domingo, 7 de junho de 2009

Lições de Vida

1. Poucos sentimentos ultrapassam em genuinidade e intensidade o de pertença a um grupo. Hoje, como eu poucos dias, senti-me parte de uma comunidade. E depois há um ritual que se vai repetindo ano após ano e a que desde muito pequeno me fui aprendendo a gostar cada vez mais: vai-se em família, contente, com a certeza de que se vai fazer algo importante, procuram-se as mesas, encontram-se pessoas conhecidas e, esta parte só conheço desde há muito pouco tempo, finalmente chega a hora da verdade, em que apesar de todas as nossas reflexões, todas as discussões, finalmente nos encontramos a sós connosco e com a nossa consciência e percebemos que o voto é mesmo secreto, que não temos que dar satisfações a ninguém, nem de argumentar, que não interessam os discursos, que em última análise temos que fazer um "salto de fé".


Votar faz-nos sentir parte da sociedade, parte da escolha, parte de um processo cada vez mais distante das pessoas, se calhar também porque as pessoas se afastaram dele.

Hoje senti-me portuense, senti-me português, senti-me europeu. Senti-me em comunhão com milhões de pessoas que nunca irem conhecer. Senti-me parte de algo maior. Maior que eu, que o Porto, que Portugal, que a Europa ... senti que, olhando de cima a sorrir, estavam todos aqueles que um dia se sacrificaram para que a minha voz fosse houvida com a mesma dignidade que é conferida à de todos os outros. Olhava para todas aquelas pessoas, tentando adivinhar intenções de voto, e fiquei genuinamente entusiasmado com o que estava a acontecer: hoje, milhões de portugueses desafiaram qualquer análise racional custo benefício e foram votar porque sentiram que era esse o seu dever.

Votar não faz sentido. Que influência pode ter um voto no meio de milhões de outros? Hoje, se todas as pessoas que todos os leitores deste blog conhecem não aparecessem, que diferença haveria no resultado final? Vamos nós perder meia hora das nossas vidas a fazer uma coisa que não vai influenciar em nada o nosso futuro, repito, em nada?

2. Esta frase pode ser surpreendente para alguns, vinda de mim, mas os que melhor me conhecem melhor vão perceber: a política mete-me um nojo indescritível.
A prostituição de ideias a que os políticos se sujeitam, fingindo que não percebem o outro, fazendo insinuações, as (in)verdade, os slogans, os gritos de claque, as encenações para a televisão, os jogos de bastidores, as lutas de galos, as batalhas de egos, os protocolos, as reverências, os insultos, sapos e os elefantes que toda aquela gente engole sabe-se lá em nome de quê! Como pode alguém de bem sujeitar-se ao insulto constante, a jornalistas cruel e estúpidos, a um eleitor que nos tira a pinta por cinco segundos de entrevista entre a novela e o futebol, à impossibilidade de transmitir ideias em quinze segundos, aos ataques protocolares, aos discursos institucionais, à constante censura do politicamente correcto, ao julgamento em praça pública?

Fogo! Não admira que vá para lá só quem não tem futuro em mais nada porque se metessem isto numa descrição de emprego nem com a crise alguém se candidatava.

Claro que há indivíduos que querem subir na vida à custa da política, que querem poder à custa da política, ou status, ou fama, mas o que motiva a maior parte das pessoas a envolver-se num projecto político é a "vontade de mudar o mundo". Muitas nem chegam a formular a ideia, mas na base em acredito que haja sempre ali uma ponta de indignação, uma ponta de presunção mas muita vontade de tornar a vida dos outros melhor.

Sim Manuel, eu vivo no País das Maravilhas.

Da mesma forma que acredito nisso, também acredito que os eleitores votam sempre com as melhores intenções. E são estas duas coisas que me dão um optimismo inabalável em relação ao processo democrático.

Adam Smith acreditava que se cada um fizesse o melhor para si acabava por fazer o melhor para todos. Eu acredito que se cada um fizer o que acha ser o melhor para todos acaba por não fazer muito mal a si.

