno caminhar para lá do manual adoptado é quase nulo. Qualquer disciplina conhece um livro adoptado (não esperando cair em erro, Erasmo: “tenho medo de homens de um só livro”), e a leccionação, globalmente, não vai para além dos mesmos. Se em certas disciplinas tal não causa celeuma (penso na matemática), noutras os problemas são de maior leva. Paradigmaticamente temos o caso de História. Ano após ano de ensino os manuais continuam a produzir-se do mesmo modo: uma página de texto, outra de “documentos de apoio”. O aluno para obter bons resultados não precisa de consultar documentos de apoio extra-livro, nem ler qualquer autor nos originais, quedando-se pela glosa. E, não obstante, pode obter a classificação máxima. Se, por um lado, ainda se poderia arguir que era ao professor que caberia tornar o ensino mais dinâmico e exigente, por outro refutar-se-ia perguntando, tão-somente, que estímulo haverá em correr o risco de “ir mais além” (o grande horizonte do conhecimento) quando tal não conhecerá qualquer reflexo nos exames nacionais (apesar de tudo, a plataforma giratória que recolhe o aluno no secundário e ou devolve de novo à procedência ou o entrega ao superior).

4. Por experiência própria, considero o caso de Português mais gravoso. Tendo tido a disciplina de Português B, e fora alguns casos esporádicos, nela não encontrei incentivo de monta para continuar a ler. O ensino continua a limitar-se à abordagem de umas quantas obras, sem procurar levar o aluno a conhecer qualquer autor para além do “programa”. Se em dado ano o que importa é Vergílio Ferreira, noutro é José Saramago. De modo que para a faixa etária anterior à minha (que o programa mudou no ano em que entrei) Saramago continua a ser uma abstracção, um Nobel, e para a minha Vergílio Ferreira uma voz do passado, um eco já quase – ou totalmente - inaudível (friso que estou nos domínios de Português B). Mais se dirá: dentro de cada autor é o livro específica que releva, e não a procura de conhecer um pouco mais para além do mesmo (ou seja, do livro no contexto da obra). E quem não toma contacto com a língua enquanto tem uma disciplina para tal vocacionada, dificilmente o fará de outro modo.

(Universidade)

5. Passemos à Universidade. Mais uma vez, encontro-me centrado na FDUP. João Diogo tem por um lado inteira razão no que afirma mas, por outro, acaba por ofuscar certos dados que, não obstante, merecem ser trazidos à discussão. Se é verdade que não raro se encontram estudantes que “fazem o curso pelos apontamentos”, por outro é inegável que o salto qualitativo da Universidade face ao ensino secundário é gritante. Talvez abismal, daí que muitos nele caiam.

6. Na Universidade já se encontra – genericamente - a promoção do conhecimento, do ir mais além. O aluno já sabe que a boa nota se alcança com muito estudo, com uma constante procura da luz na bruma, sendo que é ele próprio que tem de alumiar o próprio caminho. E é, também, por aí, que o panorama é mau. Habituado a crescer numa cultura em que a escola não educa para cultivar a ânsia de conhecer mais – e de para tal ter muitas vezes de trabalhar autonomamente – esbarra numa imensa parede e, claro, recorre – muitas vezes - à via mais fácil. Os apontamentos, as sebentas rasuradas e, frequentemente, a consulta do colega do lado.

7. Se a Universidade tem responsabilidade? Creio que sim, mas não tanta como possa parecer ao primeiro olhar. Porque a Universidade é ainda um continuum do secundário e, sob pena de mergulhar num profundo autismo, não pode obrigar o anão a subir a escada do gigante. O que com isto quero frisar é que o problema é estrutural, do ensino no seu todo.

8. O problema agudiza-se com a família não incentivar ao culto do “saber” (como referido no post de Osvaldo Manuel Silvestre, em parte não citada). Mas tal só agudiza a necessidade de ser a escola a fazer tal promoção. O jovem que vive em família desequilibrada só conhece a normalidade se, por alguma via, tal lhe for dada a conhecer. Assim, a escola, latu sensu, não está inocente neste processo. Até porque tem essa responsabilidade adicional.

(fotocópias)

9. Quanto às fotocópias, considero haver duas razões de monta para tal acontecer. Desde já afirmo não acreditar que a maior parte dos alunos que recorra aos meios o faça por insuficiência económica. Se o fizesse, então a solução passaria por bibliotecas melhor recheadas. Então, quais as razões?

10. Por um lado, o facto de a actual geração – crescida numa sociedade já “internetalizada” – estar habituada a obter certos conteúdos a um valor inferior ao justo e devido – é o que acontece desde logo com a música, um dos produtos mais consumidos pelos jovens.

11. Por outro, a indiferença face ao conhecimento. Se o jovem fotocopia livros e, simultaneamente, se rodeia de bens de luxo ou, apenas, de bens perfeitamente dispensáveis em prejuízo da compra dos manuais no original, só me ocorre ser por não valorizar o conhecimento, por não ali ver um objecto de culto, ou com valor bastante para pagar um pouco mais para o adquirir (ao contrário do que encontra numas calças, num jogo de computador, num poster especial, numa camisola original do clube).

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Direito & Moral & Religião

1. Começo pelo Direito. À posição de propalar um Direito expurgado de quaisquer valorações morais contrapõe-se a própria natureza da norma. A norma jurídica é já uma resposta – grosso modo, um comando – a um problema. Um problema humano, de pessoas, com as suas crenças e convicções. De pessoas com preocupações morais, ou sem as mesmas. Naturalmente, a solucao deverá levar em conta as especificidades de cada um, especificidades essas com moral bastante à mistura.

