terça-feira, 9 de junho de 2009

Rangel, O Constitucionalista


Então o governo está em gestão e ninguém me avisa? Nem a Constituição!

Pelos vistos há um número 6 no artigo 186º da CRP que diz dizer assim: "Caso o Governo seja sustentado por uma maioria parlamentar assente num ou mais partidos cujas listas candidatas ao Parlamento Europeu não consigam percentagem dos votos superior à do partido, ou dos partidos, que em eleições legislativas próximas esperam conseguir eleger número de deputados capaz de formar uma maioria parlamentar idónea a despertar a nomeação de alguém com condições para formar Governo, nos termos do número 1 do artigo seguinte, deverá o executivo limitar-se à prática dos actos estritamente necessário para assegurar a gestão dos negócios públicos".

Só me lembro do Professor Almeida Costa: "É isso que está aí escrito? É que na minha não está ... Deve ser por ter sido comprada nos ciganos."

34 comentários:

Frederico de Sousa Lemos disse...

Loooool

Sempre achei que esse homem era uma anedota =p

Francisco disse...

toda a razão, Ary.

E é constitucionalista, o senhor.

Vasco PS disse...

A CRP dele foi importada da China. Isto são as consequências da aldeia global.

Tomás Gonçalves da Costa disse...

O Senhor é constitucionalista. Muito bem, estamos de acordo. O que todos ouvimos foi um discurso político. Penso que estaremos todos de acordo. Neste trecho nunca se ouve falar em governo de gestão. Eu não ouvi. Aquilo que ouvi é Paulo Rangel, o político, entendamos-nos, a defender que o Governo perdeu a sua legitimidade política, que lhe advinha pela maioria absoluta, para comprometer as próximas gerações com encargos de investimentos megalómanos...
O governo está em "modo" de gestão? Constitucionalmente não, mas pelo teor desta noticia - http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1385838&idCanal=12 - do público parece que sim...

MJ disse...

Concordo contigo tomás, e devo dizer, também com o dito senhor constitucionalista...

Francisco disse...

Caro Tomás,

"Perder legitimidade política" é juridicamente (que é só isso que interessa) tão vago e difícil de concretizar que eu me vou abster de desenvolver o tema.
Quanto ao "falar como político", parece-me a mim que isso é só um subterfúgio para desresponsabilizar um discurso que se quer rigoroso. E para irresponsável, já basta o que corre por aí...
Como se na pele de "político" eu pudesse dizer uma coisa que não faz sentido. O pior é que isto acontece...

Ary disse...

Concordo com o Noronha e acrescento, para além do que já disse no último post, o seguinte:

Não se deixem enganar.

Claro que ele não fez o discurso enquanto constitucionalista, mas isso não o torna menos juridicamente absurdo. Ou torna? De alguma forma o desculpa de seja o que for?

Ele dizer, enquanto político, que o governo perdeu legitimidade política tem como equivalente jurídico ele dizer que o governo entrou em gestão. Se ele não pode assumir compromissos, se é isso que ele retira...

Claro que ele não está a dizer que o governo TEM DE entrar em gestão, juridicamente, apenas que DEVIA entrar em gestão, politicamente.

Ary disse...

MJ,

a resposta ao teu comentário está no post.

Tomás Gonçalves da Costa disse...

Francisco,

Desculpa. Esqueci-me que estava a escrever para estudantes de Direito!
Sim, eu também o sou mas em ponto pequeno.
Não concordo que o que interessa é, apenas, o ponto de vista jurídico. E o que estava a ser posto em causa, no post e comentários, era os conhecimentos de Direito Constitucional do candidato do PSD.
Paulo Rangel não veio defender que o governo devia passar a governo de gestão até às eleições legislativas. O que Paulo Rangel fez foi uma leitura política de um acontecimento político: o resultado das eleições europeias.
Paulo Rangel fez um racíocinio bastante simples: uma das grandes bandeiras do PSD era a contenção do investimento público, os eleitores deram a vitória ao PSD logo os eleitores não querem o investimento público.

