sábado, 27 de setembro de 2008
Dia D(ois)
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Educação e violência
lágrima
domingo, 21 de setembro de 2008
sobre os bichos prestes a extinguirem-se
texto de Carlos Guimarães Pinto, n'O Insurgente.
É verdade que a falência de grandes instituições financeiras levará à perda de confiança nos mercados e um aumento dos custos de financiamento no futuro. Mas, se os factores que estiveram na origem de toda a crise do subprime foram exactamente os baixos custos de financiamento e a fraca análise de risco nos mercados financeiros, não podemos ver nesta correcção um mal em si. Antes pelo contrário, é uma prova de que os mecanismos auto-reguladores do mercado funcionam. Se a subavaliação de vários tipos de risco causou a crise, é normal que da crise resulte um aumento da percepção de risco.
O argumento de que, por via do efeito multiplicador, as perdas totais para a sociedade são muito superiores ao valor do bail-out, apesar de verdadeiro, cai no erro muito Keynesiano de ignorar que também existe um efeito multiplicador (negativo), do lado de quem financia o bail-out: os contribuintes. Por outras palavras, pese embora os efeitos da falência da AIG fossem mais visíveis, não está provado que a perda de 80bn de dólares pelos stakeholders da AIG tenha um efeito multiplicador na economia superior à perda de igual montante pelos contribuintes, financiadores do bail-out. Existe ainda a agravante de no segundo caso, quem suporta primariamente o custo sejam aqueles que não correram o risco e, portanto, não teriam obtido o retorno caso as coisas tivessem corrido bem.
Mas mais importante de tudo, há nesta posição uma violação de princípio do mercado que coloca em causa a defesa do capitalismo em si: a responsabilidade individual. Como alguma esquerda defende, não é justo que sejam privados a obter retornos quando as coisas correm bem e o público a pagar as prejuízos. Se a nacionalização da AIG é um “mal necessário”, então o melhor, e mais justo, é desde já nacionalizar todas as empresas que são demasido grandes ou importantes para falharem, mesmo, e principalmente, aqueles que obtenham lucros actualmente. E todos sabemos onde esta lógica acaba.
Anarco-capitalismo e outros bichos em vias extinção
D. Afonso II
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
Volto (2)
"A Europa deveria impulsionar uma nova arquitectura de segurança europeia com a constituição de um Conselho de Segurança Continental. Um directório em que estejam representadas todas as nações europeias e, por exemplo, com poderes para acções de paz."
"Pode-se confiar numa Rússia responsável se a tratarmos como um sócio ao mesmo nível [socio a la par]. Temos experiência, história, potencial para competir no mundo. Não dançaremos ao ritmo da música dos outros. É igual que seja jazz ou outra. A Rússia tem a sua própria música"
2. Excertos da crónica de Marek Halter, também na dita edição.
"O General de Gaulle deixou a OTAN em Março de1966 porque pensava, com razão, que a Europa devia aprender as lições da 2ªGM e defender-se por si só. Que, ainda que EUA e França compartilhassem os mesmos valores, os seus interesses nem sempre coincidiam (recordemos a guerra do Iraque). Enfim, que se a Europa queria ver a luz, uma Europa do Atlântico até aos Urais, era para poder apresentar a mil milhões de pessoas uma alternativa distinta à eleição entre o liberalismo selvagem e a planificação inflexível."
"O conflito georgiano é um conflito europeu. A Rússia, diga o que se disser, também faz parte da Europa. Pode-se conceber o nosso continente, a sua cultura, sem Tolstoy, Dostoievsky, Chégov, Tchaikovsky, Stravinsky, Kandinsky e Malévich? Ou sem os ballets russos?
O surpreendente é que alguns dos meus companheiros de luta pelos direitos humanos continuam, como os dirigentes dos países de leste, a cobrar velhas contas. Mas faz pena que, para se oporem a Moscovo, acabem no mesmo lugar que um presidente norte americano ao ponto de marchar para deixar o seu legado: um mundo em chamas e uma crise económica sem precedentes."
cita o autor Dostoievsky, que escreveu no seu Diário: "sou absolutamente igual a um inglês, não? Portanto, há que respeitar-me, porque todo o inglês é respeitável."
(peço desculpa pela pouca fluidez da tradução)
Volto
2. Que dizer? Ora, o espectáculo tem-se tornado, dia após dia, mais apelativo. A entrada de Sarah Palin apresentou-se como um rasgo que voltou a trazer emoção às eleições. De todo o modo, o que continua a urgir é uma reflexão sobre qual a possível influência quer de McCain quer de Obama nas relações Europa/ EUA e, mais importante, no papel da Europa no mundo. Foi com certo gáudio que deparei com a crónica de Vasco Graça Moura a este propósito. Infelizmente, não posso chegar às mesmas conclusões (no excerto citado), nem sequer a outras...a informação que chega é tão pouca e insuficiente que se torna deveras complicado formular juízos como os do autor referido. Houvesse mais debate e o cenário seria outro. Fica então a citação:
"Mas deve perguntar-se o que é que pode significar para a Europa a eleição de Obama. Ele acabará com os benefícios fiscais para as empresas que criem emprego fora dos Estados Unidos, isto é, bloqueará as deslocalizações americanas para a Europa e a Ásia, e procurará repatriar o investimento americano no estrangeiro. Reforçará as barreiras aduaneiras. Defenderá o proteccionismo e a guerra económica. Quererá renegociar as condições de existência da NAFTA, impedir a entrada nos Estados Unidos de produtos dos países emergentes e também dificultar a concorrência europeia.
Diferentemente, McCain, que fala de mercados estrangeiros abertos para os agricultores norte-americanos, defende esforços multilaterais, regionais e bilaterais que permitam reduzir as barreiras ao comércio e conseguir o cumprimento "fair" das regras de comércio global. Tudo isto vem ao encontro de interesses europeus numa mundialização a que nenhum país escapa".