2. Seguindo o ensino de Baptista Machado, a norma é um dado positivo que remete para um direito natural (embora com um entendimento particular do mesmo). Partindo da Teoria da Linguagem, considera a norma um símbolo que remete para um referente, a ideia de justiça/ Direito assente na comunidade. Veja-se o exemplo [nosso] do abuso do direito. Da leitura do artigo 334 o intérprete deverá, à luz da tal ideia de Justiça acolhida, encontrar quais as situações jurídicas cujo exercício se traduza em ilegítimo. O acérrimo positivista normativista lamentavelmente não retirará qualquer conclusão da dita norma. Nem que seja porque a mesma alude a cláusulas gerais que, também elas, carecem de ser preenchidas com recurso à tal ideia de Direito e de Justiça assente na comunidade (já para não referir a dificuldade de positivismo interpretar a mais clara das normas…as palavras são signos convencionais e, por conseguinte, remetem inevitavelmente para algo que está para além de si), ultrapassando os espartilhos da linguagem. Naturalmente, a solucao "justa" para uma comunidade é aquela que leva em conta o seu proprio quadro axiológico. E sendo a Religião um destacado meio de trasmissão de valores, facilmente os valores comunitários sao, mediatamente, trazidos para o Direito por aquela.

3. Assim se dirá, desenvolvendo o aflorado, que a ideia de Justiça é eminentemente social.

4. Nesse sentido, uma eventual protecção de uma matriz essencialmente católica do casamento não será necessariamente um atentado jurídico…Ou o apoio do Estado às Igrejas necessariamente reprovável. O que se trata, mais uma vez, é de o Direito dar guarida a instituições assentes na comunidade, protegê-las, fazê-las viver. Não sendo institucionalista e, mais, não reconhecendo a valia de reconhecer quaisquer forças imanentes a dados institutos jurídicos, defendo a protecção de institutos e instituições queridos pelas pessoas. A pessoa é o fim do Direito; os institutos meios para sua realização. Como tal, proteger estes significa favorecer a realização da pessoa, concretizando o desiderato do Direito (na concepção que perfilho, claro está).

5. Em que medida carecem de ser protegidos é outra questão. Direi que há ocasiões em que o casamento pode ser essencialmente de matriz católica; e que há ocasiões em que se justifique que o Estado apoie vivamente as Igrejas. Não que promova quer um quer outro de per si; simplesmente, que promova a realização da pessoa que por tais meios se quiser realizar. No tempo hodierno, parece não se justificar uma visão tão tradicionalista do casamento – assim o penso. Mas se tal houvesse não haveria inevitavelmente um atentado a um Direito estratosférico, puro, só ao alcance dos magnânimos. Pelo contrário, a legitimidade ou ilegitimidade da norma apenas se aferiria pela sua conformidade ou não à ideia de Justiça assente na comunidade.

6. O ordenamento jurídico vigente regula a vida de certas pessoas de uma certa comunidade. Como tal, deverá ser um repositório de soluções desejadas pelas mesmas. Se a comunidade é eminentemente religiosa, será natural proteger a religião; se a sociedade é empreendedora, será natural proteger a economia de mercado. Assim, é evidentemente impossível conhecer o Direito de um outro espaço cultural sem conhecer esse mesmo espaço. Sob pena de não conhecermos a que problema a norma dá resposta.

7. A negação em absoluto de qualquer ligação entre o Direito e a Religião é pois, em linguagem jurídica, um completo atentado ao princípio da igualdade. Princípio da igualdade esse que, de tantas vezes invocado, se apresenta quase infantil, de tão subtil o seu conteúdo e de tão elevadas incompreensões geradas. Pois se o Direito bebe da filosofia, da ciência, da economia, da própria história, o afastamento da religião traduz uma ostracização de um domínio que desde sempre mereceu tratamento por parte do homem. Poder-se-ia dizer, tão-somente, que o Direito, afinal, vive sem esses domínios (nem ciência, economia, filosofia,…). Mas é pressuposto não acolhido no presente escrito e com debilidades bastantes. Nem que seja porque pressupõe o acolhimento de uma dada corrente de Filosofia do Direito (analogicamente, o dadaísmo é uma forma de arte, precisamente a que nega a arte, a não-arte).

8. Com isto se conclui dizendo que a separação absoluta entre a religião e o jurídico (como que este nao pudesse dar guarida a valoracoes daquela), apesar de muito poder ser, não é um corolário da ideia de Direito. Será, isso sim, um qualquer imperativo que decorra de um Direito historicamente vigente num dado espaço, e que só pode ser exportado para uma outra comunidade em que consiga obter viabilidade.

9. Assim, o conteúdo de um possível veto do Presidente da República a uma lei por motivos “morais”, de génese religiosa, não será necessariamente meta-jurídico. Aliás, tal motivação poderá ser estritamente jurídica. Nomeadamente se corporizar uma ideia de Direito enraizada e querida pela comunidade, um dever-ser desejado.

Estamos a crescer

De regresso de umas férias "encurtadas à força", mas ainda assim inesquecíveis - amigos, para quem não conhece a Croácia (Zagreb, os parques naturais, as ilhas e a costa até Dubrovnik) marquem já como destino de férias a não perder! - e contando os dias para a próxima partida, tive tempo para me actualizar um pouco do estado da blogosfera na minha ausência.

Não me surpreendi ao ver que por aqui as coisas continuam mais ou menos na mesma, com algumas discussões interessantes, outras nem por isso, muitas linhas que só dá para passar à frente, mas sempre com o vício do debate e da polémica. Contudo, qual não é o meu espanto quando, no deambular por outro dos blogues habituais (e avisada por pessoa alheia ao SDD, que já o havia lido), me deparo com uma referência ao nosso humilde espaço num dos sítios de mais elevada qualidade, actividade fervilhante e maior "audiência" da blogosfera portuguesa - o Sound + Vision. É pena que não tenha sido pelos melhores motivos nem com o conteúdo que eu desejaria. E também é pena que no dito blog não nos seja possível deixar comentários - os autores terão as suas razões. Mas ainda assim, é uma resposta, uma crítica e publicidade inesperada no marcante espaço de João Lopes e Nuno Galopim.