Ary,
Mais uma vez desculpa... Mas, para mim nem tudo tem que entrar num quadriculado de uma lei...
É uma questão política, de uma decisão política e uma leitura política... Tem consequências jurídicas? Certamente... Mas não as que tu, abusivamente no meu ponto de vista, queres fazer passar!

Flávio M. Carneiro da Silva disse...

1. O partido futuro a governar, será o mesmo de agora (Resposta retórica ao Rangel).

2. As eleições europeias eram dois anos antes das legislativas e o governo não podia tomar decisões com implicação directa na vida das gerações futuras. Para quê governo?

3. EU-RO-PEI-AS diferente de LE-GIS-LA-TI-VAS. Até no número de silabas difere. Porque não eleições EUROLEGISLATIVAS? No fim de contas vai dar tudo ao mesmo. Sempre achei o Nuno Melo um bom deputado.

4. As diferentes funções de Estado sob o ponto de vista da sua actividade, a função politica (legislativa e governativa) [sob o ponto de vista do Prof. Jorge Miranda] estão e têm de estar consignadas na Constituição. Não é uma questão jurídica?

5. Acredito no entanto que se tenha criado em Portugal um USO constitucional no sentido de não se tomarem decisões estruturais no final da legislatura. Mas só, e sublinho, só, por esse facto.

6. Não obstante o ponto anterior, é publico que esta politica de grandes investimentos publicos não nasce no ultimo ano da legislatura...

Flávio M. Carneiro da Silva disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Flávio M. Carneiro da Silva disse...

Ah sim, os pontos 2 e 3 estão carregados de ironia

Tomás Gonçalves da Costa disse...

1. É a mesma confiança que tinha José Sócrates antes das Europeias, nas palavras dele o resultado do PS foi decepcionante. Espero sinceramente que isso não se concretize principalmente tendo em conta que o PS seria um refém do BE;

2. Se as decisões fossem no sentido daquilo para que foram eleitos e sendo essa a vontade dos eleitores não vejo porque razão qualquer governo se iria abster de agir até às eleições mais próximas.

3. Sim, são coisas completamente diferentes. Mas confundem-se. Aliás a campanha foi uma confusão... Só não atiraram papa mayzena porque de resto acho que fizeram tudo! A realidade da política pura e dura é que quem ganhou a Europeias tem mais "balanço" para ganhar as próximas eleições. Em linguagem partidária chama-se "dinâmica da vitória". Muitos eleitores votam no partido que acham que tem mais probabilidade de ganhar.

4. As funções do estado devem estar definidas na constituição. Mas não encontro em lado nenhum que o Governo é obrigado a construir um TGV... Só se for para irmos em direcção ao socialismo!

5. e 6. Não defendo que por um qualquer uso constitucional o governo se coíba de tomar decisões estruturais no final da legislatura. Apenas defendo que o governo deve tomar consequências de um resultado eleitoral... E isso já aconteceu, também com um governo do PS. E ninguém pediu que o governo se demita! Apenas que reveja algumas linhas da sua governação dos próximos meses. Mas já nos habituamos à arrogância. Talvez tivessem razões para a ter enquanto tinham uma maioria absoluta no parlamento e uma vontade geral dos eleitores. Mas visto que os eleitores numa eleição completamente diferente fizeram questão de castigar o partido do governo, bem, se calhar é melhor pensar melhor no que vão fazer!

Flávio M. Carneiro da Silva disse...

O Partido Socialista continua a ter maioria absoluta, e eu acredito na Democracia Representativa.
Em relação à confusao das eleições, não sei se a arrogância não será 'vossa' ao fazer disto uma primeira volta das legislativas. Não te esqueças que nestas eleições EUROPEIAS, tivemos um cabeça de lista politico contra um cabeça de lista politólogo. E digam o que disseram, o Vital é tão ou mais responsável pela derrota do que o Socrates.