3. Já sobre outra temática, afirma Vasco Graça Moura:
"Obama como símbolo de ultrapassagem da questão racial não interessa nada. A questão está resolvida nos Estados Unidos e os grandes marcos dessa tradição até são republicanos. Como Yves Roucaute recordava há duas semanas (Figaro, 4.9.08), o partido republicano foi criado por Abraham Lincoln contra o partido democrata esclavagista; o voto aos negros foi dado pelo republicano Ulisses Grant em 1870, e não pelo democrata que o antecedeu, Andrew Johnson; o partido democrata só começou a aceitar a igualdade de direitos em 1961; a primeira nomeação de afro-americanos para cargos como o de chefe de Estado-maior e o de secretário de Estado foi feita pelo republicano George W. Bush."
Simultaneamente afirma que a questão racial nada interessa - não obstante ter sido um das temáticas centrais durante a campanha - que a questão está resolvida - então porque haverá sido debatida? - e, enfim, recorre a um clássico argumento histórico que nada prova (e de nada vale, a este propósito) - "os grandes marcos dessa tradição até são republicanos." É também aqui, pena, que mais uma reputada figura da nossa praça desenvolva uma arguição tão desconexa.
IV Debate
"Esta Casa acredita que a juventude está perdida"
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
um vídeo. não, desculpem. O Vídeo.
aquisição vital para o sociedade de debates.
vejam como é, realmente, um exercício de retórica.
Mickey Mouse Must Die
domingo, 14 de setembro de 2008
Os nossos novos amigos
Não é fantástico olhar para simples nomes naquela lista, que não nos dizem nada, mas termos a certeza que dentro de alguns dias aqueles nomes vão ter uma cara, e dentro de alguns meses eles terão qualidades e defeitos próprios e só a menção do seu nome despertará em nós sensações fortes?
sábado, 13 de setembro de 2008
Ficha Suja
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
Vídeos do Terceiro Debate
Encontram-se disponíveis para download no nosso novo "anfitrião" os vídeos do terceiro debate.
Fukuyama lá vai dando mostras de andar por aí...
por Paulo Cassaca, na Câmara de Comuns
A mensagem de Fukuyama é, como sempre, clara, simples e directa e, na minha opinião imprescindível no actual momento político: é preciso fazer a distinção do autoritarismo não ideológico em relação às ideologias do autoritarismo (resumo da minha responsabilidade).
O nacionalismo russo, da mesma maneira que o chinês e que a demagogia de Chávez, por pouco recomendáveis que sejam e por mais problemas que nos tragam, não são [ou não são por agora, na minha opinião] construções ideológicas passíveis de se erguer em oposição aos valores da democracia liberal, "o único verdadeiro rival da democracia no campo das ideias, actualmente, é o islamismo radical. De facto, uma das mais perigosas nações-Estado do mundo hoje em dia é o Irão, controlado por mullahs xiitas extremistas" (Fukuyama, op. cit.).
Se mudarmos "uma das mais" por "a mais" temos o que eu tenho andado a dizer há vários anos e exactamente pelas mesmas razões que nos são agora apresentadas por Fukuyama.Se Fukuyama quiser continuar a sua linha de raciocínio, talvez venha a entender melhor a razão de ser da falência do neo-conservantismo e do desastre político que a precipitou (a operação iraquiana), que é precisamente o de confundir um ditador em fim de linha com o único desafio consistente e real aos valores civilizacionais modernos.Por enquanto, a mensagem de Fukuyama parece-me essencial: o Ocidente, e muito em particular o Estado-Maior americano, estão outra vez a errar completamente a pontaria ao disparar para Moscovo, e se continuarem por este caminho, vão conduzir-nos a desastres semelhantes aos que nos levaram quando resolveram fazer explodir Bagdade.
Tenho pelas democracias o respeito crítico que foi celebrizado por Churchill, e entre as virtudes que não lhe reconheço é a da imunidade à miopia e insensatez.
quinta-feira, 11 de setembro de 2008
falando em Debates
alguém tem prestado atenção à "polémicazinha" que se vai passando no Almanaque?
Regulamento, Modelos e definições
terça-feira, 9 de setembro de 2008
OMFG!
caiu o Capitalismo e as teorias baseadas no funcionamento do mercado, e consequentemente, o Liberalismo por inteiro!
domingo, 7 de setembro de 2008
pede-se uma discussão vagarosa, pausada, e ampla
No Sociedade de Debates, Pedro Ary escreve que "não podia discordar mais veemente" das coisas que eu digo, em relação a Palin e a Obama, no meu texto.
A primeira discordância, penso eu, reverte para as causas da aposta em Palin. A segunda, para o carácter da vice-presidência.
O discurso do Ary para criticar Palin é, como se pode ver com o mínimo de cuidado, baseado em pressupostos que foram adoptados por toda a opinião Democrata.
De facto, já ouvi todo o tipo de críticas a Sarah Palin, e gostava até de juntar um role de acusações à lista dos terríveis actos desta senhora, que pelos seus actos corresponde, obviamente, a uma Jack Estripadora:
Sarah Palin acredita que o Mundo se fez em 7 dias e vai fazer com que as pessoas reconheçam isso (aparentemente, não é bem assim)
Sarah Palin tem uma filha grávida, e é conservadora.
Sarah Palin acredita em Deus.
Sarah Palin levou McCain a ver o seu serviço Vista Alegre, ao que este respondeu muito admirado, "a senhora é mais rica do que eu".
Sarah Palin, escreve o Ary, é contra os preservativos (oh Deus, gosta de quecas ao ar livre e vai obrigar TODA a gente a fazer sexo da forma que ela quer).
Sarah Palin é a favor da abstinência, e tem cinco filhos, portanto pode ser que, ou ela se refira de abstinência de sexo antes do casamento, ou seja tudo uma grande treta da propaganda Democrata.
Sarah Palin fez alguma coisa ao gajos da MoveOn.org, visto que estes fazem uma data de acusações à senhora nos emails que mandam para todos os seus membros (entre os quais estão muitas das críticas apontadas pelo Ary, inclusive a tal ponte que não dá para lado nenhum).