Já com algum atraso, mas para quem ainda não tiver reparado, especialmente para ti, Tiago, aqui fica o post:

http://sound--vision.blogspot.com/2008/08/faculdade-de-direito-do-porto-algumas.html

álvarocunhalinegrado

Tenho-me apercebido ultimamente que o país se tornou numa república socialista soviética, ou numa qualquer vertente do Marxismo-Leninismo, a título temporário.
Toda esta confusão à volta dos atletas dos Jogos tem vindo a cansar-me muito, tal como costuma acontecer com as tretas dos comunistas Marxistas-Leninistas, Trotskistas e Maoístas, e às vezes socialistas e pessoas de esquerda em geral.
De facto, espero a qualquer momento a execução sumária por traição à pátria do atleta que ousou dizer que de manhã prefere estar na cama a andar pelo estado olímpico de Pequim (o tal Ninho de Cucos) a atirar pesos com uns valentes quilos logo pela manhã.
Surgiu uma ideia algo estranha este Verão que o dever dos atletas é oferecer medalhas ao País, em nome do Estado. Todas as receitas desses atletas são vistas como despesas do Estado, ou melhor, investimentos do Estado, e como tal os atletas pertencem a todos nós e todos nós temos o direito de crucificar todo aquele que falhar na sua busca patriótica por uma medalha olímpica. Alguns analistas devem ver na atribuição de medalhas um factor de arranque da economia nacional, e já ouvi até rumores que o Bloco de Esquerda vai apresentar ao Parlamento (eu sei que é Assembleia, mas Parlamento soa-me melhor, é menos afrancesado) um projecto-lei que torna o Estado titular de todas as medalhas olímpicas conquistadas por atletas portugueses de forma a que as mesmas sejam entregues à Casa da Moeda, que deverá derreter as de ouro(como a medalha de Nelson Évora) para aumentar o stock nacional deste minério, de forma a apressar a sua desvalorização e causar a queda do capitalismo, usar as de bronze para a cunhagem de moeda e posteriormente tubos de canalização, e as de prata para oferecer umas polainas jeitosas a Francisco Anacleto Louçã.
E assim, toda a nação está muito furiosa e entristecida com esta dieta de triunfos, até há pouco tínhamos uma só medalha e nem era de ouro, já se pensava vender uma província ao Phelps em troca de uma medalhinha.
Dizem os mais coisos que Portugal investe pouco nos atletas, e de facto 15 milhões de euros ou coisa parecida por ano é uma ninharia, comparado ao que a Austrália gasta, e os EUA. Assim, a culpa é do Estado. A estes seres gastrópodes que querem que o País se esvaia em subsídios desportivos, eu chamo de "Keynesianos Compulsivos Olímpicos". Até porque sempre tive jeito para tratar as coisas pelo nome, é uma certa racionalidade reaccionária mas cómoda que eu herdei do meu avô Salazarista e das minhas conversas com o Eça, em Rezende, como se escrevia na época, com a sua delicada esposa, a condessa.
Também há um outro grupo, que eu chamo muitas vezes de "Senhores tal" que dizem que a culpa é dos atletas, tal é a sua falta de bom senso e compromisso. Segundo estes senhores, tal é a obrigação destes atletas em nome de Portugal, que só lhes resta a opção de morrer no campo ou vencer, o que é particularmente desencorajador para os que competem no tiro ao alvo. Caso consigam o ouro devem ser transportados em carros ornados a ouro, puxados cada um por cinco cidadãos exemplares da nação (brancos, nada de pretos ou ciganos, estamos num país multicultural) e presenteados com um bolo-rei pelo Presidente da República dos Portugueses.
E assim, pouco a pouco, vamo-nos parecendo com a China. Os atletas que não conseguem os resultados pretendidos, as vitórias e as medalhas e os recordes e os bolos-réis, são achincalhados, esquecidos pela Federação Olímpica, são uma vergonha porque nós estamos a pagar para que os meninos andem a passear por Pequim e a meter-se com as chinesas (que nós portugueses sabemos bem como somos, mal possamos fisgá-la metemo-nos em encrencas...)
Estou agora a ver na TV a tenista de mesa de Singapura a dar uma boa tareia à tenista chinesa. Bem-feita.
Hoje, após a vitória de Nelson Évora, enchi-me de grande desilusão. De facto, o meu favorito não era o Nelson, era sim o representante da Grã-Bretanha, o Phillips Idowu, a quem eu chamo de Filipe Idoú com carinho, por ser um tipo que me parece muito bem disposto e porque lá segui um pouco a carreira dele nos últimos mundiais. Mas ainda bem para o Nelson.
A vitória foi dele. E a vitória foi proporcionada por nós, claro. E ele já a retribuiu, com a bandeira no mastro e a cantilena sobre os canhões e as armas. O que parece difícil compreender é que, para ele lá estar, é porque já retribuiu essa mesma generosidade vezes sem conta. Nelson vive em prol do atletismo, porque assim o escolheu. Ele tem muitas despesas com isso, ele perde muitas oportunidades na sua vida social para conseguir isso. E é isso que nos distingue a nós, ocidentais, deles, os autoritários, os ditatoriais, os fanáticos. Ninguém nos ensina a entregarmo-nos por uma causa, nós assim o escolhemos. Porque somos livres.
O que distingue Phelps dos atletas chineses de ginástica é que Phelps começou a treinar na escola, porque gostava de natação. Eles (os atletas da China) começaram na infantil, porque conseguiam contorcer-se de uma forma muito própria e a qual os funcionários do estado atentaram com especial cuidado.
Não temos nada a pedir em troca aos nossos atletas, muito pelo contrário. Proporcionar-lhes os Jogos é a única forma que temos de lhes pagar uma vida em prol da nobre prática do desporto, em nome de um país que normalmente só reconhece os seus heróis quando eles já têm o epíteto de Falecidos.
Se eles não querem Jogar é uma decisão própria. Se eles não vêm razão para o fazer, se eles não encontram condições de o fazer, é uma decisão que está muito para além da capacidade legislativa do Parlamento, do Estado, do Povo, e até daquele ser Todo Poderoso que Tudo sabe e Tudo conhece, o Moita Flores. Por alguma razão esses atletas são seleccionados.
São os melhores, e nós devemos-lhes os Jogos.