E se colocas as coisas nesses termos, 'o primeiro milho é para os pardais'!

Tomás Gonçalves da Costa disse...

Não me parece que o argumento "o primeiro milho é para os pardais" vá convencer o eleitorado... Quanto à questão da arrogância, não vi nenhum sinal de arrogância por parte de Ferreira Leite. Vi apenas a arrogância de um primeiro-ministro que não sabe reconhecer que pode errar e que por vezes se deve arrepiar caminho.
A responsabilidade primeira está em quem escolheu o cabeça de lista... Não me parece certo subestimar Vital Moreira. Afinal ele é um excelente constitucionalista e isso não deve servir como um atestado de imbecilidade.

Flávio M. Carneiro da Silva disse...

Nunca foi minha intenção subestimar o Vital Moreira. O sentido em que o referi como politólogo foi no melhor possível. O que está aqui em questão é a 'politica nua e dura', nomeadamente em Portugal, onde ainda hoje se dá preferência a palavras apaixonadas sobre assuntos subsidiários (como foi a campanha legislativa às eleições europeias do Rangel), a um intelecto superior.

Na Manuela Ferreira Leite vejo um lobo vestido de cordeiro. Um cinismo agudo camuflado pela falsa humildade.
Em relação à arrogância do Primeiro Ministro, vejo-a no Sarkozy, vejo-a no Berlusconi, vi-a no Churchill! Vejo nos bons governantes dos maus tempos.

Tomás Gonçalves da Costa disse...

A atitude típica de um lobo vestido de cordeiro é fazer declarações em que associa um partido à "roubalheira" do BPN!
Se Sócrates é equivalente a Churchill então não te esqueças que nas eleições depois de ter ganho a II Guerra Mundial ele não ganhou. Só a história reconheceu a injustiça e passado 5 anos voltou a vencer as eleições.

Tomás Gonçalves da Costa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tomás Gonçalves da Costa disse...

E é melhor não começarmos a comparar o curriculum da Ferreira Leite com o de Sócrates... É um palpite

Ary disse...

Que confusão que para aqui vai! É o que dá abrir três frentes.

Para mim a no limite a questão é a seguinte:

O pão nosso de cada dia para quem está no governo é tomar decisões políticas que comprometem o nosso futuro. Todos os dias. Extrair daqui que o TGV não dá mas já se pode fazer outra reforma qualquer é algo perfeitamente arbitrário. Eu sou CONTRA o TGV, mas muito contra, acho que é dos maiores desperdícios de dinheiro que vamos fazer, que não se ganha nada, que aquilo vai ficar às moscas, que não é competitivo, que o traçado é mau, que não vale a pena incomodar tanta gente para tão pouco. Mas isso não invalida que o Governo tenha toda a legitimidade política e jurídica para o fazer.

Legitimidade política não se perde com umas eleições em que se ficou a 5% do partido mais votado.

Eu quero lá saber do currículo da Manuela Ferreira Leite! Melhor currículo tem o Louçã na área e tu não vai votar nele.

Comparar Sócrates a Churchill é mau para ambos. Ambos saem (arrepio) descaracterizados. Mas não vejo porque não comparar com Sarkozy, por exemplo. Ah! Já me esquecia de avisar que também não gosto muito do Sócrates, o que não quer dizer que não vá votar nele...

Tomás, tens toda a razão ao dizer que Sócrates é arrogante.

Tomás, olha que a Manuela já mostrou que também é quando foi Ministra da Educação e Ministra das Finanças.

Francisco disse...

Como a discussão já a está a descambar para uma questão pessoal a dois, eu vou-me limitar a comentar a parte que me foi dirigida em concreto.