Penso que, se a discussão eleitoral cair no mesmo jogo sujo que republicanos e democratas fazem, com as suas acusações mesquinhas e relegadas ao foro pessoal, não haverá discussão que se conseguirá manter. No entanto, penso que os que levam o estandarte Democrata avante, se em Portugal procurassem o mesmo sucesso com o mesmo esquema, não o iriam conseguir. De facto, todas as tentativas usadas por adversários políticos em Portugal para denegrir a imagem pessoal do rival passam despercebidas pelo povo português. Uma prova disso foi as campanhas do PS para atacar Francisco de Sá Carneiro por causa do seu relacionamento com Snu Abecassis terem acabado em complet insucesso. De facto, os portugueses vão mantendo um certo bom gosto que falta já ao público americano. E depois da novela de Sarkozy e Bruni, penso que é algo que também é partilhado por franceses.
Enquanto nos pudemos manter de vista clara e sem intrusões mediáticas podemos observar a realidade tal como ela é, sem filtragens do jornalismo americano. Sarah Palin tem, sem dúvida, mais provas dadas que Obama.
Obama pode muito bem ser advogado. E parabenizo-o por isso. Mas na verdade, nunca exerceu advocacia (ele orgulhou-se disso para atacar Hillary).
Para além de Senador do Estado do Illinois e dos EUA, Obama não tem mais experiência executiva ou legislativa. De facto, isto costuma ser a grande causa da derrota dos candidatos que foram senadores. E assim, em factos concretos, adicionando o facto de Obama ter sido Professor temporário, a experiência de Obama acaba por aqui.
O que Obama fez como senador é, por isso, a sua maior cartada. O Ary fala em legislação pela Saúde e medidas para baixar impostos e combater a corrupção. De facto, Sarah Palin fez isso tudo. E tem provas feitas no Alasca, que parece estar um sitio arrumadinho. Além do mais, a mulher reduziu o próprio salário e reduziu o imposto sobre a propriedade em 60%! A própria acusação contra Palin da sua extremosa religiosidade não vei muito longe, devido às intimidades que Obama partilhou com o Pastor Richards, o pastor mais racista da América.
Por isso, já vai tarde a demonização de Palin. Já vai tarde porque os republicanos não foram anjinhos e aprenderam a mexer-se. Ao lado da sacralizada figura de Obama, está uma Palin forte, cujos pontos de vista sobre a sua inexperiência estão todos comprovados como falaciosos. O que resta é o ataque pessoal. E é o que se tem feito, agora com menos intensidade porque a Obama interessa-lhe os votos das "hockey mom's" e com o andar dos seus apoiantes, arrisca-se a perder esta importante minoria.
Já expressei o meu ponto em relação a Palin antes, e não sou um apoiante. Mas como também não tenho simpatia por Obama no presente momento, não me parece justo ficar calado quando o Páis engole todo o tipo de patranhas vindas do lado de lá. Talvez me tenha tornado insensível à procura de heróis, mas nos dias que correm todo o cuidado é pouco, e os heróis dos tempos antigos não se revelavam em meses, eram antes homens normais e mortais, que estiveram lá quando a situação o exigiu. Obama é somente um candidato endeusado por um país necessitado de símbolos, de significado para as suas instituições. Isto deve-se talvez ao facto de as posições dos republicanos se terem extremado, e com eles a política local americana, e por os democratas se terem elitizado.
PS: Palin que se aconselha votar está aqui
textos relacionados:
Sobre a Loucura que se ouve do outro lado - Manuel Marques Rezende
Ela, de facto, desancou Obama - Manuel Marques Rezende
Um adeus em fuga
I
2. Começo em citação. João Miranda, hoje, no DN:
“Barack Obama é o candidato preferido dos portugueses. A popularidade de Obama em Portugal é um reflexo das diferenças políticas entre Portugal e os Estados Unidos. AS preferências dos portugueses são condicionadas pelo facto de estarem, em termos políticos, à esquerda dos americanos e pela forma como a informação sobre os Estados Unidos cá chega. A informação é filtrada pelos jornalistas americanos, que estão à esquerda da sociedade americana, e pelos jornalistas portugueses, que estão à esquerda dos colegas americanos. (…) A barreira informática entre os Estados Unidos e Portugal tende a criar uma série de equívocos. Alguns intelectuais portugueses, sobretudo os que estão mais à esquerda, projectam os seus valores e os seus interesses no eleitorado americano e esperam que este se comporte de acordo com esses valores e interesses”
3. É talvez essa a maior dificuldade com que deparamos. Poderei estar vivamente equivocado, mas estas eleições afiguram-se-me como um imenso circo em que os jornalistas também são espectadores. Obama constantemente endeusado, McCain não menos vezes demonizado. Poucas são as análises reflectindo sobre o impacto que Obama poderá ter nas relações EUA/ Europa, aquilo que porventura mais nos interessará. Afinal de contas, somos europeus e não americanos.
4. Cada vez mais, numa sensação que a cada dia se agrava, menos consigo sentir simpatia por Obama. Parece estarmos a lidar com uma criação cosmética, delapidada ao longo de uma vida para ser colocado no lugar de comandante-em-chefe. Olhamos para o outro lado da trincheira e vemos Palin (dificilmente um partido americano conseguiria encontrar alguém que mais frontalmente chocasse com os nossos velhinhos valores europeus), surgindo como um enigmático joker. Mas acima de tudo, encontramos todo um modo de fazer política que nos é estranho.
5. É por isso que quase me chocam manifestações de júbilo a favor de um ou outro lado. Por muito que Obama possa ser melhor que Bush, por muito que McCain também o possa, parece excessivo tanta paixão antes de, sequer, se conhecer um pouco mais do que o mostrado numa campanha eleitoral.
II
6. Quanto às touradas, Joel Neto, também no DN: “A autorização da ERC para a transmissão de touradas à portuguesa antes das 22.30 é uma derrota a toda a linha para a instituição protectora. Por uma vez, a civilização triunfou sobre o panteísmo mais ligeiro e acéfalo. E essa decisão, sim, é cultura”.
III
7. Uma boa semana a todos. E que debates excelentes por cá se travem.
Rentrée!
A Sociedade de Debates também vai ter a sua rentrée!