PS: Singapura perdeu este último set, raios.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Jogos Olímpicos

1. Desta vez não se fala da China ter sido o país escolhido para organizar os JO, nem sobre a cerimónia de abertura chinesa, nem, sequer, sobre os JO como um possível marco da afirmação daquele Estado (dois sistemas) como actor central na sociedade internacional. Não, desta vez a China é quase lateral, apenas o local onde decorrem as provas destes JO. No fundo, falam-se dos JO como devem ser tratados: um acontecimento desportivo, onde homens e mulheres lutam pelo melhor resultado possível. E, dentro desse pequeno mundo, dos nossos pequenos heróis que para lá partiram de louros ostentando.

2. É fácil demoniza-los; é fácil dizer que são todos falhados (excepto a Vanessa!), é fácil, ainda mais fácil, culpabiliza-los. Mas, como sabemos, e como alguém em tempos o disse, se a vitória tem muitos pais, a derrota é órfã. De facto assim o é: obtivessem os nossos atletas excelentes resultados e os mesmos dever-se-iam aos 15 milhões de euros do governo (magnífico incentivo), ao Comité Olímpico (soberbo profissionalismo), ao distinto trabalho das Federações (que evolução recente!) e, last and obviously the least, a um pequeno contributo dos portugas. Mas a história assim não foi, e logo foram estes que falharam, que desperdiçaram fundos públicos, mais não sendo que ingratos, preguiçosos e doentes que não honram a bandeira.

Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Mesmo num país de navegadores que sente esse forte apelo do Atlântico…

3. Por cá fazemos as nossas abluções. Atribuímos uma bolsa, limpámos um pecado; atribuímos um subsídio, outro pecado está limpo; pomos umas bandeirinhas à janela e, oh, que mais apoio poderiam aqueles querer? (mais um pecadinho desaparecido). Santificamo-nos, idealizamo-nos, imunizamo-nos a qualquer imputação de um falhanço e, sim, lavamos as mãos como Pilatos. Seja como for, a culpa não é nossa, nunca será nossa.

4. Mas a vida não é tão idílica. Não estamos imunes ao pecado da vaidade. Nem ao da avareza. Nem ao da gula. Afinal, queremos colher o fruto da árvore não plantada… Almoçar esperanças e sonhos não enche o papo.

5. É triste que um atleta para receber um bolsa de 1200 euros tenha de ser um dos três melhores do mundo (uma ninharia, de resto); é triste que Obikwelu tenha de treinar em Espanha; é triste que a pista que recebeu os mundiais de pista coberta de atletismo no Pavilhão Atlântico tenha estado anos guardada num armazém (não sei se ainda estará) apesar da carestia de equipamentos desportivos; é triste ouvir, há cerca de quatro anos, um atleta a dizer que tinha de treinar de sapatilhas rotas (?); é triste, continua a ser muito triste (daria um bom fado), que não haja estruturas para os atletas de natação poderem alcançar um nível mundial. Ah, e é triste que a Naide Gomes não possa falhar, que tenha sido uma desilusão o quarto lugar de Gustavo Lima, que a ninguém anime o sétimo de Ana Hormigo no judo,…

6. Acontece que o desporto, hoje, é de alta competição. Se queremos medalhas, não bastam condições razoáveis, boas ou boazinhas. Só a excelência serve. Nos atletas, nos treinadores, nos directores, nos titulares dos órgãos políticos.

7. Parece que continuamos a querer um D. Sebastião. Pode é chamar-se Nelson, ou Telma, ou Vanessa, ou Naide, ou Francis. Tem é de surgir miraculosamente, ser alheio ao nosso trabalho e garantir-nos mais uns segundos de alheamento. Não é que venha do nevoeiro, mas ouvi dizer que Pequim tem uma cortina de fumo e também serve…

8. Alguns serão certamente preguiçosos, outros incompetentes. Não o nego. Apenas afirmo que, se assim o for, mais não é do que o reflexo do nosso sistema desportivo. Ninguém nasce atleta nem campeão; todos são introduzidos e moldados na prática desportiva por terceiros. E, simplesmente, uma águia num galinheiro, ainda que o queira, não voará.

Remissão

Simplesmente não resisto: novamente remissão para um post de Rui Bebiano que vale a pena ler. Fica o início.
"Praga - Luz e sombras"
"Nos 40 anos do fim da Primavera de Praga
Originalmente em Caminhos da Memória
Allegro vivace. Conta Mark Kurlansky que em Julho e Agosto de 1968 muitos jovens europeus, tanto do leste como do ocidente, e alguns americanos também, fizeram as malas para irem até Praga ver em que consistia esse novo tipo de liberdade a que os checos chamavam «socialismo de rosto humano». As muralhas enegrecidas da cidade cobriam-se então de graffiti em diversas línguas. Os exíguos sete mil quartos de hotel disponíveis estavam permanentemente ocupados. Era difícil encontrar uma mesa livre nos restaurantes e quase impossível vislumbrar um táxi que não estivesse ocupado. O New York Times escrevia no princípio de Agosto: «Para aqueles que têm menos de trinta anos, Praga parece ser o sítio onde vale a pena estar neste verão». Na rua, um ambiente inusitado de ruído, alegria, companheirismo e descoberta. Nos jornais, na rádio, nas praças, nos cafés e nas sedes do próprio PC, os debates pareciam infindáveis. Vaclav Havel contará mais tarde que o actor Jan Triska, seu amigo, dizia então, no meio do entusiasmo geral, que aquele era um verão «lindo demais para acabar bem»."
http://aterceiranoite.wordpress.com/2008/08/20/praga-luz-e-sombras/

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Mãe Rússia.

