Pelo menos no seio da comunidade blogosférica este não é um post original. Nem o pretende ser. Já o Ari dizia o ano passado, a propósito da discussão dos estatutos da AEFDUP, que há certas coisas que têm de ser repetidas. E se assim o é na mera repetição de artigos do Código Civil que está hoje vigente, muito mais o será a recuperar ideias antigas, porém, não ultrapassadas, de autores que já não estão, em corpo, entre nós.
Como dizia, não é um post original. Não o é porque o Noronha já dele tinha falado. Aliás, não fosse ele, que mo emprestou, e proventura não teria lido o livro, ficando apenas como uma "sugestão" para algo a um dia vir a ler.
Na altura, para quem ler o post, foram poucas as palavras do Noronha sobre a obra. Poucas, no entanto muito bem condensadas na parte final: "é de facto uma obra assustadoramente inteligente em todo o seu corpo. E, compreensivelmente ou não, como aborda o próprio Ortega, profética."
Creio, desde já, que este é um livro fantástico para quem estude direito. Desde logo porque o autor problematiza. Tomando a realidade por objecto, procura explicar a própria organização da sociedade do seu tempo. Todavia, não o faz com recurso a instrumentos anacrónicos, mas sim, e isso é fundamental, perspectivando a sociedade do primeiro quartel do século XX como mais uma na história do homem.
Esta noção de tempo é, toda ela, centralíssima. A história é vista não como um instrumento para ler o passado, mas sim para entender o presente e perspectivar o futuro. E sendo que, na história da humanidade, os homens cometem, as mais das vezes, um tipo semelhante de erros, surge o estudo do passado como um excelente auxiliar na garantia de que essas mesmas falhas não devem ser repetidas no futuro. Daí que se torne claro - o que qualquer pessoa que estude um pouco de história das ideias políticas já terá reparado - que certos homens consigam "prever" o futuro. Numa sociedade em que as classes dirigentes ignoram o passado, torna-se perfeitamente possível que quem cultive o conhecimento "profetize" (que, neste sentido, nada mais é do que projectar o passado no futuro) os tempos que virão - temos, a esse propósito, como exemplo já aludido neste blogue pelo Dennis, Alexis de Tocqueville.
Não me vou estender muito mais... creio ter, no entanto, mais duas coisas a dizer:
1) que este livro é um instrumento utilíssimo para compreender a sociedade de massas, desde o porquê de ter surgido ao seu modo de funcionamento e, num anexo, para compreender o direito internacional;
2) (citar umas palavras: )
"Como meio mundo sabe, o termo surgiu no final do século XIX e foi divulgado a partir da intervenção de Émile Zola e de Anatole France na polémica em torno do caso Dreyfus. Associado a uma participação cívica que distinguia aquele a quem se aplicava, afastando-o do perfil do sábio confinado à sua torre de marfim. Para Maurice Blanchot, a condição intelectual aplicava-se «a uma parte de nós mesmos que não apenas nos desvia momentaneamente de nossa tarefa mas que nos conduz ao que se faz no mundo, para julgar e apreciar o que se faz». Não existiria, portanto, a figura do intelectual que era apenas um «sábio» em tempo integral: para se transformar num intelectual, o «indivíduo culto» precisava desdobrar-se, acumular funções diversas, deixar de lado os saberes particulares, para se dedicar em full-time ao trabalho da crítica e à luta por aspirações universalizantes. Interpretando o passado e o presente visando a construção ideal do futuro. Foi neste sentido que Antonio Gramsci, entendendo que «todos os homens são intelectuais» uma vez que pensam e reflectem sobre o mundo utilizando o seu próprio conhecimento, considerou que «nem todos desempenham, na sociedade, a função de intelectuais». Estes têm então uma missão a cumprir, dando corpo, como elementos orgânicos, não só ao movimento social mas a todo um trabalho cultural que a este deve encontrar-se associado."
cito para concluir, afinal, que Ortega y Gasset é um intelectual neste sentido.
Como em toda a crítica, serei eu bem sucedido se algum de vós vier a ler o livro. Não posso dizer mais do que aludir ao brilhantismo do autor e, last but not the least, agradecer vivamente ao Noronha, sem o qual talvez nunca tivesse chegado a Ortega y Gasset.
O texto citado é da autoria de Rui Bebiano. Aqui.
2 comentários:
Que honra que me dás, pá. :)
Já agora, o caso Dreyfus, de que o Rui Bebiano fala, é muito interessante. Está num livro chamado "Acuso...", que é do tal Zola. Fica a sugestão.
Um abraço.
Como me disse um professor no fim de uma oral em que, estando muito feliz, agradeci a nota:
"a justiça não se agradece"
Da mesma forma, será ainda uma oferecer uma honraria manifestar uma consideração justissima? :)
fica o registo do livro! Abraço
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