RE: A loucura
sobre a loucura que se ouve do outro lado
A escolha de McCain pareceu-me uma necessidade, um novo sopro para a campanha republicana, no esforço de contrapor os pesos da balança. Não penso que tenha sido uma escolha mal-feita, não no sentido de ter sido feita apenas com valor mediático em conta. Até pelo contrário, ao que parece Palin é uma mulher eficiente que tem feito algum bem no Alasca (e não Alaska, ouve aportuguesamento da palavra). Tenho pena que a carreira de Palin esteja, a meu ver, arruinada daqui para a frente. De facto, por muito que se pense que ela está na corrida a um dos maiores postos de Poder da Humanidade, o que lhe espera no futuro, ganhe ou não, é uma vida de submissão aos valores do Partido para sobreviver, visto que esta catapulta cedida por McCain levou-a directamente para o jogo dos Big Dogs, e aqui não há os privilégios e as liberdades da "pequena política".
Mesmo assim, insiste-se em fazer um espectáculo à volta de Sarah Palin. Procura-se saber quais são as competências dela, discutem-se as competências da senhora como nunca se discutiu as de Obama (que me parecem inferiores) e já se faz da corrida McCain-Obama uma corrida Obama-Palin. O que me parece, de facto, um grande espectáculo de deplorável mesquinhez. A comunidade blogueira em Portugal tem sido pródiga nesta discussão, sendo que entre os poucos locais que se mantiveram "limpos", a meu ver, desta discussão suja, foi o Sociedade de Debates, que eu faço parte enquanto autor e muitas vezes orador.
Também não vou ser eu a borrar a pintura. A situação deve ser exposta em poucas palavras. É Palin indicada para a vice-presidência? Claro. Até porque as funções do vice-presidente, no constitucionalismo americano, não estão assim tão claramente expostas como todos têm vindo a pensar. As responsabilidades do vice estão ligadas ao Senado, que no entanto tem passado muito bem, em pelo menos 18 ocasiões, sem vice-presidente. Quer me parecer que os americanos estão a discutir a quem querem pagar vários milhares de dólares por ano para fazer algo não muito bem definido e que só terá algum tipo de utilidade caso Obama ou McCain morram.
Não tivesse a política americana evoluído para um espectáculo milionário de democracia, e Democratas e Republicanos poderiam concluir que seria mais económico e mais inteligente não incluir um vice-presidente de todo.
Também publicado n'O Terceiro Anónimo
sábado, 6 de setembro de 2008
Querida Angola
2. Talvez por tal, é um pouco atónito que vejo a condescendência que por cá perpassa para com Angola. Como que o recato de um pai face a um filho, que por uma particular ruptura nos tempos de juventude agora tudo perdoa. Como Angola passou a perspectivar-se como um legado do Portugal ao mundo, um orgulho para os de cá. Como só se encontra rotulado como “país de oportunidades”, “em franco crescimento”, “aberto ao mundo”.
3. Até podia dizer que admirava Angola pela recente prosperidade económica. Mas mentiria. O sucesso de Angola é meramente económico, um mero aproveitamento dos recursos naturais que por capricho da natureza obteve. Da mesma forma não admiro D. João V ou Luís XIV por inundarem as respectivas cortes de um mundo de opulência.
4. Não sou um louco pela democracia. O que me preocupa em Angola não é apenas a ausência de eleições livres há quase duas décadas (isto se algumas foram livres). O que me preocupa é a total ausência de preocupação com o indivíduo, a autista indiferença perante a carestia e precariedade de vida de seres humanos, nascidos na mesma terra e sob o mesmo céu. De como em vez da sociedade servir o homem, se serve do homem. E é sob esta bitola – o enfoque no indivíduo – que faço minha análise: é por isso que tenho imensa pena que Portugal mais não veja em Angola do que aquilo que pretende ver – uma bela ex-colónia na esteira das nações polidas, modernas e civilizadas.
5. Parabéns ao Expresso pela reportagem com que enche as páginas da Única. Parabéns por colocar o dedo na ferida desse pequeno anão que sofre de gigantismo. Parabéns também por não ter medo de continuar a ver os vistos dos seus repórteres recusados. Por mostrar o que, na óptica de Luanda, não devia existir, ainda que pelo triste método de impedir a viagem de um repórter.
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
Sociedade do espectáculo (1). Jornalismo e Democracia.
1. Arriscaria a qualificação de paradoxo: Os debates mais urgentes, mais precisos, mais necessários, estão hoje condenados a cair fora da agenda. Rectius, não o estão. Perdoe qualquer leitor a inconsistência do raciocínio que, ainda em fase tão inicial, já teve de ser corrigido. É que, de facto, quaisquer debates continuam a ser possíveis, a poderem cair na agenda. Vão é ser reduzidos a dois ou três chavões, três gritos de guerra e dois do Ipiranga, relegados para duas ou três caixas altas (embora várias vezes), enfrentar quinze ou vinte ou cinquenta telejornais, ser mastigados, digeridos, dejectados, re-mastigados, re-diregidos, re-dejectados; provocarão indisposições (por saturação) e indigestões (por já ruminados), voltarão a ser mastigados (embora com sabor mais ácido), digeridos (afinal há quem tenha visto algo no anterior) e dejectados (agora de vez) para um novo debate surgir (e aquele sem conclusão nenhuma), ser mastigado (já com certa rejeição corporal), digerido (o outro foi-o, mas terá alimentado alguém?) e dejectados (chegou a haver outro debate?).
2. Foi na passada semana esta temática abordada no Socialismo 2008, organizado pelo BE, por Daniel Oliveira. O ponto era claro: os jornalistas seguem de onda em onda mediática, às vezes com inversões de posição enquanto a onda persiste – sendo que aí decorre um fabuloso passo de revisão histórica (num dia aplaudindo Vanessa Fernandes pelas duras palavras aos colegas; no outro, já com a medalha de Nelson Évora conquistada pelas hostes portuguesas, indignados com as mesmas palavras pouco solidárias da triatleta – como se sempre houvessem defendido tal) – e, quando a temática esgota, outra se encontra para esmiuçar, repetir, massificar. Procurando explicar o fenómeno, Daniel Oliveira considera que se integra numa realidade mais vasta, a da sociedade do entretenimento. Tudo com o propósito de entreter, como se um produto fosse, sempre com o intuito de proporcionar uns quantos momentos de diversão.