Rui Bebiano tem um excelente blogue: a terceira noite. Num post do dia de hoje, aludia a três revistas especializadas. A ver o que refere sobre uma delas:
"Para fechar, o bimensário Manière de Voir, editado pelo Le Monde Diplomatique, preocupa-se na edição de Agosto-Setembro com De Lénine à Poutine: Un siècle russe. Esta será, sem dúvida, a mais controversa das três publicações. Por ser a única que oferece textos centrados num tema cujas ondas de choque permanecem, tanto ao nível das representações de um passado recente como no que diz respeito aos contornos do mundo contemporâneo, plenamente activas. Estes distribuem-se por três partes organizadas cronologicamente: a primeira vai da Revolução de Outubro à resistência perante os nazis, a segunda parte da Guerra Fria e fecha com o aparecimento da perestroika, e a última ocupa-se do tempo preenchido com as presidências de Yeltsin e de Putin. É na primeira parte, centrada nos fundamentos do regime soviético e na perversão do Gulag, que se torna possível detectar os textos mais polémicos. Mas os mais perturbantes são aqueles que revelam a Rússia actual como um território que se mantém perigosamente inflamável."(http://aterceiranoite.wordpress.com/2008/08/18/tres-revistas/)

Admiro o encanto que a Rússia espalha por aí; talvez seja encanto de mãe, que faz com que o filho tudo perdoe com um enigmático sorriso de gratidão por tudo o que lhe foi dado.
E aí, sim, o filho será advogado do diabo (rectius, da mãe), dirá que não houve gulags, ou que os gulags não eram tão maus assim, ou que sempre houve muito pior!, que a URSS não colapsou, mutou-se, que a Rússia é um último baluarte de contrapeso ao poderio norte americano e que, sem ela, ai, sem ela o mundo era uma selva de coca colas e mcdonalds. Como filho temente à mãe, não faz queixinhas para fora, não afirma que afinal na Rússia continuam a haver animais mais iguais do que outros, ou que a democracia não está bem bem bem realizada. E que, se calhar, também no país da mamã o dinheiro é metal perseguido, e alguns papalvos não hesitam em ganhar uns trocos à custa da miséria alheia. Como que no capitalismo selvagem. Coisas esquisitas que o filhote até pensa e não diz.

É tao belo o amor à mae.

domingo, 17 de agosto de 2008

Nas palavras de ...

Benjamin Franklim:


A democracia são dois lobos e um cordeiro a votarem sobre o que vão almoçar. A liberdade é um cordeiro bem armado a contestar o voto.

um país, dois sistemas. uma cerimónia, duas crianças?

Não vi a abertura dos Jogos Olímpicos – não aprecio a propaganda das ditaduras. Um amigo comentou-me avisadamente: “Em escravatura até é possível fazer pirâmides à força de braços.”
Quem viu recorda uma menina que cantou divinamente. Agora soube-se que o regime ignóbil que oprime a China esteve à altura dos seus pergaminhos: a menina das imagens, Lin, não era a que cantava – esta, Yang, foi afastada dos olhos do público porque a julgaram feia. A menina de sete anos viu uma outra de nove substituí-la e enternecer o público com uma voz roubada em nome do “interesse nacional”.
Os dirigentes chineses não percebem que os anjos nunca são feios. Mas o resto das pessoas já deveria saber que as ditaduras, essas sim, são sempre horripilantes.

Por Carlos Abreu Amorim, in Blasfémias.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Jogos Olímpicos

Mais uma vez, em tempo de JO, escrevo sobre os mesmos. Há quem os veja como uma panaceia das virtudes humanas. Seriam a afirmação dos direitos humanos acima do jogo das nações polidas e civilizadas. E, assim, seria uma vergonha a China acolhê-los, estar-se-ia a dar uma forte machadada nesse belo ideal de há tanto, tanto tempo. Depois, no final dos jogos, cantam os avanços verificados e tapam os olhos a tudo aquilo que se manteve igual. O que releva, o que acima de tudo releva, é manter incólume essa ideia de olimpismo.

Não se peça aos JO aquilo que eles não são. Parece-me que acima de tudo são uma celebração do desporto. E o desporto, esse sim, é que glorifica o homem, é que premeia o esforço. Tem gestos de bondade e gestos de depravação. Tem momentos de emoção e momentos atrozes. Permite que uma russa e uma georgiana se abracem em pleno pódio) que atletas furem boicotes dos seus países para competirem que (a meu ver o melhor exemplo) um atleta alemão em berlim 36 indique a um saltador americano negro que faça a chamada do salto em comprimento uma pegada à frente. E, como o resultado, perca o concurso, quando na altura da dita indicação liderava (acabou por morrer na II GM, na frente russa).

Os JO são um competição desportiva. E como competição desportiva laudam o trabalho de equipa (até o atleta individual tem uma vasta equipa por trás), a igualdade (não vitórias à partida), a superação individual. Mas também são um jogo de força entre as nações (que nos JO não há estados mas nações), uma ávida e sôfrega luta por medalhas.

