sábado, 24 de janeiro de 2009

Estado da Educação em Portugal

Há já mais de um mês fui contacto por um elemento do secretariado da Juventude Popular do Porto para escrever um texto sobre o estado da educação em Portugal, para publicação no jornal da referida organização. Mesmo não tendo nenhum conhecimento especial na matéria e apesar das limitações de tempo livre e de espaço disponibilizado no jornal, aceitei o convite e daí surgiu o texto que passo (re*)publico aqui. 


Não posso é deixar de fazer a seguinte ressalva, um pouco ao estilo do actual Governador do Banco de Portugal: mantendo-se o essencial do texto hoje escrevê-lo-ia com nuances um pouco diferentes, tendo recentemente angariado razões para ser mais pessimista relativamente à bondade de certas políticas e aos seus efeitos no futuro.

"Muito se tem falado sobre Educação, mas muito pouco tem sido dito. Dos Magalhães ao RJIES passando por greves e manifestações a vertigem da actualidade tem evitado um debate cuidado sobre o tema, que se tem limitado ao trabalho, admirável aliás, do Conselho Nacional de Educação e a pouco mais.

Dependemos – mais do que como sociedade, como espécie – da nossa capacidade para educar, ou seja para transmitir valores, cultura e conhecimentos, para despertar vocações, para dar a todos instrumentos que permitam o diálogo, facilitem a criação de laços e a integração social, que permitam a sublimação individual através da arte e do desporto e que promovam a realização intelectual, espiritual, física, emocional e social do indivíduo, tornando-o num motor para o desenvolvimento sustentável da humanidade. Educar é tudo isso e portanto é impossível sobrevalorizar a importância da educação, numa espécie em que cada novo ser traz pouco mais que um hardware rudimentar e o MS-DOS instalado.

O desafio que me foi lançado foi escrever sobre o estado da educação em Portugal. Creio que mais do que diagnosticar é preciso saber como tratar. Pelo receituário perceberão facilmente de que doenças julgo padecer o nosso sistema de transmissão intergeracional de humanidade aka a nossa educação. Cada parágrafo precisaria de algumas páginas para ser explicado – contingências de espaço o impedem que o faça – podorei fazê-lo mais tarde.

A educação é o principal catalisador da igualdade e da coesão social. Nunca uma sociedade dará iguais oportunidades aos seus cidadãos se não se eliminar toda e qualquer barreira no acesso à educação: a começar no pré-escolar e a acabar no superior.

A educação pré-escolar é essencial para a promoção da natalidade e para o combate ao insucesso escolar. Há famílias que infelizmente não têm condições para criar um ambiente favorável ao desenvolvimento dos seus filhos e aos seis anos é já tarde demais para lhes lançar uma mão para fora de algumas realidades adversas.

No actual paradigma recorremos sobretudo à escola como fornecedora de educação e ao ensino de conhecimentos como o seu principal vector, mas esta tarefa tem de ser encarada como um encargo colectivo de toda a comunidade. A predisposição de todos a aprender com todos e a ensinar todos é algo que tem de ser cultivado sem preconceitos.

Sem educação para a cidadania corremos o risco de asfixiar a nossa democracia. O ensino da História e do Direito é importante, mas também o é o papel das instituições, nomeadamente as políticas e administrativas e da comunidade em geral na valorização dos projectos dos alunos. Fazer para os outros é algo que se aprende fazendo, e ou se aprende cedo ou não se aprende.

Escolas demasiado pequenas não conseguem cumprir o seu papel e são um esforço inglório para os cofres do Estado. É no entanto preciso resolver os problemas, nomeadamente de transportes, que o fecho de escolas cria.

Não há nada de patologicamente errado com o ensino público. As escolas, universidades e politécnicos são tão boas quanto os alunos e professores que têm. Bons alunos chamam bons professores e estes alunos, o que se vê por alguns bons exemplos.

Ser professor é uma vocação e os professores são pessoas apaixonadas que fazem melhor, trabalham melhor e se sentem melhor quando chamadas a fazer o que gostam com a liberdade que merecem e de que precisam. Não há computador que substitua um professor.