3. Concordei inteiramente com o raciocínio. Já em tempos neste blogue havia escrito (excertos):
“os nossos (velhos) costumes
Dizia o actual Bispo da cidade do Porto, D. Manuel Clemente, num opúsculo publicado há poucos dias com o JN (em comemoração dos seus 120 anos) que a imprensa diária tem uma muito curiosa tarefa: tratava-se de, em parco espaço, comunicar/ informar sobre tudo o que se passou durante esse dia. Ou seja, englobava um imenso trabalho de selecção de acontecimentos relevantes, em claro prejuízo de outros.O que acontece as mais das vezes com a actual comunicação social é que, na escolha das peças informativas, ou só se prende a um tema, ou ignora aquilo que mais releva. Resultado: durante dias a fio dá notícias repetidas, recheadas de lugares comuns que criam no destinatário uma dispensável sensação de enfado. Constantemente repete-se o mesmo, constantemente se fica pela superficialidade da abordagem, constantemente se ignora que, no país e no mundo, há mais do que a subida do preço do petróleo ou que a selecção portuguesa a preparar-se para um europeu de futebol... E, pior, rigorosamente todos os canais repetem o mesmo, talvez temendo dar uma informação diferente e, acima de tudo, informada. O resultado é que até o que É importante parece ser superficial. Veja-se o petróleo: é problema de extrema urgência. Porém, já não se aguentava ouvir mais e mais tanta desinformação.O rol destas situações é imenso: Entre-os-rios, tsunami, o Martunis (acarinhado pelo Scolari),caso meddie... Períodos de tempo em que, no mundo, a vida pára, em que, na vida, só aquilo importa, em que, da vida real, qualquer acontecimento relevante deve ser logo afastado para segundo plano (…)
O absurdo chegou há tempos com o comentário do então director de informação da SIC Alcides Vieira (não sei se ainda o é), afirmando que uma não notícia é também uma notícia (e disse-o a propósito do caso Meddie). Como? Uma não notícia é uma notícia?”
4. Na altura cingia a abordagem à realidade portuguesa. Pequei por defeito. O problema é transversal, global, e não se cinge ao domínio da informação, inundando toda a realidade da vida. Em termos gerais(1), toda a mensagem está orientada numa função de entretenimento. Todo o momento deve ser de diversão. Todo o chamariz deverá ser imediato, directo, cativante. No entanto, aqui se abordará essencialmente a relação entre o jornalismo e a Democracia, ficando mais amplas abordagens para momentos posteriores.
II – Jornalismo e Democracia
5. O exemplo do jornalismo é paradigmático. Diariamente, três telejornais precisam de vender um produto de uma hora que prenda o espectador. Não obstante a diversidade dos dias e a pluralidade de acontecimentos nos mesmos acontecidos, a necessidade de produzir um bem que entretenha o espectador é idêntica. Por muito que um genocídio tenha uma gravidade superior à de um rapto de uma criança, o acontecimento que permita um melhor enredo será perseguido, esmiuçado, dissecado e, por fim, vendido. Todos os meses se encontram uma ou mais temáticas prontas a serem vendidas, e todas se sucedem no grau de importância. Passa-se da crise dos combustíveis para a selecção nacional; dos Jogos Olímpicos para a vaga criminosa; pelo meio recordam-se certos episódios perdidos de uma novela anterior – caso Maddie -, et caetera, et caetera. Num imenso cão atrás da cauda, que nunca a alcançará, também o jornalismo busca sempre a noticia que chegará, a última novidade, o mais moderno bem pronto a ser vendido. Curiosamente, o espectador chega ao fim do ano sem recordar mais do que um ou outro acontecimento: pela profusão de informação que recebeu, sempre com o mesmo destaque e importância, esquece e tem dificuldade em destrinçar entre o que é efectivamente relevante e o que o não é. Por muito que a crise petrolífera possa avançar com agudos problemas para o próprio equilíbrio da sociedade actual, a relevância que hoje ocupa na mente do espectador típico dificilmente será maior do que a da novela jornalística que se seguirá.
6. O perigo que aqui se avizinha é imenso. Atendendo ao brutal poder de conformação da opinião pública que assiste ao jornalismo, uma degeneração qualitativa do mesmo levará, inevitavelmente, a uma opinião pública menos esclarecida. Recorde-se:
"The basis of our governments being the opinion of the people, the very first object should be to keep that right; and were it left to me to decide whether we should have a government without newspapers or newspapers without a government, I should not hesitate a moment to prefer the latter. But I should mean that every man should receive those papers and be capable of reading them." Thomas Jefferson a Edward Carrington, 1787.(2)
7. O regime democrático assenta na eleição. É pela mesma que todos os cidadãos elegem aqueles que, pelo seu círculo (no nosso caso), prosseguirão o interesse nacional. Ora, uma população manietada levará a uma degeneração do próprio modelo democrático, senão mesmo à sua própria ruptura (Democracia que resvala para Demagogia, na classificação clássica de Aristóteles). Tal porque a mensagem política – essencial para a conquista do voto – já não terá como objecto central a Res Publica, a coisa pública, mas antes a mera persuasão do eleitor pelas vias possíveis (Um bom exemplo encontrado de como a campanha eleitoral se pode tornar uma luta pela persuasão em detrimento do debate político público é a actualíssima campanha eleitoral norte-americana. Um verdadeiro espectáculo de entretenimento(3)). Corre-se o risco de a conquista do poder na República se tornar uma conquista do poder enquanto poder e não do poder enquanto meio para um fim: o bem-comum.