São, afinal, um reflexo da natureza humana.

Podemos fazer dos jogos o que eles não são e recusar, se ainda fosse possível, que a China os recebesse. Depois reescreveriamos a história e faríamos com que Berlim e Moscovo nunca os tivessem recebido. Depois ainda afastaríamos atletas de mau génio, brutos, violentos, selvagens, bandidos. Por fim os mal educados.

E com isto se perderia o verdadeiro sentido do evento: O tributo ao desporto e ao homem - multímodo, complexo e, redundantemente, humano.

discrepancias de tons

Abençoado instituto o do direito de resposta, previsto no 37/4 da nossa Constituição. Tem a valia de me retirar constrangimentos morais por ocupar este espaço a replicar o que devia ser feito numa caixa de comentários. Juridicamente será um tu quoque: se da mesma não te serviste, da mesma não me servirei. E o citado número 4 do artigo 37º prevê condições de igualdade e eficácia para o exercício do dito direito.
Cá vai a minha réplica.
Os factos. Elementar, meu caro Manel, elementar.
1. “O Tiago analisa o eterno confronto sofista/filósofo já vindo da Grécia Antiga”, disseste. Aconselho-te a ler o texto. Não é sobre isso. É sobre díptico palavra/ mensagem que, por seu turno, se cruza com o de sofista/ filósofo. É de facto uma excelente temática, mas não a que escolhi.
2. “ele vê uma profanação do seu ideal filosófico, da sua estoicidade de discurso”. Não, não vejo isso. Tu, sim, vês-me a ver isso. Quando usas um tom agressivo serves-te de recursos de que não me serviria. Não que profanes coisa alguma; limito-me a não me identificar com os mesmos. Creio que tem as suas valias – já as referi – e não as troco por tuta e meia de espectáculo.
3. “De facto, a beleza do argumento, para o Tiago, ficará prendida ao uso de uma mensagem sublime e racional”. Onde é que disse isto?
4. “A falácia, segundo o Tiago, nascerá da má compreensão de um texto, do desvio da sua original mensagem, pelo uso do tom” Também não disse isto.
5. “Não, Tiago, não posso concordar contigo. Mais do que o tom, o Conteúdo da Palavra é o verdadeiro e nuclear elemento” Teria o maior prazer que lesses a caixa de comentários do post. Na poesia, o conteúdo da palavra é o nuclear elemento? Ou é a própria palavra que alcança primazia?
6. “Mas o tom, isso, nunca será um preceito da mensagem. É algo dependente da aceitação dos receptores, e a eles cabe avaliar”. As palavras são signos que remetem para significantes; há signos que não são inequívocos (até porque as palavras são signos convencionais), podendo gerar dúvida. Nesse sentido o tom influencia a mensagem, na medida em que pode levar o destinatário a representar diferentes significantes. Teoria da linguagem, pois então.
A parra
Manel, preludiando o teu tão caro post, disseste que me lançavas um desafio. Depois de o ler, perguntei-me: que desafio? De debater exactamente o quê?
Não percebeste a mensagem a que quis chegar no meu post e, pior, não procuraste melhor perceber, e pior ainda, imputaste-me um discurso que não fiz. É fácil, muito fácil. Enfim, discorreste um pouco sobre tudo e nada, sobre uma suposta temática que eu havia escolhido.
Parabenizo-te, no entanto, pelo fabuloso exercício criativo. Não há muitos que consigam escrever tanto com suporte tão pouco, imputando a terceiros um discurso que não foi pronunciado. E com tanta convicção, com tanta confiança.
Agora concluo que talvez tenha sido o desafio de descobrir, mais uma vez, que "a democracia é uma sensação de barulho".
A uva
De todo o modo, sempre que estiveres pronto a debater, cá estou. Observa mas é o ónus de conhecer o texto.

discrepâncias de tons: a palavra e a condenação falaciosa

Após ler o texto do Tiago ocorreu-me pôr uma resposta pequena na caixa de comentários suficientemente simples para me desmarcar de qualquer crítica negativa feita à minha Augusta Personagem. De facto, meu caro Tiago, pensava escrever-te algo assim:

"manuel disse:
tns razão Tiago, ms cmpreendst-me mal páh. eu cncrdo total/ cntg."

No entanto, o Tiago não merece isto. Não merece, ponto final. Acordar, viver a sua sexta-feira, abrir o blogue para descobrir isto, é horrível. De facto Tiago, mantenho esta discussão por duas razões. Discordo contigo pela totalidade do teu texto por o achar amputado, e discordo contigo porque acho que mereces esta prova de respeito, este desafio lançado, a de protegeres a tua palavra pela nobre arte do debate.