Manel,
De facto, eu não tenho paciência. E não leves isto comoo sobranceria ou arrogância.
Não tenho paciência porque, para mim, o diálogo e a discussão de ideias só me entusiasmam quando entre interlocutores que não exponham uma matéria como ela fosse do tipo esquerda/direita, preto/branco, cão/gato. As pessoas e o pensamento são infinitamente mais do que isso.
Por outro lado, a tua forma de expôr o pensamento é de tal modo apodíctico, hermético e sobranceiro que eu perco o interesse em eventualmente discutir. Repara que eu me referi à forma; porque quanto ao conteúdo até serão várias os pontos de vista em que estou de acordo contigo relativamente a uma série de questões.
Mas como essa forma me é repugnante, abstenho-me de trocar ideias. E isto passa-se quer num espaço deste género (blog) como eventualmente numa conversa ao vivo. Simplesmente, remeto-me ao silêncio.

Ary,
Eu percebi o que o Manel quis dizer com "mesquinhez mental". Que não era mental que ele queria dizer, mas intelectual. Todavia, de novo a forma é repudiável. Com isso quis dizer o Manel, e eu com ele concordo, que não é por ele ser monárquico que não pode tecer considerações fundadas sobre o ideal republicano.
A tua crítica foi tão-só ad hominem, sem qualquer fundamento relevante.

E despeço-me definitivamente desta sessão de comentários.

Um abraço,
Francisco.

Tomás Gonçalves da Costa disse...

Isto de facto ficou bastante confuso. O Flávio fez uma manobra de distracção e eu acabei a falar no Churchill! =p
Tudo isto começou, e assim acabo, com a ironia do post do Ary sobre uma posição que Rangel tomou depois das eleições. O que eu tentei defender foi o pleno direito que Rangel e o PSD possuem de tirar consequências políticas de um resultado eleitoral.
O Ary tentou confundir Direito com Política. Mais, tentou "encaixar" a declaração de Rangel no art. 186º da CRP (estive a ver e não encontrei nenhum n. 6...). Eu achei que isso era abusivo. Mais abusivo achei que se pusessem a gozar com as competências de constitucionalista do homem. Eu não sou apoiante do PSD. O PSD mete-me bastante nojo pela salgalhada ideológica e pelo oportunismo político que por lá se vê. Mas de Rangel até tenho uma óptima impressão. Aliás de toda esta direcção do PSD. Não sei se já repararam, isso para mim é algo bastante importante, mas nem Ferreira Leite, nem Rangel, nem Aguiar Branco fizeram a sua vida profissional na política. Fizeram muito mais do que irem subindo os degraus da vida partidária e do que se irem sentando nos cargos que vão vagando... Estes ganharam o respeito naquilo que faziam e depois foram para a política. O que demonstra um superior, face ao que se vê olhando para os outros lados, sentido de missão.
Bem, voltei a divagar...

Voltando para o Rangel. Depois de o PS ter menos de 1 milhão de votos e o PSD ter ganho as eleições a coisa mais natural do mundo seria o PS mudar de estratégia... Afinal eles querem ganhar as eleições! Não o fazem por sacrifício pessoal.

Também é natural que o PSD, sentindo-se em posição de força, queria condicionar as políticas do governo. Foi apenas isto o que aconteceu. O que não aconteceu, mas parecia que queriam que acontecesse, era que um constitucionalista tivesse pedido ao Governo que passasse a comportar-se como um governo de gestão por ter perdido as eleições!

Ary disse...

Só para responder ao Noronha:

Eu não critiquei e deixei isso explícito pelo menos por duas vezes. Dizer que é irónico não é criticar é dizer que tem piada. Não é bom nem mau, as pessoas são mais do que eventuais rótulos e mal estão se tiverem influências únicas, mas isso não impede ninguém de retirar um certo gozo das inconsistências de cada um.

Eu sou da JS e sou catequista. Não é irónico?

Ary disse...

Tomás, ainda não me consegui fazer entender pelo que leio no teu comentário final, mas também não é grave. Esta questão aliás nem o é.

André Levi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
André Levi disse...

Bem, parece-me que apanhei a discussão já em fase de rescaldo...
Ainda assim, não me coíbo de deixar a minha humilde opinião, não só, especificamente, referente a est post, mas aos três e aos respectivos comentários, que tanto alarido causaram e tantas palavras menos doces (em deterimento do diálogo franco e superior e da pluralidade de ideias) fizeram chover.