A bur(r)ocracia afasta os melhores, suga-lhes o tempo, a energia, a motivação. Podem pedir a um professor que ature alunos maleducados, colegas sem vida intelectual, manuais absurdos e programas autistas, mas há limites para a crueldade.

Precisamos de ser mais exigentes, mas ter uma avaliação mais compreensiva das realidades, quer quando avaliamos alunos, quer quando avaliamos professores.

O ensino obrigatório deverá passar para doze anos, mas devem ser dadas condições às escolas para que isso aconteça.

O ensino secundário deve ocupar-se com a exploração das vocações sejam elas de carácter mais teórico, mais técnico, mais prático ou mais artístico.

Defendo exames nacionais exigentes com resultados reais na avaliação dos alunos, ao longo de todo o ensino básico e secundário.

O ensino das tecnologias é importante mas não pode ser o sustentáculo de uma política educativa.

A Universidade é um pilar essencial para a promoção da igualdade de oportunidades e para o crescimento económico. Defendo uma Universidade de alunos e professores, com autonomia científica, administrativa e pedagógica, em paridade nos órgãos executivos e pedagógicos, sem propinas e forte na acção social, com interesse genuíno na mobilidade, em que se dá espaço aos estudantes e professores para a investigação. Uma Universidade orgulhosa das suas tradições e disponível para os alunos.

A Universidade e o Politécnico têm cumprir o seu papel sem complexos de inferioridade, nem obsessões pela prática. O ensino universitário não deve ter complexos em ter cursos com dez alunos por ano, o politécnico tem de crescer para acabar a falta de formação dos nossos quadros técnicos.

Acredito numa Universidade organizada com base na participação de professores e alunos e sem ditaduras dos órgãos executivos. As funções executivas são instrumentais ao que de mais importante se passa ali: a produção e transmissão de valores, ideias e conhecimentos.

A empregabilidade dos licenciados não resulta de um excesso de licenciados mas de uma necessidade de reconversão da economia portuguesa adiada pela escassez de capitais, por crises sucessivas e por alguma miopia de licenciados e empresários, que muito longe não se conseguem ver. O aumento da dimensão dos agentes económicos numa economia global também não ajuda a entrada de novos concorrentes e limita a flexibilidade do mercado e sua capacidade de superação de crises.

A formação contínua é essencial num mundo em mudança. Devido às suas particularidades ela é sobretudo da responsabilidade do indivíduo, mas deve ser apoiada pelos empregadores e pelo Estado. A formação contínua de professores obrigatória seria ainda melhor se fosse levada mais sério por formandos e por formadores.

Nem só na escola se aprende. Devemos deixar de ter complexos elitistas e valorizar a aprendizagem ao longo da vida. O Novas Oportunidades é uma boa ideia, mas tem de ser levado mais a sério por todos os envolvidos.

A qualidade do sistema de ensino, que para mim se mede (também) pela qualidade humana dos indivíduos, tem se ser objectivo dos dirigentes políticos. Poupar dinheiro e mostrar bons números nos organismos internacionais não podem ser objectivos últimos. Não pode estar aí o enfoque.

Pela primeira vez em muitos anos julgo que existe um plano para a Educação em Portugal. Pode tomar alguns atalhos perigosos, pode confundir o essencial com o acessório e parece ignorar alguns baixios, mas já tem a virtude de existir, de querer chegar a algum lado. Não é a rota que defendo, mas é melhor que andar à deriva e estou certo que, não existindo apenas um bom caminho, com bons ventos e boas marés haveremos de chegar a bom porto."


*Acabei por não saber depois se o texto foi ou não publicado, uma vez que não voltei a ser contacto e não tenho por hábito receber em casa jornais de estruturas partidárias com as quais não me identifico.

1 comentário:

Vasco PS disse...

O estado da educação em Portugal é de tal maneira complexo que, de momento, quase todos os portugueses poderiam dedicar-se ao estudo do caso. Este governo, de uma maneira ou de outra, continua a hipotecar o futuro do país. Não há sociedade que resista a tamanha teimosia. Até agora, 90% das acções têm consistido em maus ventos e más marés...não há terra à vista no horizonte educativo. Pelo menos, para já.

Gostei do texto, Ary.

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