3. Estou triste com o processo e com os resultados.
O processo porque esta foi mais uma eleição profundamente aborrecida, cheia das palhaçadas actuais em que toda a gente apostou em discutir tudo menos o que devia e culpou os outros por isso.
Não percebo como tirar elações daqui para as eleições legislativas. Alguém ficou mais ou menos convencido de que os portugueses têm pouca simpatia por este governo, que o vêem como autoritário e propagandístico e que o culpam pelas proporções que a crise assumiu? Só quem não anda de transportes públicos, não tem amigos, não vê televisão, não lê jornais, não tem acesso à internet e vive numa ilha com um coqueiro e um rapaz chamado sexta-feira é que precisa de conhecer os resultados das eleições para perceber isso.

Preocupa-me muito, mas muito mesmo, é a subida do PPE. A disciplina de voto não funciona em Bruxelas como em S. Bento, mas tenho a certeza que uma vez chegados ao PE os nossos deputados pouco vezes se irão sair da linha e num contexto de descida do PSE não vejo agora como alguém poderá fazer frente a PPE que tem um projecto de Europa com o qual não só não concordo mas cuja implantação não só será desastrosa. É da maneira que nada se irá aprender com esta crise e que se continuará a encarar trabalhadores como mercadoria, pobres como falhados, imigrantes como ladrões.

4. Apesar de presentemente me encontrar neste momento muito descontente com a política, saí de ao pé da televisão com a consciência da importância desta. Ao longo da noite passei por um conjunto de emoções que tenho dificuldade em descrever, quase todas elas desagradáveis, bastante desagradáveis, mas todas de todas elas talvez a mais presente tenha sido a revolta. Revolta mais interna que contra alguém por não ter participado na campanha.
Claro que é mais uma daquelas coisas irracionais. Não seria a minha presença nas acções de campanha, mais uma bandeira a ser agitada, que faria a diferença no resultado final, mas pelo menos, apesar todas as chatices, todas as discussões, toda a chocota de que seria alvo, todos dias perdidos, todas as amizades postas em causa, toda a multiplicada desilusão, teria a certeza de que tinha feito o que é certo, o que podia, o que me era exigido enquanto cidadão consciente.
Sinto que falhei para com a democracia, para com as minhas ideias, mas sobretudo para com todos aqueles que tenho a certeza que ficariam melhores caso elas vingássem.

Alguém disse um dia que o homem que acredita em alguma coisa e não luta por ela é mentiroso. Não me senti mentiroso, mas baixei os olhos e senti um bocadinho de vergonha.


8 comentários:

Clara Mafalda disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Clara Mafalda disse...

Partilho inteiramente desse teu sentimento do dia que foi hoje e concordo com (quase tudo) o que escreveste!
Resultados à parte e atendendo especialmente à primeira parte do post, dei por mim ao longo de todo o dia a pensar se votar é acima de tudo um direito ou um dever e, consequentemente, em toda a relação em cadeia que daí advém. Mas depois de vir aqui, dúvidas à parte, senti uma sensação de missão cumprida pelo que fiz e um bocadinho menos solitária neste "meu" país das maravilhas.
E agora sim acho que posso dizer, se face a todos os nossos direitos sentíssemos uma obrigação/dever moral, então sim, tínhamos de certeza um país, uma Europa, melhores!

Patrícia disse...

Serei sucinta como, alias, o tenho vindo a ser sempre, neste blog, devido à minha condição de mera seguidora.

Concordo de forma tao devota com o que escreveste, que faço minhas as tuas palavras (ou pensamentos, porque não os materializei e nem foi preciso, pois fizeste-o por mim), que acho que as ideias que transmites aqui esclareceriam muitas, senão todas - porque tens a sensibilidade com as palavras, própria de quem toca a quem lê - as mentes confusas (e/ou pouco informadas, porque ha exemplos para todos os gostos - é como na farmácia :P) por "cá" e além fronteiras.