A minha primeira palavra vai para a ética republicana. E quanto a ela, digo somente o seguinte (perdoem-me os mais sensíveis): treta. Não há nenhuma ética republica. Hesiste, de facto, um conjunto de valorese e virtudes que (putativamente) a compõem. Mas esses valores e virtudes, mesmo esse conjunto concreto, dessa mesma forma organizado, não são, a bem dizer, republicanos. Podem, eventualmente, ser também republicanos. Esses mesmos valores e virtudes, dessa mesma forma organizados, pré-existem, paralelemente existem e pós-existiram à república. A minha (e a de tantos mais) ética Realista (dicipando, antecipadamente, eventuais confusões, o termo refere-se à instituição régia), comporta todo esse conjunto de valores e virtudes, organizado dessa mesma forma.

Passando concretamente à análise das palavras do Prof. Paulo Rangel, sou obrigado a reconhecer a minha concordância com elas. E temo bem que as ditas palavras tenham sido mal interpretadas pelos ilustres bloggers da SdD.
Discordo que o Governo perca legitimidade para governar e fazer investimentos durante os últimos meses de exercício. Discordo que o governo perca legitimidade para governar e fazer investimentos por causa dos maus resultados eleitorais do partido que o sustenta. Considero, contudo, que "as decisões que condicionam POR COMPLETO a vida das gerações futuras, nomeadamente, os GRANDES investimentos" devem obter o maior consenso possível. Devem ser pensadas e discutidas. Devem ser ouvidas todas as vozes críticas e alternativas. Questões como "serão mesmo necessários estes investimentos?" ou "não haverá outras possibilidades?" têm que ser levantadas, respondidas e as respostas debatidas.

Estamos a falar de assuntos muito sérios e delicados. Estamos a falar de muito dinheiro. Estamos a falar da sustentabilidade financeira a longo prazo do Estado Português. Questões deste tipo, repito, com força obrigatória, têm que ser minimamente consensuais.
Ora, na presente situação, não havendo sequer a mais pálida sombra de consenso, faltando ouvir a voz de muita gente, faltando explorar vários novos e diferentes horizontes, parece-me iligítimo que o Governo tome este tipo de decisões.

Mais, aliado a esta falta de consenso e a esta falta de reflexão, assistimos a uma legislatura que se defronta com o seu ocaso e a uma terrível prestação eleitoral do partido que sustenta o Governo. Estas duas últimas constatações não devem ter existência autónoma, a bem do bom funcionamento da Democracia Representativa. Todavia, quando aliadas à tal falta de consenso e reflexão, potenciam estas últimas, gerando ainda uma situação de maior ilegitimidade na tomada deste tipo de decisões. Nada mais do que óbvio.

Com isto, eu concordo. Foi isto, parece-me, que o Prof. Paulo Rangel quis dizer.

Ary disse...

Quanto à ética republicana ainda não me encontro recuperado do choque. A resposta fica para outro post sobre o tema, até porque isto com 26 comentários já fica muito complicado.

Quanto às palavras menos doces ... Bem elas são normais por aqui e nunca mataram nenhuma amizade. Isso sim é o mais importante.

O ideal seria ter consenso, mas o que se pede de um governo não é que seja consensual. Eu sou contra o TGV, concordo contigo, apesar de não achar que a vida das futuras gerações está em risco (até porque há fundos comunitários e o argumento do "há melhor que fazer ao dinheiro" tem limites). As pessoas foram sendo ouvidas, houve estudos, já toda a gente se pôde pronunciar sobre o assunto mas a decisão cabe a quem tem de a tomar e neste caso há prazos, ao que parece, para elas serem feitas.