E assim começo o meu verdadeiro texto. O Tiago analisa o eterno confronto sofista/filósofo já vindo da Grécia Antiga. Todo o seu texto está ligado, por isso, a uma confrontação dualista entre Mensagem e Palavra. Assim, quando o meu texto provoca ou assume um tom agressivo (por muito que eu me defenda desta acusação injusta, o que provarei de imediato) ele vê uma profanação do seu ideal filosófico, da sua estoicidade de discurso. De facto, a beleza do argumento, para o Tiago, ficará prendida ao uso de uma mensagem sublime e racional, e o uso da palavra será portanto algo usado para o bem da transmição da mensagem, e deverá adaptar-se para os usos da mesma. Daí a menção de um político que falasse permanentemente para as massas.
Assim, estas duas características, a Mensagem e a Palavra, havendo uma submetida a outra, aliadas nesta ordem preconizada pelo meu amigo Tiago, tornam-se benéficas, cordiais, civilizadas, afastadas da ofensa. Sim, a ofensa. Essa ofensa que o Tiago viu no meu texto, que ele sabe não existir. E porquê? Porque ele mesmo usou da expressão "a raiar a ofensa".
Pois bem Tiago, eu venho mostrar-te que, se a Palavra é uma arma, a Mensagem é a assassina. Quantas vezes assim aconteceu? Contam-se inúmeras. Quantas vezes os sofistas raiaram a perfeição filosófica da verdade, e os filósofos raiaram a sociopatia de um homicida? Contam-se inúmeras. Factos, meu caro Watson, factos.
O que é que então separa Aristóteles de Alcibíades? A Mensagem versus a Palavra? Só?
Isso torna, claro, o meu texto ofensivo.
Eu apresento ao Tiago, agora mesmo, um terceiro elemento. Esse elemento é a Falácia. A falácia, segundo o Tiago, nascerá da má compreensão de um texto, do desvio da sua original mensagem, pelo uso do tom. A falácia está, no entanto, imiscuída já no silogismo realizado no texto do autor.
É a falácia que torna um homem capaz de agir de forma idiota, ou embaraçosa. A falácia envolve um erro logo à partida. De facto um argumento falacioso nunca se mantém. É que a falácia é como a mentira, volta atrás e pontapeia o autor nas impudezas.
E ser idiota não é coisa má. Ser idiota, palavra grega de origem, quer só dizer "alheio às opiniões/ideias dos outros".
Portanto, em que é que a falácia influencia verdadeiramente o discurso, tornando-a parte desta Santa Trindade do Debate, o Pai Mensagem, o Filho Palavra, e o Espírito Falácia?
Veremos um exemplo de falácia informal:
"CZAr Putin... Manel vai dormir.. um monarquico a falar assim...!!" esta relíquia, que está na caixa de comentários do meu prévio texto, contém duas falácias. Uma, a "ad hominem", consiste num ataque pessoal, numa impossibilitação da defesa de uma posição pela desacreditação da pessoa que rejeita a conclusão adversária. Isto, e sei que o Tiago vai concordar, é uma falácia.
É óbvio que, como todas as falácias, é uma prova do alheamento que o Homem mostra das opiniões/ideias de um outro. Isto acontece, claro, naturalmente em todos os homens e é imprevisível. Por muita filosofia que estudemos, tanto eu como o Tiago estamos igualmente sujeitos a ela. Eu usei-a, mais que uma vez e culpo-me por isso, com o Francisco Noronha, por exemplo.
Vês agora, Tiago, como a Palavra e a Mensagem não estão sozinhas? Precisam do Silogismo! Para limpar a Falácia! Esta é a minha Trindade da argumentação. Porque retirar a ideia da Mensagem é impossível sem a Palavra, retirar interesse da palavra sem uma Mensagem é impossível sem o retórica, por muito pequena que seja, mas o que distingue a capacidade de um homem de intelecto livre de um escravo é a de se afastar das falácias de argumentação.
Outro erro de argumentação, eu não diria bem falácia, mas é, de certa maneira, é a indução desta mesma frase: "CZAr Putin... Manel vai dormir.. um monarquico a falar assim...!!" Assim, esta escolha de palavras indica que eu defendo o Czarismo russo por ser um Monárquico português. Assim, no seguimento desta indução (que é desde já um seguimento falacioso, mas já que nos enterramos no pântano do alheamento, vamos em frente) Fernando Pessoa era Czarista, Agostinho da Silva adoraria Putin, o próprio arquitecto Ribeiro Telles, do alto do seu ambientalismo, daria tudo por uma tacadas de golfe com o líder dos eslavos do norte. Mesmo odiando aquele bom senhor o golfe.
Como tu vês, Tiago, isto é intolerável. Ou seria, não fosse a intolerância outra falácia.
Outro erro, outro argumento informal, é a má leitura, ou a interpretação falaciosa. De facto, eu nunca disse que o Duarte Canotilho era comunista. Nem tu Tiago, eu sei. Mas aqui vai: "Felizmente k o manel n me conhece... caso contrario podia continuar a dizer falacias sobre as minhas concepçoes de sociedade!!!" temos aqui, felizmente, já uma menção à falácia. Ora bem, analisemos o raciocínio:
O Manuel comparou o meu sentimento de inferioridade ao dos comunistas.
As comparações são todas generalizadas.
:. O Manuel disse que eu sou comunista.
Este silogismo tem uns quantos erros de premissas maiores e menores que me cansa dizer. O próprio silogismo está horrivelmente mal feito, mas servia apenas para dar seguimento à ideia.
Outra falácia(e perdoem-me os leitores se me torno enfadonho, é tudo culpa do peso da minha coroa, oferecida pelo meu amigo Putin, que já me ofereceu um principado em Tonguska) é a da generalização. Até diria que é um falso dilema. De facto, o Tiago, aparentemente um pró-USA (não deves ter mais nada que fazer, caro Tiago, sem ser tornar-te pró de uma potência mundial muito necessitada de miminhos dos seus paladinos, ao que parece), apoiou, como a administração Bush, a intervenção na política interna iraquiana. Logo, tem de concordar com a invasão da Geórgia. És obrigado a isso Tiago, senão eu terei de me responsabilizar por ir até tua casa e cortar-te a barba. Com uma Gillette das velhinhas!
Voltando então ao teu texto.
Não, Tiago, não posso concordar contigo. Mais do que o tom, o Conteúdo da Palavra é o verdadeiro e nuclear elemento. Terás que deixar o tom da Palavra de acordo com a personalidade do orador. Terás de contrapor com o teu arcaboiço moral, isto dito sem sarcasmo, e eu peço-te que, como colega, como amigo, o uses comigo se eu te ofender quando usar ou um tom indigno para contigo, ou que use argumentos obviamente falaciosos. Mas o tom, isso, nunca será um preceito da mensagem. É algo dependente da aceitação dos receptores, e a eles cabe avaliar. Será a veracidade do Silogismo o grande objectivo de uma Sociedade de Debates. Tudo o resto é vão ou nublado. Deixem aos ouvidos a liberdade de ouvir os berros e gritaria que quiserem, se eles se cansarem dessa venda de feira, é tudo aprendizagem.