Este texto devia ser publicado, difundido nos meios de comunicação clássicos, leccionado, apreciado(e seria, como tudo o que agita o campo das ideias, contestado, desvalorizado, enfim...Tudo que o certificaria como autêntico) mas, acima de tudo, interiorizado.

Resolveria muitos problemas, despertaria muito cidadão do mundo precisamente dessa condição: A de "cidadão"; que para uma grande maioria (parecida com a da abstenção...) se encontra em estado de latência.

Acho que é aqui dito, e para mais de uma forma bastante humana, suave, subtil, mas muito lógica e convicta, o que era preciso dar a entender.

Todos sabem, ou supõem, o que aconteceria se não houvesse abstenção. Uma afluência de cerca 99% às urnas é um cenário que conseguimos perfeitamente criar.

E agora, a hipótese traiçoeira: O que aconteceria, se houvesse uma abstenção de 99%?
Parece estranho, não é?
Mas cada vez estamos mais próximos deste, que do anterior.
Como? Se todos pensarem como Tu que preferiste ver TV todo o dia, Tu que não tiveste paciência para "essas coisas da política", e muitos outros Tu's que conseguiram forma o maior grupo de todos - os que pertencendo, não pertencem.

Quem governaria quem, se todos contestam mas poucos se dinamizam em volta do que acreditam, com que legitimidade, que regras, que decisões, que constatações...Nada faria sentido.

Eu tb vivo no "Pais das Maravilhas", e vou tentar traze-lo ao mundo concreto.
O que conseguir, já é bom.
É melhor do que resmungar, virar a cara para o lado, e dormitar mais um pouco na resignação.

Sabes que mais?

Ary, "tens o meu voto".

...E, tendo em conta o que disseste sobre o "voto", que eu sublinho totalmente (coisa que raramente faço, lol, "fazer minhas, as palavras de outrem" dá-me sempre a sensação de perda de identidade, sabes... Somos as nossas ideias, mas também a forma como as expressamos, a intensidade com que acreditamos nelas e as transmitimos. Mas isto são "outras conversas"), não vejo grande hipóteses de isto ser uma piada...

Um Beijinho*, Pat.

Patrícia disse...

lol, afinal não fui sucinta, entusiasmei-me um bocado. :P

Não há-de ser nada, julgo eu.

***

Ary disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ary disse...

Só te poderia responder em muitas ou em poucas palavras. Escolhi fazer isto em poucas:

Obrigado. Sei que estás do meu lado porque tenho a certeza que só poderia estar contigo. Bem-hajas.

Frederico de Sousa Lemos disse...

Nestas eleições pude, pela primeira vez, votar. Votei com aquela "emoção" da primeira vez. Com a consciência de que estava verdadeiramente a "viver" a democracia. Votei com a certeza de que votar é a melhor forma de honrar, homenagear, agradecer a todos os que, no passado, lutaram para que todos pudessemos ter eleições livres.

Nestas eleições, também pela primeira vez, participei em acções de campanha de um dos partidos candidatos. Com a convicção de que eram aquelas pessoas as mais capazes de me representar a mim e a todos os cidadãos portugueses no Parlamento Europeu. Empenhei-me (ainda que de forma discreta) na campanha pelos ideais em que acredito, e pelas pessoas em quem confio a missão de representar esses ideais.

Tal como vocês, Ary e Patrícia, fiquei desiludido com os resultados. Concordo globalmente convosco. Quero agora fazer o que puder para evitar um resultado semelhante nas legislativas. Permitam-me que o diga claramente: não quero, não me consigo imaginar a viver num país governado pela Manuela Ferreira Leite. Agitarei bandeiras, distribuirei panfletos, contribuirei como puder para o evitar.

Para não voltarmos a ter uma decepção destas...

Hugo Volz Oliveira disse...

Nestas eleições senti-me nervoso..

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