Claro que devia haver consenso, claro que as pessoas deviam ser ouvidas, claro que os grandes projectos devem ser bem ponderados, mas os resultados eleitorais ou a proximidade das eleições pouco tem a ver com isso. Reforça talvez essas necessidades mas não as cria e ultima ratio não acho concebível um governo estar refém de eleições que não as que determinam juridicamente o seu fim.

Se me disserem: se o governo não muda a sua postura nestas questões mostra teimosia, arrogância, mau carácter, eu concordo. Mas não é por se ser teimoso ou mesmo incompetente que se perde a legitimidade para governar.

André Levi disse...

Discordo em dois aspectos.

Claro que não se pede um consenso absoluto, mas uma base de concordância. Investimentos tão monstruosos como este merecem que os cidadãos tenham a mínima consciência que não servem, simplesmente para, permite-me, encher chouriços. Há fundo europeus pelo meio, certo. Mas também não há fundos nacionaios? Estamos dispostos a pagar, ainda que a mais pequena percentagem, um disparate?

E ouvir as pessoas não é pô-las a falar e olhar para o lado, enquanto esperamos que elas acabem! Ouvi-las, implica estarmos atentos às suas palavras e sobre elas pensarmos. Facto é que muita gente falou do TGV. Porém o Governo não reviu a sua posição (quanto a demasiada gente, estapafúrdia) nem por um milímetro.

E quanto ao segundo ponto dde discordância, recuso-me a ter a mesma perspectiva legalista da realidade. A incompetência implica, sem qualquer reserva, que o Governo em questão perca a legitimidade governativa. Claro que incompetência é um conceito demasiado abstracto.

Já a teimosia, isso é sinal de convicção. Contudo, cuidado. Às vezes a teimosia, quando exagerada, tranforma-se em obstinação e a obstinação, em perversão (ou incompetência).

Ary disse...

Foram revistos os traços se bem me recordo, mas isso pouco interessa. Na hora de realizar ou não um investimento destes não me parece que haja muito espaço para compromissos ou meios termos. A quantidade de debates que houve, as entrevistas, os estudos e tu achas que não se ouviu ninguém?

O nosso direito a discordar, a protestar, a reclamar não implica que o governo deixe de ter o direito a não mudar de opinião e a prosseguir com os seus intentos.

E diga-se que o TGV não serve só para encher chouriços ... provavelmente será a nossa última oportunidade para nos ligarmos à rede de alta velocidade europeia e isso ainda deve valer alguma coisa apesar das low cost.

André Levi disse...

Ligar Portugal à rede de alta velocidade parece-me interessante.

Porém, deve-se constatar que os conceitos de interessante e útil são distintos...

Quanto custará uma passagem de Porto a Lisboa no TGV e quanto tempo se ganhará em relação ao Alfa? Quanto custará uma passagem de Lisboa a Madrid no TGV? Será mais barata do que a passagem aérea? Quanto tempo demorará a viagem?

Estas são questões pertinentes. Vamos fazer fazer duas linhas de TGV para os comboios andaarem às moscas? Franceses e espanhois consideram o TGV um meio de transporte consideravelmente dispendioso, mas uma opção viável, atendendo às circunstâncias próprias dos seus territórios e às necessiades das suas populações.

Facto é, parece-me, como parece também a demasiada gente, que avançando o TGV, haverá melhores alternativas. Sobretudo, mais baratas.

Avança-se com o TGV. As pessoas continuam a viajar de Alfa entre o Porto e Lisboa (porque provavelmente consideram que menos 30 minutos não valem mais 30€) e de avião entre Lisboa e Madrid (atendendo a que não haverá diferenças de preço e que o avião é mais rápido). Que faz o governo? Extingue o serviço Alfa Pendular? Proibe a ponte aérea entre Lisboa e Madrid? Ou deixa o TGV às moscas?

Demasiada gente o vê! E é, de facto, um investimento muito grande...