8. Tais perigos enunciam-se de um outro modo. A lógica de separação e interdependência entre poderes só se sustenta enquanto cada um obtiver um certo grau de autonomia e independência face aos restantes. Aos titulares dos órgãos que incorporam os ditos poderes deverão ser oferecidas garantias de imparcialidade: independência face a poderes económicos, sociais, fácticos; no fundo, uma constante procura de um estado ideal de elevação que permitisse uma decisão não influenciada por qualquer pressão nefasta (naturalmente, apenas se alcançará uma via intermédia, razoável). Ora, com uma sociedade espectacularizada as funções primárias (política e legislativa) rapidamente degenerarão para uma imediatista procura do aval da população; assim, também as funções secundárias (jurisdicional e executiva), por muito que procurem um outro modo de agir, pela sua dependência face às primeiras, ficarão também enleadas na onda do espectáculo.
9. Esta dependência das funções primárias é pois, essencialmente, em relação à opinião pública, conformada em grande parte pelo jornalismo – este para muitos um quarto poder. Ora, mas o actual estado a que se julga votado, que a nenhum senhor serve que não o do espectáculo, coloca-se uma questão fundamental: em que medida pode existir um poder que não envolve um mínimo de liberdade de acção? Um poder a que se desconhece titular real? Em que medida é que, perante as sucessivas ondas informativas que sucedem, em que os jornalistas se encontram quase sempre a reboque de um imenso atrelado que todos puxam e, contudo, ninguém o faz, se pode considerar que estamos perante um poder? Poder-se-á ter chegado ao vilíssimo estado em que o poder jornalístico se haja tornado uma força por ninguém orientada, e simultaneamente por todos (em vez de poder, que pressupõe um exercício autonómico). Pode correr bem, pode correr mal. De todo o modo, aquele que é inegavelmente um dos poderes (em sentido impróprio) centrais da vida comunitária, é imprevisível.
10. Uma alternativa formalíssima ao actual estado das coisas seria a alusão a fontes alternativas de informação. No entanto, vários problemas emergem. Desde logo, a exigência de dominar uma outra língua (nomeadamente em domínios técnicos); mas, principalmente, o enorme problema de ter de ser o próprio espectador a realizar aquele trabalho que, à partida, seria incumbência dos jornalistas. Ora, no actual modelo de organização social, nem todo o sujeito pode acolher ao lar e dedicar umas quantas horas à pesquisa, seriação e interpretação da informação (no fundo realizar em uma hora ou duas o que uma redacção realiza num dia). As exigências da vida também são outras e o culto do espírito é labor para largo tempo. Assim, por muito que – principalmente pelo recurso à Internet – haja a possibilidade de até ser possível alcançar outras fontes de informação, o problema central mantém-se. Uma acentuada maioria da população continua a ter como fonte de informação central os jornais generalistas (via televisão) e, afinal, vale tanto o voto do alienado como o do sábio (ou seja, mantém-se as perversas influências sobre o próprio modelo democrático). De onde se conclui que, imediatamente, a única solução para o grosso da população conhecer fontes de informação sérias não está na busca de meios de informação alternativos, antes na transmutação dos actuais. Era bom que tal mutação fosse imediata. Mas como tal é labor de Hércules, e como também já lá vai o tempo de homens-deuses, o caminho a trilhar não se afigura fácil. Assim, naturalmente, o jornalismo de massas continuará a degradar-se.
11. Um esboço de solução poderá ser proposto. Avançaria duas vias: sem preconizar “altas cavalarias”, seriam, por um lado, a promoção do conhecimento – desde há muito, quase imemorialmente, defendido por bastantes – o da garantia de espaços de produção e defesa do conhecimento educação (com uma arreigada defesa da Universidade, livre dessa suja espuma dos dias), e por outro, uma defesa da opinião pública perante si mesma. A própria superação dos modelos de democracia directa, em que toda a decisão seria referendada, sugere a necessidade de espaços de autonomia dos titulares de órgãos políticos, ou seja, de um espaço em que a própria população (cujos juízos se reflectem nesse bolo que dá pelo nome de opinião pública) reconhece não estar aventada para agir. Como sugestivamente diria Daniel Oliveira, a democracia e o debate precisam dos seus ritmos. E tal não se alcança, nem se pode alcançar, num escrutínio diário, constante, imediato por parte dos jornalistas e, indirectamente, da população (necessidade do tal esforço de auto-limitação de poder).
12. Nada disto é inovador, nada disto é novidade. E nem sequer o pretende ser. Mas está esquecido: o conhecimento é vilipendiado, os deveres são sempre perspectivados como um reaccionarismo (não obstante serem condição sem a qual a comunidade não subsiste), a Universidade é socialmente quase perspectivada como uma última escolinha onde o aluno em troca de um valor anual e da leitura leve de uns apontamentos recebe um qualquer canudo.
Daí que o actual cenário não se apresente alumiado, mas negro e com apenas uma réstia de luar. Como toda a mudança estrutural, há que trabalhar bastante e, já agora, esperar que o sol alumie nossos propósitos.
(1.) Onde se diz em termos gerais, em geral ou expressões paralelas não se pretende absolutizar nenhum ponto. Geral perspectiva-se enquanto maioria substancial; absoluto enquanto enquadramento de todos os membros de um dado grupo. Exemplificando: em geral “os portugueses não trabalham” deve ser lido como na maioria ou no sentide de que, em termos característicos, os portugueses não trabalham. A leitura incorrecta seria que se interpretasse a minha afirmação “os portugueses não trabalham” no sentido de englobar todos os portugueses individualmente considerados.
(2) http://sociedadededebates.blogspot.com/2008/07/esta-casa-acredita-que-mais-vale-ter.html, citação trazida por Pedro Ary.
(3) Não se procura aqui afirmar que os EUA se tornaram uma demagogia. Simplesmente, pretende-se alertar para como o discurso já está essencialmente orientado para vender um produto e não para vender uma ideia. Como hoje já é manifesto o desequilíbrio entre ambos. Uma maioria de produto, uma manifesta minoria de ideia.
Relacionado:
- Post da Maria João com excertos de uma crónica de Clara Ferreira Alves. http://sociedadededebates.blogspot.com/2008/07/spam-lusitano.html
- Acabei de escrever o texto ontem pela manhã. Hoje saiu no DN um com uma temática próxima (nalguns pontos idêntica) da autoria de Fernanda Câncio. Para quem goste ler no papel, página 7, para quem goste de papel digital, http://www.dn.sapo.pt/2008/09/05/opiniao/o_poder_deformar.html, para quem prefira os domínios da blogosfera, http://5dias.net/2008/09/05/o-poder-de-deformar/
Um duplo bom dia
1. Já chove. Já chove e chove bem. E ouve-se o vento a anunciar-se. Agora sim, podem começar as aulas. Já volta a dar gosto estar resguardado entre quatro paredes.
