Nota prévia: eu votei.
Votei; acho que votar é um dever cívico (apesar de ter sido um feliz contemplado com o recenseamento automático e retroactivo legislado por este governo - iniciativa que aplaudo entusiasticamente); e condeno a abstenção, embora reconhecendo nesta duas vertentes: a consciente e fundada; e a desinteressada, ignorante e preguiçosa.
Todavia, sou também um grande adepto do princípio do contraditório (e, prestando o devido tributo, foi certamente o Direito que me desvendou a sua potência para um conhecimento dialéctico e abrangente). E, por isso, deixo aqui um peculiar manifesto pró-abstenção. Que é muito interessante pois ao mesmo tempo que revela todo um desprezo e desconfiança hoje generalizados para com a Política, faz uso de alguns argumentos que não são despiciendos. É uma possível opinião-retrato da juventude portuguesa bastante verosímil, com traços inteligentes e ponderados. E uma boa dose de humildade, também.
E de quem é?
Do músico Sam the Kid, que no seu último albúm [Pratica(mente), 2006] incluiu uma faixa justamente com o epíteto "Abstenção".
Mas não é a letra da música que vou deixar. Na capa do disco há um caderninho para o ouvinte, em que cada para cada música há como que uma exposição-explicação. Numa vertente musical (produção, masterização e etc.) e, na vertente que me interessa, uma explicação mais ou menos teórica, pessoal, acerca do porquê da letra da música:
Nunca escrevi sobre política porque sinceramente não me interessa. No entanto, quando fiz este beat há uns anos, o meu pai sugeriu-me que fizesse uma letra política. Como sou indiferente a esses otários da política, decidi escrever acerca disso mesmo. E aqui poderá surgir uma questão: se sou tão indiferente, porquê dar-me ao trabalho de fazer uma música com essa temática? Aí eu contra questiono: não será válido fazer uma música sobre a indiferença política? Sei que é contraditório, e isto não é só indiferença, é desinteresse, é desprezo, é desconfiança.
Como explico na letra, não sou recenseado, logo não voto; e na minha situação estão milhares de jovens. A razão: não sei.
Não preciso de razões para não votar, preciso é de razões para votar. E não me venham com conversas do valor que o voto tem, porque sendo assim o meu voto é valioso demais para usar numa escolha de exclusão de partes. A maior parte dos votantes vota contra alguém. Para eu votar, teria de ser a favor de alguém em quem acreditasse. E sim, sou a favor da abstenção, porque acredito profundamente que algo pudesse mudar mais depressa desta forma, do que com cem por cento de votantes nas urnas. Para quê? Para sermos ainda mais na percentagem dos desiludidos? Não. Assim a minha consciência fica tranquila. Sei que para muitos isto é de uma ignorância tremenda, mas as pessoas já se fartaram de clichês e déjà vus todos os dias, todos os anos, e nada muda.
(bolds meus)
E interrogar-se-ão os leitores: e o voto em branco?
Eu acho que para quem pensa assim, a questão vai ainda mais fundo. Daí ser-se também... mais violento (na acepção de revolta).
spaceship wizardry
Há 2 dias
3 comentários:
Eu conheço a música embora não conhecesse a "exposição de motivos". Na altura pôs-me a pensar se essa também não seria uma posição possível, ciente que o boicote também pode ser um "political statement".
Ele fala muitas vezes de indiferença mas é tudo menos indiferente a muitas das questões de que fala. Como poderia ele conciliar desilusão ou insatisfação com indiferença?
Votar é uma das maneiras mais bonitas, simples, rituais de celebrar a democracia. Eu gosto mesmo de ir votar porque sinto que estou a fazer parte de algo belo, grande, de uma das grandes conquistas da humanidade: a descoberta de que, no limite, podemos confiar em todos e em cada um dos homens para tomar um decisão quanto ao rumo da sociedade.
meu ponto prévio: eu não votei, conscientemente. apesar de votar sempre, utilizando outra forma para expressar a minha opinião. mas esta seria uma discussão que não quero trazer para aqui.
o problema das abstenções é que nunca tornarão possível a distinção entre o não voto por consciência e o não voto desinteressado. reconheço isso e aí tenho pena que a minha opção (como a de outros, tenho a certeza) não possa ser lida de outra forma.
7 de Junho de 2009 22:49
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