E esse dinheirinho podia ser tão melhor aplicado, ainda no que toca aos investimentos ferroviários. A linha entre Coimbra e Braga precisa de urgente requalificação. As linas do sul, do Alentejo e do Algarve estão uma porca miséria. Já nem falo das linhas transmontanas... E porque não pensar em ligar todas as capitais de Distrito ao serviço Intercidades? Lembro também que, nos locias onde a linha férrea o permite (de longe, uma pequena minoria dos troços), o Alfa atinge velocidades superiores a 200 Km/hora.

Mais uma vez, o consenso a que me refiro é, até, porventura, de verificação negativa. Não quer dizer que estejamos todos de acordo. Mas convém que não tenhamos todos (menos o grande engenheiro) a consciência de que isto é um terrível inverstimento. Não se pede que avaliemos todos os invenstimentos como "bons". Pede-se que não avaliemos um investimento desta importância ("que condiciona por completo a vida das futuras gerações") como "péssimo". Ainda mais quando é dirigido ao comum dos cidadãos!

Outra vez te digo: ouvir alguém não é por esse alguém a falar enquanto, fazendo ouvidos de marcador, se olha para o infinito... Ouvir alguém pressupõe estar atento a todas as suas palavras e não só àquelas que que nos interessam ou causam menos incómodo.

Se se tivesse ouvido alguém antes de qualquer tipo de compromisso teriam sido feitos estudos de mercado para aferir a utilidade e sustentabilidade do TGV. Se os cidadão fossem ouvidos com franqueza e abertura intelectual, não teria sido necessário ao Sr. Presidente da Câmara do Porto andar a gritar aos quatro ventos, quase feito maluquinho, durante imenso tempo, que a linha do TGV precisa de passar no aeroporto Sá Carneiro!

E já agora, o Governo não só não tem o direito de não mudar de opinião, absolutamente tomado, como tem o dever de o fazer, caso a sua opinião e os seus intentos recolham o consenso de que são prejudiciais à Nação e ao Estado. Estruturas mentais deste género estão na base da concepção de regimes "menos democrático". É uma visão demasiadamente legalista, com a qual tenho dificuldade em concordar.

Ary disse...

André Bastinhas Levi,

Eu sou contra o TGV! Como já disse mil vezes aqui. Não tens de me convencer.

As pessoas foram ouvidas. Fizeram-se alterações. Este é um péssimo indicador e os democratas deviam repudiar estas posturas? Sim. O governo é casmurro? É e não é pouco. Revela tendências menos democráticas? Revela sim. É autoritário? Sim. Isso interessa para saber o que ele pode ou não fazer? Não.

Ele devia fazer outra coisa? Devia. Devia ser mais aberto ao diálogo e a soluções de compromisso? Provavelmente. Mas isso não interessa!

Esta é uma posição que não é legalista, é de quem defende o Estado de Direito Democrático em vez do Democrático de Direito.

André Levi disse...

Não se trata de convencer ninguém a propósito das virtudes (ou da falta delas) do TGV. Trata-se de discutir a legitimidade do governo avançar com um projecto desta envergadura no presente momento. Considero que essa legitimidade, pelas razões já apresentadas, não existe.

Eu também sou daqueles que são pelo Estado de Direito Democrático. Sou pelo primado do Direito. Não se confunda, porém, primado com dominado.

De todo em todo, amigavelmente, concordemos em discordar.

Ary disse...

Dominação ou primazia deve estar aqui nos olhos de quem vê.

canoas_o_Mercenário disse...

Eu por acaso sou a favor do novo aeroporto. Acho que a portela daqui a nada vai ao ar, e um aeroporto é um investimento que traz sempre retorno.

Ja o TGV... é simplesmente idiotice e casmurrice. Mas poder fazer pode. Agora dever fazer nao deve. Pois temos de atentar a filosofia da governação. Que é o povo elege alguem para o representar, e o PR nomeia um PM para fazer governo. Se representar é no fundo fazer aquilo para que o povo o elegeu, (e acho que a vontade do povo aqui nao é a de querer onerar as geraçoe futuras com uma divida estupida) entao a AR nao esta a fazer o que devia.
As simple as that

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