2. Liberalismo
"Ce qui caractérise le libéralisme, c'este la distinction sur laquelle il repose entre, d'une part, la sphère de l'Etat, qui este celle de l'autorité politique, et la sphère de ce qu'on peu appeler, en référence à la tradition de pensée dont il est lui-même un résultat, la «société civile» d'autre part. L'État, qui a affaire au bien public, ne doit pas, en bonne doctrine, s'introduire dans les affaires privées, c'est-à-dire dans les relations constitutives de la «societé civile». En séparant soigneusement ces deux domaines selon des modalités idéologiques qu'il y aura lieu de questionner ici, ce que le libéralisme vise à garantir, c'est la «liberté» des individus et des personnes. Mais la liberté dont il s'agit est celle-là même du propriétaire, de sorte que de la liberté au libéralisme, il y a un glissement de sens qui constitue le tout de la doctrine."
Histoire des Idéologies, 3, Savoir et Pouvoir du XVIII au XX siècle, François Châtelet (direcção)
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
Técnicas particulares
Proposta de Regulamento
da reforma do código penal.
"A reforma do código penal foi debatissíma. Foi elaborada, estudado, testado e discutido por "especialistas" durante anos. Tudo isto com processo de consulta pública.
Até setembro de 2007, a nova reforma prometia acabar com o alegado “drama da prisão preventiva” . Portugal era tido como um dos países do mundo que mais usava e abusava desta medida de coacção. Reduzir os prazos da prisão preventiva tinha como um dos principais objectivos políticos obrigar o sistema judicial a trabalhar. Trabalhar significaria processos mais rápidos e impedir que a prisão preventiva fosse utilizada como desculpa para preguiça do monstro.
Partíamos todos do aplaudido princípio que é, a todos os títulos, inqualificável que uma cidadã ou cidadão possam estar detidos durante anos sem culpa provada. Tal como é inqualificável para as vítimas que os crimes passem anos sem culpado provada.
Pouco tempo depois, e com o país aterrado com a libertação de presos preventivos e com a vaga de crimes, voltamos a reclamar o aumento dos prazos da prisão preventiva. Dificilmente não vamos fazer uma reforma à reforma do código penal. Porque é assim mesmo que as coisas funcionam. É mais confortável mudar a lei que responsabilizar ou chatear alguém.
Não conheço o novo código penal ao detalhe. Também não sou um especialista. Nem sei dizer que o novo código é uma melhoria em relação ao antigo. Sei é que um país assim não se governa. E aposto que esta nova reforma da reforma, mais cedo ou mais tarde, vai precisar de uma reforma. Aposto."
Rodrigo Moita de Deus no 31 da Armada
Faena, fiesta. Touradas.
1. Fazendo um périplo por blogues vários, deparei com um post de Rui Moreira sobre as Touradas, uma temática que desde há muito me fascina. Ao abordarmo-la, enfrentamos amiúde os limites das nossas percepções da realidade; descobrimos os pontos onde os corolários dos pressupostos por nós adoptados soçobram ou, frequentemente, levam a soluções que à partida não seriam representadas.
2. À falta de maior reflexão – ainda “não sei por onde vou” – pode ficar o refutar de certas arguições – um “sei que não vou por aí”. Pois se firmar uma posição obriga a um redobrado esforço reflexivo, a negação de argumentos julgados inadequados ou, quiçá, deslocados, deve ser realizada. É que se assim continuamos a ignorar o rumo que futuramente trilharemos, fica no entanto garantido que certas vias não serão, rectius, não deverão ser prosseguidas.
3. Ao ler o dito post fiquei, desde logo, abalado com os argumentos aduzidos. Com comentário breve assim o fiz ver ao autor. No entanto, a premência e, até, a actualidade da temática justificam algo de mais extenso.
4. Depois de um trecho inicial, diz Rui Moreira, justificando a sua oposição às touradas: “Em primeiro lugar, quem se coloca à esquerda desta questão, tem de, a meu ver, ser contra touradas. A justificação de superioridade [Daniel Oliveira alegadamente justificaria as touradas com base numa suposta supremacia do homem sobre o animal] nunca pode ser utilizada, pois sabemos bem no que é que resultou séculos de suposta superioridade: em poluição, aquecimento global e catástrofes”. Do excerto há dois tópicos que deverão ser abordados.
4.1. Desde logo é equívoco, até traiçoeiro, distinguir uma posição de esquerda ou de direita na temática. Esta summa divisio, resultante historicamente de uma divisão dos partidos pelo parlamento, não tem como critério o respeito pelos direitos dos animais ou, até, dos direitos humanos. Prende-se em tempos hodiernos com um critério misto que tem como referencial fundamental a posição do indivíduo na sociedade. Do indivíduo na sua relação com outros indivíduos, e não dos indivíduos nas suas relações com o meio natural. Creio que o defendido neste sub ponto é acervo de todos conhecido e não carece de especial desenvolvimento.
4.2. Por outro lado, Rui Moreira considera que “a justificação de superioridade nunca pode ser utilizada, pois sabemos bem no que é que resultou séculos de suposta superioridade: em poluição, aquecimento global e catástrofe”. Ora, aqui haverá um aliciante jogo semântico, mas não uma refutação à posição de Daniel Oliveira. Pois se a poluição e o aquecimento global são resultantes, sem dúvida, dum certo domínio senhorial do homem sobre a natureza – é um facto – em nada isso tem a ver com a temática das touradas. Do que resulta da poluição e do aquecimento global é um ataque ao próprio equilíbrio sustentável do planeta, do que resulta das touradas nada disso é. Não há analogia entre as situações. Ou seja, aqui nenhum argumento se encontra.