Para acrescentar, um argumento que eu não consigo identificar ou como falácia ou como despotismo.
"Para n dizerem k eu sou incoerente nas minhas posiçoes.. eu acho k se um genocido estivesse a ser feito no mexico.. condenaria a russia por se meter la.. tal como condeno os Eua por se estar a meter na zona de inflencia da russia!!!!!!!"
isto escrito pelo Duarte.
Caro Duarte. Se um genocídio estivesse a acontecer no México, eu queria que a Rússia se metesse. E Portugal também. E Espanha. E o Zaire. E o Ruanda. E o Reino da Jordânia, que por ser uma Monarquia, de certo iria atrás de Putin.
E o que é uma zona de influência? A República de Nações (sim, eu a falar de República, HERESIA!) que Kant preconizou é assim tão irrealizável? Estaremos assim submetidos a isso? Grandes países com áreas de influência?
Deixa-me adivinhar... Por os EUA terem áreas de influência, a Rússia também deve ter?

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Palavras

Motivado por um comentário ao post anterior, o texto extravasa em muito tais limitações. Procura ser mais abrangente e abordar a relação entre a palavra e a mensagem.

1. São íntimas as relações entre a palavra usada e a mensagem querida. São tais que o mesmo sujeito, com o desiderato de veicular o mesmo conteúdo, pode levar a diferentes atribuições de significado ao seu discurso se servido de diferentes palavras.
2. No entanto, seria incauto se procurasse afirmar a primazia de uma sobre a outra. Cada uma vive no seu domínio próprio, embora com uma relação umbilical. O Homem a ambas presta vassalagem. Por um lado, à palavra, honrando a literatura (que arte será essa que não a de bem usar a palavra?). Por outro, às “grandes ideias”: políticas, filosóficas, estéticas. Não viverão as mesmas independentemente de serem excepcionalmente bem comunicadas?
3. Assim, numa comunicação podem existir boas ideias e más palavras, más ideias e más palavras, más ideias e boas palavras e boas ideias e boas palavras. Tudo isto parece um jogo semântico, mas não o é.
4. O verdadeiro demagogo tem más ideias e boas palavras. O eloquente filósofo terá boas ideias e boas palavras. O sábio que não tem voz tem boas ideias e más palavras. Por fim, o ignorante que apenas arranha uma ou outra frase tem más ideias e más palavras.
5. De modo que o desafio ao destinatário acaba por ser separar a ideia da mensagem. Destrinçar entre o que é dito e o modo como é dito. Só dessa forma fica vacinado contra o eloquentíssimo demagogo; só assim consegue conhecer a ideia do mais frágil dos oradores, para podê-la debater de seguida.
6. Não se pense que é fácil distinguir. É perfeitamente possível sair de um bom filme com vontade de mudar o mundo, ou com uma diferente visão da realidade. Até que melhor se reflecte. Tal, tão-somente, porque a palavra (evidentemente que estou agora a usar palavra metaforicamente, como sinónimo de comportamento comunicativo) é bem usada, independentemente da mensagem. Foi, aliás, o que aconteceu na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos: o espectáculo a vender uma ideia que o espectador só depois vem a lembra-se não ser certa.
7. Com isto se chega ao que queria. O Manel afirmou que gostava de ter um discurso provocante, depois de, por meu lado, ter afirmado que com o mesmo não identificava de todo. Cá vão as razões que me levam a fazê-lo.
8. O discurso dialógico tem, por natureza, um destinatário. Nesse sentido, o autor poderá adaptá-lo de acordo com o destinatário ou, por outro lado, não o fazer. Assim, seria desajustado o professor de Física falar em termos técnicos com os alunos da primeira classe ou, inversamente, o aluno tratar o emérito professor como se de um colega de escola se tratasse. Com isto se conclui que o discurso pode e (a meu ver) deve ser pronunciado de diferente modo consoante a situação (imagine-se um político que constantemente dialogava “a discursar para as massas”. No mínimo, seria caricato.)
9. Por tal tenho para comigo que o discurso que procura debater ideias num ambiente de cordialidade e (diria mais, não obstante as críticas que possam ser dirigidas) civilidade não deve ser emitido a raiar a ofensa. Pelo simples motivo de que pode levar o leitor a não debater a mensagem, ou a tomar a mensagem pela palavra (chocado pela palavra, ataca o autor do texto, esquecendo-se de avaliar a bondade da mensagem). Assim, quando o autor aborda a temática de pinça e bisturi, cheio de cuidado para não cortar um pouco ao lado, não está a dar menos de si ou a menos sentir a questão. Penso, até, que na maior parte das vezes procura deixar a sua ideia bem clara, sem dar margem para interpretações dúbias do discurso (para que não seja rotulado; não que haja mal em sê-lo, há é quando o leitor, sabendo o autor “comunista” ou “imperialista” ou “pró-globalização”, já não se foca na ideia mas apenas em atacá-lo com tais chavões).
10. Assim se dirá que não tenho nada contra discursos inflamados e cheios de alma; procuro sempre focar-me na ideia, não na mensagem, se bem que me deleite com um texto bem escrito (ou uma palavra eloquentemente pronunciada). Simplesmente, não posso tomar minhas palavras num tom em que me não revejo.
11. Sem dúvida que há aqui uma forte diferença entre alunos do 1º e 2º ano. Diria mais: há uma enorme diferença entre os diferentes oradores/ escritores/ autores, sempre pelo propósito de melhor comunicar. A arte da palavra, portanto.