5. “E após já termos eliminado tão más práticas da nossa cultura, não se percebe como é que um socialista vem defender a continuidade desta, porque ser socialista é questionar as tradições e ver se se justifica que continuem, e neste caso, não me parece de todo.” Ser socialista é questionar as tradições. Sim, também o será. Mas é algo de mais transversal. Todo aquele que, de algum modo, procurar conhecer terá de, partindo da realidade que conhece, caminhar para o desconhecido. E, nesse percurso do calvário, enfrentar a tradição, questioná-la e, quiçá, afastá-la. Neste ponto, claro, concordo com Rui Moreira. Onde não concordo é quando considera que não se percebe como é que um socialista defende a continuidade de uma tradição com a qual a título pessoal o autor não se identifica. Ora, o socialismo não tem como ponto ideológico o respeito pelos direitos dos animais. Um socialista poderá defendê-los, sem dúvida; mas também um conservador, um fascista, um comunista, um anarquista. Enfim, a defesa dos direitos dos animais é uma questão paralela a todas as ideologias políticas. Não as caracteriza, antes é um ponto onde poderá ou não haver uma posição adoptada (não necessariamente). De todo o modo, gostaria de ver um qualquer manifesto fundador de um grande movimento ideológico (político, naturalmente) que fizesse ponto de ordem na garantia dos direitos dos animais.
6. “A nossa postura deve ser de protecção e não de superioridade para com o s animais e a Natureza”,“Gostaria de acabar dizendo que esta é uma prática absolutamente primitiva, digna de quem ainda não atingiu que é mais importante o respeito pelo animal e pela sua dignidade do que o prazer dado a meia dúzia de pessoas que fazem da tortura um espectáculo.” Aqui está afinal o cerne de todo o discurso. Firmado numa posição prévia, sem a justificar, considera Rui Moreira que as touradas são uma prática absolutamente primitiva. Diz, também, que a nossa postura deve ser de protecção e não de superioridade para com os animais e a Natureza. Concordo como tese geral; não em especial, que admite excepções bastantes. Desde logo porque, sem tourada, talvez nem touros ainda houvesse. Seguindo porque tenho sérias dúvidas de que um touro de arena tenha uma existência mais aziaga do que uma vaca de matadouro. Por fim, porque a sociedade está historicamente orientada para a protecção do homem e porque – no mais pragmático dos argumentos – me parece que a proibição das touradas levaria a um conjunto de proibições que poria em causa muito do actual modelo de sociedade.
7. De todo o modo, o que se deve discutir é o ponto 6. Não tendo posição firmada, estou ainda em clara descoberta de perspectivas (apenas avançando alguns argumentos a favor que podem ser aduzidos). O que firmo é que as touradas não se prendem nem devem ser confundidos com esquerda ou direita. Parece-me esta, aliás, a procura de uma legitimação onde ela não se encontra nem pode ser oferecida.
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
terça-feira, 2 de setembro de 2008
guerra
Já algumas vezes aqui se falou de guerra. Ficam, nessa linha, as breves palavras que encerram o conto "três soldados miraculosos" de Stephen Crane. Nesta parte da pequena história uma rapariga acorre em auxílio de um soldado do exército rival, atacado por elementos da facção com que se identificava.
«Esquisito», disse o jovem oficial. «Esta rapariga é claramente a pior dos rebeldes e no entanto cai a chorar e a gemer que nem uma louca sobre um dos seus inimigos. Há-de vir de manhã com toda a espécie de remédios...vão ver se não vem. Esquisito.»
O astuto tenente encolheu os ombros. Após reflectir encolheu novamente os ombros. E disse: «a guerra muda muitas coisas; mas não muda tudo, graças a Deus!»
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
Noite escura
1. No passado fim-de-semana, organizou o BE o fórum de ideias Socialismo 2008. O modelo adoptado foi sugestivo: em geral, diversas áreas temáticas a todas as horas, com opção de escolha; em particular, algumas intervenções políticas de dirigentes do partido, sem alternativa que não a ausência da sala. Não pertencendo ao BE (mas à JS), não me identificando com as suas bandeiras (às vezes defendendo, até, posições antagónicas), nem com o seu modo de se apresentar politicamente, foquei-me nos ditos debates, em detrimento dos momentos em modo comício. E ao invés de encontrar abordagens parciais, cingidas a um conjunto de domínios normalmente associados ao Bloco, deparei – em geral - com perspectivadas desassombradas, abertas, prontas ao debate. Com público do BE e de fora do BE, com oradores do BE e alheios ao BE. Um evento a fazer jus à designação: um fórum de ideias. Com momentos de puro deleite.
2. Exemplos? Abordagens como o papel da Comunicação Social nos dias de hoje, enquanto manipuladora manipulada da informação (Daniel Oliveira), a ligação entre a poesia e a insurreição (com a poetisa Ana Luísa Amaral), o papel do cinema e a necessidade de a sociedade civil se organizar à margem do Estado (Regina Guimarães), o papel de certas tradições portuguesas como fenómenos de embriaguez dionisíaca (Aurélio Lopes).
3. Ora, por muito que as organizações políticas procurem fazer debates públicos, discutir ideias, confrontar posições, a sua divulgação soçobra perante a bitola da relevância jornalística. Ao espectador continua a não chegar a informação de que uma organização levou a cabo um evento de verdadeiro debate, mas apenas uns certos ecos dos discursos das figuras de proa da organização. Não passa a mensagem de que também se discutem problemas do quotidiano de um modo não inundado de espectros, argumentários, folhetins ideológicos ou discursos afinados.
4. Assim, perante a total ausência de comunicação deste tipo de actividades, continuar-se-á a manter o descrédito no aparelho político, no regime democrático; a política continuará a aparentemente reduzir-se a uns quantos chavões – os únicos que parecem relevar jornalisticamente – e os partidos, inevitavelmente, caminharão para exclusivamente se tornarem máquinas de conquista do poder político. Consequências inevitáveis de um redutor jornalismo que apenas transmite esses velhos lugares-comuns já de todos conhecidos.
Assim se piora o espectro político. Com a conivência, vénia e assentimento desses que, para alguns, são os guardiões da democracia.